- Escrito por FDS
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Na qualidade de empresário do sector da Educação, o Professor Doutor Lourenço do Rosário traz-nos uma reflexão sobre a actualidade socioeconómica moçambicana. Debruça-se sobre o esforço demonstrado pela ministra do Trabalho, Emprego e Segurança Social, Vitória Diogo, na negociação do salário mínimo, compulsando, igualmente, sobre o desfasamento entre as políticas públicas e a governação económica do País: “As pessoas levam uma vida acima das suas capacidades, quando a verdadeira crise ainda está por vir”, acentua.
Considerada a actual situação económica que o País atravessa, o Governo aprovou novos salários mínimos para este ano, cujas taxas de aumento variam de 5,8 a 21 por cento. Mas em Março, eu já havia conversado com alguns dos meus companheiros, também eles pequenos e médios empresários, e dizíamos que a ministra Vitória Diogo não conseguiria, este ano, negociar o salário mínimo. E todos nós estávamos de acordo em como não seria possível este aumento, porque o Governo não poderia exigir dos empresários nenhum aumento dos salários. Mas, ao mesmo tempo, os sindicatos defendiam a necessidade de se acompanhar a inflação.
Tínhamos aqui uma luta de classes, em termos marxistas: por um lado, o trabalho e, por outro, o capital. Ora, o trabalho exige uma remuneração adequada para poder ter condições para trabalhar. O capital diz não ter condições económicas, para poder remunerar o trabalho. Este é o problema principal.
Mas as nossas empresas, no País, estão quase todas numa situação de pré-falência, porque devem muito dinheiro aos bancos, com juros muito altos. Algumas estão a reestruturar as suas dívidas com os bancos e muitas têm crédito mal parado. Face a este cenário, todos nós estávamos convencidos de que era muito difícil que o Governo conseguisse um ponto de equilíbrio entre os trabalhadores e os empregadores.
Vejam só que no comité de Concertação Social não estão presentes as grandes empresas como a Mozal, Anadarko etc. Quem está lá somos nós, pequenos e médios empresários. Por outro lado, estão os sindicatos que vão lá e pedem: queremos 20 e tal por cento de aumento no salário mínimo. Até se calhar será justa esta exigência, porque o que estão a pedir está abaixo da inflação.
Mas como é que o patronato, que está em pré-falência, pode aceitar pagar 35 por cento da restruturação da dívida ao banco e, ao mesmo tempo, aumentar de 5 mil meticais para 16 mil meticais. Não é possível, daí que nós todos estávamos convencidos de que o processo de negociação do salário mínimo iria vazar para os jornais, gerando um conflito na Concertação Social.
Jornais e redes sociais
O primeiro grande mérito da ministra do Trabalho foi a sua capacidade de negociar este pacote, sem vazar absolutamente nada para os jornais e redes sociais. Isto é um grande mérito dela. É a primeira vez, desde que ela chegou àquele pelouro, que a Concertação Social não é discutida nos jornais. As posições iam extremadas. A pessoas sabiam o que os sindicatos queriam e sabiam daquilo que o patronato poderia dar. E o Governo tinha que encontrar o ponto de equilíbrio.
O segundo grande mérito da governante foi o facto de o Governo ter apresentado na mesa a sua fasquia. É como jogar uma cartada, apresentando o ás: eu vou dar tanto! E surpreendeu a toda a gente esses 21 por cento do aumento. Não é grande coisa, porque os funcionários públicos ganham muito pouco. Note-se que estamos a falar do salário mínimo. Não foi um aumento de 21 por cento para toda a função pública.
Mas o trabalhador pensa sempre que o patrão está a aldrabar. O trabalho e o capital nunca são aliados. A falência das empresas pode provocar desemprego, o que é um grande ónus para o Estado. Aprecio a ministra por estar a gerir uma situação, em que a pauta do FMI pode vir a provocar o desemprego.
Normalmente, na função pública, pouca gente ganha o salário mínimo. Disso as pessoas não sabem. Mas de qualquer maneira foi uma boa jogada, para relaxar o ambiente, pois se o Governo entrou com essa percentagem, os outros empregadores sentem-se na obrigação de serem mais generosos e pagar.
Pacote do FMI
Há um aspecto nessas negociações que nos leva a pensar: É que a verdadeira crise ainda não chegou. Ela chegará quando o FMI restabelecer as relações com o Governo de Moçambique e apresentar o seu pacote de exigências. Uma cartilha como aquela que apresentou à Portugal, à Grécia e à Irlanda, quando solicitaram o resgate. O que apresentou à Magid Osman, que era na altura ministro das Finanças, quando foi da vez do PRE. Só que nessa altura, nós não sentimos o peso das medidas de austeridade, porque estávamos muito embaixo. Nessa altura, o PRE foi até uma bênção.
