sexta-feira, 30 de junho de 2017

Pa kwecha - Jornal livre e independente de Chemba - JUNHO 2017 | ANO I • N. 1

JUNHO 2017 | ANO I • N. 1 | 2 METICAIS Editorial Amigo, amiga, tens nas tuas mãos uma vida. Porque um jornal é como uma crian- ça: é uma vida. Uma criança tem vários nascimentos. Nasce uma primeira vez a partir duma relação de amor entre um homem e uma mulher. Nasce uma segunda vez quando sai do ventre da mãe. Nasce uma terceira vez quando recebe o nome e é apresentada à comunidade, no rito do “chissasa”. Da mesma forma, este jornal – esta criança, esta vida – já nasceu uma primeira vez nas mentes das pessoas que o conceberam. Nasceu uma segunda vez quando as ideias receberam a forma das palavras e viram a primeira luz nas folhas dum caderno. Agora, aí nas tuas mãos, está a viver o seu terceiro nascimento. Este é o “chissasa” de “Pa kwecha”. Pa kwecha: quem é? Pa kwecha é muitas pessoas. Nasce da creatividade dum grupo de rapazes e raparigas do Internato “Santa Teresinha do Menino Jesus” PA KWECHA | junho 2017 | 1 de Chemba. O menor de nós tem treze anos e frequenta a 8ª classe, enquanto o maior tem dezanove anos e frequenta a 11ª classe. “Nzeru mbawiri”, afirma a sabedoria do povo. De facto, no Pa kwecha, cada um faz a sua pequena parte, mas sempre junto com os outros: juntos pensamos este jornal, juntos debatemos, juntos partilhamos as ideias, juntos escrevemos. Acreditamos que é através do diá- logo e do debate sincero, honesto e transparente das nossas opiniões que podemos crescer como pessoas livres e como cidadãos dotados de espírito crítico. Pa kwecha: porquê? Pa kwecha: abertamente, à luz do sol. Pa kwecha é o contrário de chibiso-biso, às escondidas. Chibiso-biso é a regra com a qual, em muitos cantos do mundo, o poder – junto com o medo, seu fiel aliado – aprisionam as mentes e obstaculam a livre expressão das ideias. Pa kwecha é o mesmo ideal que encontramos no artigo 48 da Constituição do nosso País que garante a “todos os os cidadãos o direito à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, bem como o direito à informa- ção”. Pa kwecha quer dizer abertamente e sem medo aquilo que, muitas vezes, só se fala em baixa voz. Pa kwecha: o que faz? A escola - geralmente e infelizmente – ensina-nos a repetir, a decorar e a meter X numa folha no dia da prova. Nós, ao contrá- rio, acreditamos que é mais importante que a escola nos forne- ça as capacidades para analisar e compreender a realidade de modo a elaborar uma visão e um pensamento pessoal. A sociedade, a política e o poder nos ensinam a obedecer e cumprir: «o bom jovem é aquele que respeita as regras e faz tudo o que lhe é mandado sem discutir». Sem perguntar se as regras são boas ou não, se são para o bem de todos ou para o interesse de poucos. Nós, ao contrário, acreditamos que é mais importante formar jovens que saibam pensar com a sua cabeça, criticar e propor uma visão diferente da realidade. São estas as premissas para construir uma sociedade melhor: uma sociedade justa e democrá- tica, onde todos – independentemente da cor, raça, sexo, posição social ou opção política – tenham as mesmas oportunidades. Pa kwecha quer fazer a sua pequena parte: informar, actualizar e fazer circular ideias. Um espa- ço de debate das opiniões, uma janela que abre uma perspectiva inteligente e crítica sobre a realidade. Pa kwecha quer fazer tudo isso junto contigo, caro amigo leitor e cara amiga leitora. Se a escola fosse um carro... Queremos falar de escola e – para ajudar a nossa reflexão – vamos comparar a escola e o sistema de aprendizagem moçambicano com um carro. Este nosso carro, como todos os carros, tem quatro rodas. Primeira roda: os professores. Secunda roda: os alunos. Terceira roda: os encarregados da educação. Quarta roda: as autoridades administrativas (Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano – MINEDH, Direcções Provinciais e Distritais da Educação). Este nosso carro parece andar muito mal. Aliás, algumas rodas, as vezes, ficam tão esvaziadas que o carro nem consegue arrancar. Damo-nos conta que o nosso carro tem problemas, quando depararmos com alunos que estudam sentados no chão, com alunos que entram no Ensino Secundário com grandes dificuldades de leitura e escrita, com casos de corrupção que envolvem muitas escolas, com a fraca qualificação e o fraco empenho de alguns professores. Como bons mecânicos, vamos tentar de abordar o problema. Para o carro correr bem, é preciso que as quatro rodas estejam num bom estado, isto é, que cada um dos quatro sujeitos acima citado levem