A PORTA DO PARAÍSO
As Mamãs
Júlia e Maria tinham a sua teoria: o manjangate era obra de mwâlelo, uma
espécie de feitiço enviado por machambeiros preguiçosos e que, na
possessão da magia, faziam grandes colheitas em suas machambas, que, não
obstante desprovidas de culturas, era donde transferiam aquele arroz
sem cápsula, em demérito daqueles que tanto se tinham esmerado.
Eu as via a explicarem à minha mãe aquela ideia besta, sem a conseguirem convencer. As Mamãs Júlia e Maria conheciam a arte desses obscurantistas, que passavam o tempo da sacha, em suas casas; pouco ou nada faziam, quando se tinha de transplantar o arroz, dos canteiros, para os plantarem na machamba. Pouco se davam ao trabalho de preparar a terra e se imergirem nas águas, quando o arroz já tivesse rebentado, para extraírem a erva daninha.
Para a desgraça da minha mãe, lembro-me delas a instruírem, no sentido de pagar a um nhamussoro, a fim de que este lhe preparasse o mulimelo, um talismã, para se proteger daqueles camponeses oportunistas, cuja sorte, em cada safra, era coisa de nos deixar boquiabertos, pois, onde não plantavam nada, levavam dois a quatro meses a colher. As vezes, com uma parcela de trinta hectares, podiam encher um armazém, com a capacidade de trinta toneladas. Lembro-me delas a dizerem ainda que o sucesso destes era tao grande, que os sujeitava a passarem a noite a colher o arroz, tal como se estivessem de castigo. O pior, segundo elas, sabia-se que, naqueles vãos exercícios, eram elas próprias as vítimas; ao que, ainda assim, se fechavam em copas, porque, apesar da certeza e de seus olhares de censura, não tinham como provar.
Eu as via a explicarem à minha mãe aquela ideia besta, sem a conseguirem convencer. As Mamãs Júlia e Maria conheciam a arte desses obscurantistas, que passavam o tempo da sacha, em suas casas; pouco ou nada faziam, quando se tinha de transplantar o arroz, dos canteiros, para os plantarem na machamba. Pouco se davam ao trabalho de preparar a terra e se imergirem nas águas, quando o arroz já tivesse rebentado, para extraírem a erva daninha.
Para a desgraça da minha mãe, lembro-me delas a instruírem, no sentido de pagar a um nhamussoro, a fim de que este lhe preparasse o mulimelo, um talismã, para se proteger daqueles camponeses oportunistas, cuja sorte, em cada safra, era coisa de nos deixar boquiabertos, pois, onde não plantavam nada, levavam dois a quatro meses a colher. As vezes, com uma parcela de trinta hectares, podiam encher um armazém, com a capacidade de trinta toneladas. Lembro-me delas a dizerem ainda que o sucesso destes era tao grande, que os sujeitava a passarem a noite a colher o arroz, tal como se estivessem de castigo. O pior, segundo elas, sabia-se que, naqueles vãos exercícios, eram elas próprias as vítimas; ao que, ainda assim, se fechavam em copas, porque, apesar da certeza e de seus olhares de censura, não tinham como provar.
Era espantoso
ouvi-las a falarem da seca, que havia, e ainda assim a chuva a cair,
sorrateira e ténue, nos campos daqueles mágicos camponeses, de forma
que elas eram surpreendidas, com os terrenos deles imersos, a padecerem
de cheias, enquanto os outros sofriam da mais abissal seca. Coisa que
parecia um exagero, também elas diziam que aqueles operavam o milagre de
colher, no mato mais denso, e de enviar pombos bravos às machambas
alheias, para que lá fossem fazer a safra agrícola.
E tinham a
capacidade de criar ilusão nas pessoas, de tal forma que estas vissem a
paisagem natural perfeitamente cultivada e a abarrotar de culturas
diversas. Claro que tanto a minha mãe como nós os demais, em casa,
ficávamos impressionados, com essas estórias, e eu não me via senão a
alugar os binóculos ao Mandongane para ir vê-los. Enquanto isto, a minha
mãe investia em incenso, as três rodeavam a machamba a queimá-lo. Pior
ainda, as duas Mamãs me mostravam machambas com bananeiras sem frutos,
e diziam que não me admirasse, se o dono lá chegasse e tivesse apenas
um cacho como fruto da colheita,
Coisas de mau
gosto, o que não se podia contrariar, e que, ainda assim, se tornava
aprazível de ouvir. Eu não cria que o cacho pudesse ser literalmente
colhido, de uma planta de bananeira sem fruto, mas se a convicção delas
era que se podia repescá-lo, de uma machamba algures, não tinha como,
senão calar-me e desfrutar.
E não só, elas
deixavam-me agoniado, quando, fazendo fé dos prodígios sobrenaturais
daqueles místicos camponeses capazes de porem as suas machambas
inundadas, estava nos meus olhos que, nos campos ao lado, e no vasto
pântano, a perder-se de vista, o mundo padecia de uma devastadora seca.
(Adelino Timóteo)
CANALMOZ – 08.06.2017
Sem comentários:
Enviar um comentário