Tanglomanglo
Por Fernando Manuel
Aquilo já foi terminal e ponto de partida
dos comboios que faziam a ligação cidade de Inhambane/Inharrime nos anos 50 e
60, por aí. Eram locomotivas a vapor, utilizando como combustível o carvão
mineral ou mesmo lenha, em desespero de causa. Andavam tão lentamente que nos
pontos mais críticos do percurso – subidas e afins – os passageiros mais jovens
desciam e acompanhavam o seu martirizado passo a pé, em conversas
desgarradas.
Culpa de ninguém: este comboio tinha sido
concebido para vazar a mercadoria do porto de Inhambane para as terras do
hinterland local.
O homem ia a reboque.
Nos anos 70, princípios, a terminal deu
lugar ao Centro de Formação Profissional dos CFM, que entretanto eliminou a
linha: instalações de uma concepção arquitectónica super moderna, arejada,
quartos confortáveis.
Agora nem isso: os CFM alugaram as
instalações à Universidade Eduardo Mondlane, que ali forma quadros superiores
na área de Hotelaria e Turismo. Como o espaço é grande, sempre lá cabem as instituições
que o queiram por alugar para fazer seminários, uêquechopes e quejandos.
Se eu fosse de guerra, havia de exigir
que os CFM me pagassem indemnização por ocupação da terrra.
É assim:
Até princípios do século XIX, toda a zona
que vai hoje do Centro de Formação dos CFM até à ponte, abarcando o local onde
se situa o Hotel Baía, a sede do Concelho Municipal e a Catedral, eram pertença
do meu bisavô, Alaoudin Kabir, que ali tinha o seu kraal e reinava com poder
absoluto, mercandando com chineses, árabes e portugueses.
Aos 75 anos, o Mualimo Kabir tinha 5
mulheres, uma caterva de filhos e várias cangarras de netos e bisnetos.
As mulheres davam-lhe de comer das machambas
na zona onde hoje fica o aeródromo, enquanto dos seus 3 barcos lhe vinham as
proteínas que os seus “khafri“ traziam do mar sob a forma de abundantes mariscos,
peixe e crustáceos.
O meu avô, Alaoudin Kabir, foi o último
filho do clã, que o meu bisavô fez com a sua mulher mais nova, uma negra
retinta de Jangamo, de nome Rassi Guicotela. Más línguas:
Como a Rassi Guicotela não era muçulmana
de origem mas por adopção, e a maior parte das suas amizades era entre as “infiéis”,
tudo isto tendo como acúmulo o facto de ser a mais preferida do meu bisavô,
cedo começaram a circular rumores que, apesar de infundados, foram tornando a
sua vida um tormento:
que tinha metido o Alaoudin Kabir, meu
bisavô, numa garrafa, que tinha intenções de envenenar as outras mulheres do
Mualimo, que era muito ambiociosa e queria ficar com toda a riqueza do marido
comum e – mais grave ainda – que andava mancomunada com as grandes feiticeiras
da ilha de Linga-Linga, a fim de eliminar a estirpe.
Que ela própria, a Rassi Guicotela, era
uma grandessíssima vamp e chefe de uma seita de feiticeiras.
Numa noite de luar dois dias depois do
RAMADAN do ano de 1897, regaram a sua casa de adobe com cobertura de macúti com
petróleo e atearam-lhe fogo. Ela morreu carbonizada.
O seu filho recolheu os ossos calcinados
e guardou-os num saquinho de sarja que, à altura da sua morte, confiou ao seu
filho – meu pai, pour cause – que mos passou na altura da morte…
Tudo se apaziguou, com o tempo: semana
passada fui ao cemitério familiar dos Guicotela, em Jangamo, enterrar a Rassi.
Estava sozinho, fazia um chuvisco fino,
pairava uma espécie de neblina e quando cheguei à casa a minha filha mais velha
disse-me que a mãe tinha ido à maternidade: “se for uma menina “, decidi ali
mesmo “ vai-se chamar Rassi Guicotela de Alaoudin Kabir Jr”.
Illah Ikbar. Tudo é kismet!
SAVANA – 14.08.2009
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