a sério as suas tarefas. Talvez, a bomba para encher bem os quatro pnéus chama-se mesmo “seriedade”. Por exemplo, nunca vimos as aulas arrancar no primeiro dia do trimestre, facto que produz o atraso no cumprimento do programa curricular. Isso demostra a falta de seriedade dos professores – que sendo adultos deveriam ser de exemplo, dos alunos – que manifestam não acreditar no estudo como meio de desen- 2 | PA KWECHA | junho 2017 volvimento da sua personalidade, dos encarregados – que não se interessam da educação dos educandos. Se é verdade que as aulas começam no primeiro dia e terminam no último dia, é também verdade que começam no primeiro tempo e terminam no último tempo. Para dar aulas, o professor tem que estar presente na sala de aula do primeiro até o último tempo. Talvez seja esta a primeira e mais simples revolução na escola da nossa pátria amada. Vamos fazer um outro exemplo de roda vazia. Como é possível que um aluno que sai da 10ª classe, se pode tornar professor do Ensino Primário, depois de ter feito um só ano de formação? Talvez o MINEDH confia demasiadamente na inteligências dos formadores! Ou, mais provavelmente, a fraca formação dos professores é uma das principais causas do fracasso do Ensino Primário em Moçambique. Mas, talvez, a grande falha do sistema de ensino no nosso País é aquela de formar alunos que só sabem repetir. Desde o primeiro dia de aulas, aprendemos a copiar: copiar do quadro, copiar livros, copiar apontamentos, copiar brochuras, copiar da internet. Raríssimas vezes, alguém ensinou-nos a elaborar um pensamento nosso ou pediu-nos de expressar livremente as nossas ideias. Neste caso o que está vazia é a roda do MINEDH. Ainda ninguém viu um carro andar com duas ou três rodas. É preciso que todas as quatro rodas juntas estejam presentes e em boas condições. Só assim o carro da escola do nosso Moçambique pode correr bem do Rovuma à Maputo e do Zumbo ao Índico. PA KWECHA | junho 2017 | 3 Onde é que vamos com o nosso País? No dia 4 de Outubro de 1992 em Roma, o Governo Moçambicano e o maior partido de oposição, a Renamo, assinaram o Acordo Geral de Paz, depois de 16 anos de guerra que deixou destruição, morte e pobreza. Em 2012 recomeçou o conflito armado entre Governo e Renamo. Mas a situação piorou depois das eleições gerais de 2014, nas quais a Renamo dizia não aceitar os resultados por causa de fraudes evidentes. Além disso, a Renamo exigia a governação das seis Provincias onde reivindicava ter ganho. A Frelimo rejeitou a proposta da Renamo e o conflito agravou-se ainda mais. Foi o retorno da violência armada no País, que ficou igualmente marcada por raptos e assassinatos de membros da oposição por parte de esquadrões da morte ligados ao partido no poder. Houve ataques aos autocarros e à comboios de mercadorias por parte de homens armados da Renamo, vitimando pessoas civís, afundando a economia do País, já fortemente afectada pelo escândalo das dividas escondidas contraidas ilegalmente pelo Governo. Muitos nossos irmãos tiveram que fugir das zonas de guerra, provocando uma crise de refugiados. Depois de ter falhado as negociações conduzidas por mediadores internacionais, a partir do final de Dezembro de 2016, foi anunciada a primeira trégua que surgiu depois de um contacto directo entre Nyusi e Dhlakama por via telefone. No dia 4 de Maio de 2017, foi anunciada a trégua por tempo indeterminado. Contudo, afirmou o lider da Renamo “este acordo não significa o fim da guerra, mas significa o início do fim da guerra”, esclarecendo que o acordo politico para a paz definitiva não deverá acontecer antes de Dezembro próximo. Apesar disso, os militares estão a sair das matas, não há desparos, os carros recomeçaram a circular, os alunos estudam nas escolas e a economia lentamente se levanta. A guerra levou os nossos pais e irmãos para irem lutar e não voltar mais. Se queremos um Moçambique melhor, isso nunca poderá acontecer novamente: ninguém pode tirar a vida dos outros, só porque têm uma opinião diferente. As crianças não nascem hoje, para morrer nas matas amanhã. Nascem para estudar, para crescer como pessoas honestas e ser bons cidadãos. Mas o caminho pela frente ainda é longo. Porque paz não é só ausência de guerra e silêncio das armas. A paz é consequência de muitos factores. Pode haver paz onde há corrupção, abusos de poder, falta de respeito das opiniões diferentes, desigualdade e injustiça na distribuição das riquezas, arrogância das elites no poder? Com certeza, não! A paz está no nosso trabalho para construir um Moçambique melhor. Um