A verdadeira crise está por vir, quando chegar o pacote e aí sim, será uma crise sistematizada, a chamada austeridade. O FMI pode mandar cortar as pensões, baixar salários, tirar subsídios, etc. As pessoas não estão atentas. Quando Magid Osman proferiu uma palestra na Universidade Politécnica sobre como restaurar a confiança, disse que era necessário rapidamente se restabelecer a relação com o FMI. Porque, nessa altura, é que nós iremos perceber qual é a cartilha que o FMI vai trazer.
A ministra do Trabalho quando consegue o acordo sobre o salário mínimo, tem em mente que este problema pode ser retomado, inclusivamente para retirar esses aumentos efectuados. Quem vai sofrer naturalmente são as classes mais baixas. Nós vimos isso na Grécia, em Portugal. Quando o FMI entrou, quem sofreu mais foram os pensionistas. A reforma fiscal vai aos bolsos dos empresários, mas reduzir a pensão de um indivíduo que recebe dois, três, quatro, cinco mil meticais, é terrível. Eles podem baixar o salário mínimo ou mesmo congelá-lo.
As pessoas não sabem que tipo de pacote virá do FMI, mas uma certeza temos, é de que esta cartilha virá. Ninguém, pode ter dúvidas sobre isto. Aliás, o Banco Mundial já informou sobre o montante que irá disponibilizar a Moçambique a partir de 2018. E todos nós sabemos que o Banco Mundial e o FMI andam de braço dado, isto é, o FMI concebe e planifica e o Banco Mundial, por outro lado, põe em prática. Aliás, o novo governador do Banco de Moçambique tem estado a tentar fazer passar esta mensagem. Só que as pessoas estavam habituadas ao longo desses anos a viver acima das suas capacidades.
Eu penso que o terceiro grande segredo da ministra do Trabalho foi o seguinte: Vamos tentar fazer o aumento possível e aguardar que pacote é que virá aí pela frente.
Nós não podemos habituar os nossos filhos a passear de carro, comer nos restaurantes, ir de férias para fora do País, com dinheiro emprestado pelos bancos. Às pessoas ou governos que fazem isso, o FMI manda viver conforme as suas capacidades, que é a nossa economia real.
Neste momento, parece que há da parte do Governo uma ofensiva para a agricultura, mas quem faz mais barulho são os tecidos urbanos, nomeadamente os funcionários públicos, os operários, a classe média, entre outros. O camponês não tem esses problemas. Há uma espécie de desfasamento entre as políticas públicas e a governação económica do País. Quando se começa a pensar na crise social do País, não se pensa no levantamento massivo dos camponeses. São os desfavorecidos urbanos que se levantam. Os blindados quando ocupam as praças públicas para evitar sublevações sociais estão a prevenir para que não haja distúrbios nas cidades e não no campo.
Dívidas
Penso que os meios de comunicação social deviam promover debates sobre a situação real do País. Perdeu-se um pouco o foco, pois a crise do País não é originada apenas pelas dívidas escondidas. Elas vieram sim provocar a desconfiança do FMI e a retirada do apoio dos parceiros de cooperação. Vieram agravar a situação, mas o País tem estado a endividar-se há já muitos anos, praticamente desde a Independência.
A dívida de 750 milhões de dólares que foi feita para a construção da ponte que liga Maputo à Catembe não foi discutida no Parlamento, assim como a dívida que serviu para a construção da Circular de Maputo. O problema das outras dívidas reside no facto de que se disse que eram para uma coisa, mas parece que foram para outra. As grandes dívidas nunca foram ao Parlamento, só que estas chamadas dívidas escondidas não foram ao Parlamento como as outras e foram ocultas, porque os fins a que eram destinados não podiam ser discutidos no Parlamento de um país atípico como o nosso.
Experiência da Politécnica
Nós, na gestão da Universidade Politécnica tentamos também acompanhar esta fase. Não subimos o valor das propinas. Criámos uma comunicação permanente com os estudantes e as suas famílias, para entenderem, por exemplo, que nós não podemos reclamar ar-condicionado na sala de aulas, quando não pagamos as propinas.
Se não consegue pagar propinas num determinado mês que se diga quando é que poderá pagar. No fundo, reestruturamos o processo de cobrança da propina como os bancos estão a reestruturar as dívidas das pequenas e médias empresas. Não mandamos ninguém embora e isto é que nos permite sobreviver. E assim evitamos grandes convulsões. No fundo, para se sobreviver tem que se encontrar um equilíbrio.
Se baixássemos as propinas não conseguiríamos pagar aos professores e os problemas continuariam.
Professor Doutor Lourenço do Rosário Empresário na área da Educação e reitor da Universidade Politécnica
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