quarta-feira, 14 de junho de 2017

"Hoje em dia, no Reino Unido, não usamos materiais com este grau de combustão"


A debilidade estava à vista. Num site criado pelos moradores da Torre Grenfell, o aviso estava explícito há quatro anos: "há uma falta geral de inspecção e manutenção de equipamentos de protecção contra incêndios na Grenfell Tower".
LUSA/FACUNDO ARRIZABALAGA
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LUSA/FACUNDO ARRIZABALAGA
Em Novembro do último ano, a comissão de residentes do prédio que ardeu nesta quarta-feira em Londres, um grupo chamado Grenfell Action Group, publicou um artigo no seu site em que apontava a falta de condições de segurança e acusava a administração do edifício de ser uma "mini-máfia".
O grupo antecipava ainda um "acidente catastrófico" que iria expor a "incompetência" da administração dos apartamentos, gerida pela autarquia local. Já em 2013, após um pequeno incêndio resultante de um curto-circuito, o grupo de residentes afirmara que por pouco se tinha evitado um desastre de grandes proporções. Uma das denúncias agora feitas dá conta da remoção de um sistema de controlo de chamas durante as obras de reabilitação do prédio em 2016 e não é claro que este sistema de protecção entre os andares tenha sido substituído. O processo de reabilitação do edifício esteve a cargo da empresa Rydon e as obras de requalificação terminaram em Julho de 2016. Alguns registos sugerem o uso de um material composto de alumínio no revestimento do edifício.
O uso do tal composto foi “acusado de alimentar quase uma dúzia de incêndios de grandes dimensões em todo o mundo na última década, incluindo em Melbourne em 2014”, segundo o Sydney Morning Herald.
A 5 de Março de 2013, na página oficial que agregava as vozes dos moradores do prédio, era denunciada a falta de inspecção e manutenção dos equipamentos de protecção contra incêndios.
"Muitos de nossos leitores lembram-se do que publicamos no dia 21 de Fevereiro [de 2013], citando a passagem mais recente da Avaliação de Risco de Incêndio em Grenfell Tower. Esse texto em particular teve 91 visitas no site num único dia, e por isso sabemos que este tema despertou muito interesse e foi lido por muitas pessoas. A passagem que citamos do relatório de avaliação foi altamente sugestiva de uma falta geral de inspecção e manutenção de equipamentos de protecção contra incêndios na Grenfell Tower e sugeriu ainda uma cultura de negligência em curso na TMO [Companhia gestora de propriedade em Londres]".
O director da Rydon, Andrew Goldman, diz que é muito cedo para especular. “Nós não sabemos se há uma ligação directa entre o incêndio e o revestimento”, afirmou na televisão britânica.
Em comunicado, a Rydon, empresa responsável pela requalificação da Torre Grenfell, afirma que “o edifício respeitava todos os parâmetros de construção necessários na regulação de incêndio e dos padrões de saúde e segurança”.
“Iremos cooperar com as autoridades competentes e os serviços de emergência e vamos apoiar as investigações sobre as causas do incêndio, no momento em que isso for oportuno. Dada a natureza contínua do incidente e os trágicos acontecimentos durante a noite, não seria apropriado especular ou comentar mais nesta fase”, explica em comunicado a empresa.
Christopher Miers, arquitecto citado pelo Guardian e fundador do grupo Probyn Miers, grupo de resolução de disputas de construção, diz-se surpreendido com a rapidez da disseminação do fogo.
“Hoje em dia, no Reino Unido, não usamos materiais com este grau de combustão. Os materiais utilizados são painéis ‘sanduíche’ que têm duas folhas de alumínio com núcleo e esse núcleo pode ser feito de diferentes materiais. Em outras partes do mundo, no Oriente Médio e na China, o material do núcleo ainda é feito de um produto plástico combustível, mas isso não é permitido e não é permitido no Reino Unido há muito tempo. Os painéis normalmente não têm materiais combustíveis na sua composição. É muito mais provável que o alastrar do fogo não tenha a ver com os painéis em si, é mais provável que o fogo se espalhe por outras razões”, explicou Christopher.
O arquitecto acredita que a renovação feita à torre tenha sido realizada para melhorar o isolamento do edifício.
"Existem regulamentos muito específicos que limitam a combustibilidade dos materiais. Quando um edifício tem mais de 18 metros, todos os materiais no exterior devem ser de combustibilidade limitada", explicou Miers ao jornal britânico.
E alerta para que “mesmo quando pensamos que um material é de combustibilidade reduzida, em certas situações extremas, esse material pode queimar na mesma”.
As causas do incêndio ainda não foram identificadas pelas autoridades britânicas.
Texto editado por Hugo Daniel Sousa

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