Moçambique mais justo, com iguais oportunidades para todos. A paz está nas nossas mãos. Quem é Nelson Mandela? Nelson Mandela foi o Pai da África do Sul e, ao mesmo tempo, é reconhecido em todo o mundo como um dos maiores líderes morais e políticos de todos os tempos. Mandela nasceu a 18 de Julho de 1918 em Mvezo, uma pequena aldeia da África do Sul, duma família de nobreza tribal. O seu destino teria sido de ocupar o cargo de chefia. Mas o jovem Mandela estava mais preocupado com o sofrimento da sua nação. De facto, naquela altura, na África do Sul imperava o regime repressivo do apartheid, palavra que significa “separação”. O sistema racista do apartheid visava separar as raças através da separação das pessoas em espaços para cada raça. Aos negros eram fornecidos serviços inferiores aos dos brancos, em termo de educação, saúde e transporte. O apartheid era um regime desumano e cruel que privava os negros dos elementares direitos humanos. NELSON MANDELA A EDUCAÇÃO COMO ARMA PARA TRANSFORMAR O MUNDO Diante deste sistema injusto, Mandela acreditava na luta não violenta e afirmava que “a educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo”. Por isso, aos 23 anos, transferiu-se para a capital Joanesburgo, onde começou a estudar na Faculdade de Direito até tornar-se advogado com o objectivo de defender os direitos dos oprimidos. Aí começou a sua actuação política, tornando-se o líder do African National Congress, o partido que tinha como objectivo livrar o país do apartheid. Por ser coerente às suas ideias, Mandela passou 27 anos na prisão. Depois de uma grande baltalha pacífica, Mandela venceu o apartheid e tomou posse em 10 de Maio de 1994 como primeiro Presidente negro da África do Sul. O que Mandela nos ensina com a sua luta? Que vale a pena acreditar e lutar pelas nossas ideias quando estas têm o objectivo de mudar a realidade e construir um mundo melhor. A “operação tronco” e a protecção das nossas florestas No dia 1 de Março deste ano o Governo lançou a “operação tronco”, a primeira campanha de fiscalização florestal em Moçambique que visa travar o corte ilegal de madeira. Foi o mesmo ministro da Terra e Desenvolvimento Rural que afirmou que a “operação tronco” está a mostrar “um cenário desolador e inaceitável de devastação dos nossos recursos florestais”. Falando da corrupção no sector madereiro, o ministro acrescentou que “houve comportamentos desviantes dos órgãos dos Estado, daí que serão suspensos alguns chefes de serviços fiscais”. Com esta operação foi descoberto que mais de 75% dos operadores maderereiros oficialmente registados em Moçambique operam no meio de muitas ilegalidades. O grosso das irregularidades foi revelado em estaleiros cujos proprietários são cidadãos chineses. De facto uma investigação realizada alguns anos atrás pela EIA (Environmental Investigation Agency) aponta que 90% da madeira exportada de Moçambique vai para a China e que o 48% de toda a madeira que vai para a China é ilegal. Por causa do corte ilegal de madeira, além do facto que não entra dinheiro nos cofres do Estado que poderia ser utilizado para o bem do povo, as que ficam mais afectadas são as comunidades locais. Por exemplo, no nosso Distrito de Chemba, como em muitos outros lugares de Moçambique, nos últimos anos, estamos a sofrer com o problema da seca. E todo nós sabemos que o corte de árvores reduz a precipitação chuvosa. Todos nós estudámos no Ensino Primário sentados no chão. Aquilo que nos deixava mais tristes e também um pouco zangados, era ver, todos os dias, a sair camiões cheios de madeira cortada nas nossas floREDACÇÃO Pa kwecha é: Abel, Angelo, António, Armando, Chanjenza, Conde, Fidel, Isaquel, João, Manuel, Marcos, Rosália, Teresa, Windo, Pe. André. Pa kwecha Internato “Santa Teresinha do Menino Jesus” – Paróquia de Chemba – 4° bairro – Chemba restas para encher os bolsos de poucos e nós continuando estudando sentados no chão. Apesar de o Governo ter atrasado pelo menos 10 anos, nós estamos felizes com esta operação. Estamos também felizes com a decisão do Governo de supender o corte de madeira até o dia 30 de Junho. De facto, depois de muitos anos, pela primeira vez, não estamos a ver camiões cheios de toros da nossa madeira passar nas nossa estradas. A nossa esperança é que esta medida continue e que seja uma oportunidade para acabar de vez com o corte ilegal de madeira e para defender as nossas florestas e os direitos das comunidades. Distrito de Chemba Corte ilegal de madeira 4 | PA KWECHA | junho 2017

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