Existe esta expressão que diz que se você caíu numa cova não pode sair dela por cavá-la ainda mais.
Vem isto a propósito das declarações do Governador do Banco de Moçambique (transmitidas esta noite nas TVs – 19 de Junho de 2017) ao dar “explicações” da intervenção do Banco de Moçambique ao MOZA banco e da sua posterior venda ao fundo de pensões dos trabalhadores do próprio Banco de Moçambique. O Governador do Banco de Moçambique fez uma série de declarações que são de arrepiar e que levantam dúvidas sobre em que Moçambique ele vive.
Primeiro, é uma desculpa esfarrapada dizer que fez como fez porque não tem leis que lhe permitam fazer diferente e melhor. Isso é um queixume. Se não tem as leis que lhe permitam fazer bem o que deve fazer, então que prepare a proposta de Lei e a entregue a quem lhe colocou lá para levar ao sítio onde a lei deve ser aprovada. Esse é o seu papel como conselheiro do governo, e não de fazer coisas mal feitas e depois vir dar explicações dessa natureza. Se o regulador não tem o quadro legal para agir tem que exigir esse quadro, e trabalhar para se criar esse quadro, e não agir discricionariamente de maneira controversa e de racionalidade duvidosa para depois dizer que fiz assim porque não tem quadro legal próprio.
Segundo, o Governador Zandamela entendeu mal a preocupação das pessoas sobre o conflito de interesses. E é extremamente grave e preocupante quando o regulador não tem clareza sobre a natureza de conflitos de interesse no seu domínio, pois uma das tarefas do regulador por natureza é monitorar e controlar atos que resultam de conflitos de interesse. O que as pessoas levantam como especto fundamental do conflito de interesses não é em relação a ele, pessoalmente, como Zandamela. As pessoas estão a pensar no Governador (seja ele Dr. Zandamela ou outro), e no conjunto dos trabalhadores do banco de Moçambique que são por definição accionistas do MOZA Banco por serem pensionistas do fundo detentor da maioria daquele banco comercial, em resultado da "decisão superior de gestão" tomada pelo Governador do Banco de Mocambique. Isto envolve desde Administrador passando por diretores até simples estafeta que seja pensionista do Banco de Moçambique. Por isso o conflito de interesses (ou a aparência dele) é institucional, o que é mais grave ainda. Por isso a explicação de que não há conflitos de interesse porque ele (o Dr. Zandamela) não tem pensão do Banco de Moçambique é despropositada, uma não-resposta e nem interessa ao público. As pessoas já sabem que ele não iria trocar uma pensão de mais de vinte anos no FMI por uma pensão do Banco de Moçambique que só começaria a pagar agora.
Deixando esses assuntos, o Governador falou sobre a situação económica e financeira no país e disse que já não há crise em Moçambique, que a economia dá sinais de recuperação, que o sector financeiro está a funcionar em pleno, e o Banco de Moçambique está a aumentar as suas reservas (citando mais de cem milhões de dólares adicionais em seis meses). Reconheceu mas minimizou os desequilíbrios fiscais, e asseverou que devemos deixar de ser pessimistas.
É um discurso consonante com a proclamação do chefe de que “Moçambique está de volta”. A minha espinha gelou.
A outra coisa que Governador Zandamela afirmou foi que a crise do MOZA Banco é a primeira na história do sistema bancário de Moçambique que obrigou a uma intervenção do Banco de Moçambique. Neste caso eu perdoaria o Governador se não leu os jornais na altura, pois ele próprio disse publicamente que viveu durante muitos anos fora de Moçambique. Mas como Governador tinha obrigação de estudar um pouco da historia da instituição que dirige. Quando foram roubados o Banco Comercial de Moçambique (BCM) e o Banco Popular de Desenvolvimento (BPD) e mais tarde Banco Austral (hoje vendido ao Barclays), a crise só não foi “sistémica” para quem não quis ver. Mas que teve uma intervenção teve sim senhor, e foi do mesmo Banco de Moçambjique que o Dr. Zandamela dirige hoje. E foi uma Intervenção que custou não só dinheiro dos contribuintes como até vidas preciosas. Uma dessas vidas é de um colaborador muito qualificado e competente do próprio Banco de Moçambique, que hoje poderia ser ele sentado na cadeira onde o Dr. Zandamela está sentado como Governador (ou muito próximo dela). E quando foi morto havia sido mandado pelo Banco de Moçambique para transitoriamente gerir um banco comercial intervencionado, recapitalizado, revendido e depois roubado outra vez e deixado abandonado. Foi morto por bandidos ao serviço de mandantes que muito provavelmente o governador até já pode ter apertado mão sem saber pois muito certamente alguns deles ainda pululam nos banquetes oficiais. O Governador Zandamela já visitou o lugar onde a tragédia ocorreu alí mesmo a menos de trezentos metros do Gabinete dele? Se não o fez ainda, aconselho-o a faze-lo, o 11 de Agosto está próximo. Isso havia de lhe ajudar muito a aterrar no seu solo pátrio, a ter mais sensibilidade e cautela no que diz, e para ver se se livra do perigo de viver em bolhas do poder!
E vou parar aqui. Até porque já entornei o caldo. Sempre que escrevo algo relacionado com o Banco de Moçambique um bom amigo meu costuma chamar-me atenção dizendo que nunca se deve levantar o véu da noiva. Ele vai ter que me desculpar se hoje não resisti.
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