segunda-feira, 12 de junho de 2017

Também já tive um Mercedes Benz branco

Canal de Opinião por Adelino Timóteo

Quando éramos miúdos, costumávamos sentarmo-nos ao muro, na Rua 4, e daqui contemplarmos os carros que troteavam pela Rua Condestável, que passava do outro lado do descampado. Normalmente ficávamos aqui em grupo de sete a dez.
Era a nossa brincadeira então cada um eleger o seu carro. Certo que a Rua 4 era paralela à do Condestável.
Púnhamos a olharmos de viés, atentos aos carros que cortavam a Condestável, num e noutro sentido, quer dizer, desde o Matacuane e do Macúti. Pois bem, quando os vultos dos carros surgiam na penumbra tinha-se que ter algum instinto, alguma intuição para reclamar a pertença, a propriedade dos automóveis. Arrolavam-se entre os carros: Marcedes Benz, Austin, Morris, Datsun, Subaru, Anglia, Court. Era uma brincadeira muito pura. “Meu carro”, gritava cada um a seu turno. Ficava-se uns minutos a comentar acerca do carro eleito. As suas comodidades e confortos, nem que fosse por utopia ou fantasia. Quando ele desaparecia no horizonte ninguém mais se lembrava dele, para logo a seguir voltamos ao ponto zero. Na destreza da condução, lá iam os inadvertidos condutores, que nunca chegariam a imaginar que conduziam carros alheios.
No nosso imaginário infantil, os carros alheios eram sempre da nossa pertença. Davam-nos uma alegria danada, porque no intervalo da circulação entre um e outro carro, alguns tinham habilidades para nos transmitir como os carros eleitos eram mecanicamente bons para levarmos as nossas futuras esposas e namoradas, como eram maleáveis para iludirmos a vigilância. Éramos nós que os admoestávamos. Agora são os carros que nos admoestam.
E a propósito, já ninguém brinca ao “meu carro”, talvez por essa brincadeira ter sido de tontos, a braços com a falta de brinquedos. Agora substituímos a pura convenção infantil pela ambição de tê-los no quintal parqueados, ou a circular, para que meninos que têm a idade que nós já tivemos os possam reclamar:
“O meu jeep vermelho é maior que o teu”, ou “O meu cherokee é dez vezes melhor que o teu Toyota”, ou ainda “Não estás a imaginar ao volante de um Mercedes Benz top de gama, que aquilo mais parece a uma cabine de piloto, com luzinhas e comandos, que por horas não sabes quais deles activar”.
À volta de eleição de automóveis, e transmutando às questões domésticas, se o sonho do deputado preside a ter um carro top de gama, pago dos nossos bolsos depauperados em cinco séculos de colonização, em dezasseis de socialismo utópico e outros tantos de liberalismo económico, sinceramente eu não sei em que vou votar nas próximas eleições. Não sei porque está-se a ver que os políticos estão cada vez mais empenhados na busca de comodidades à custa da nossa desgraça colectiva.
Sinceramente, cá para os meus botões, estou a pensar que nos dias em que correrão as próximas eleições voltarei aos muros da minha infância, para lembrar que também elegi uns tantos carros, que ilusoriamente me pertenceram, mas que jamais me fizeram caso, tanto como a horda dos deputados, que farão campanha eleitoral disfarçados em carros modestos. Sei que no processo de desmemória colectiva que vimos sofrendo desde 1975, muitos certamente irão esquecer, pura e simplesmente que enquanto alguns que nos pedem votos têm nisso um “business” chorudo.
Os partidos viraram clubes de empresários politicamente prósperos e produtivos, em salas e ar-condicionados pagas do erário público.
Não choro nem invejo, mas sinto vergonha por aqueles, sejam da esquerda ou da direita que perderam totalmente o pudor perante os proscritos.
Qual inveja!
Também eu já tive um Mercedes Benz branco, novinho e em folha, a brilhar, bem “tuneado” como o da mamã Verónica. (Adelino Timóteo)
CANALMOZ – 12.06.2017

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