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domingo, 30 de julho de 2017
Se queremos saber o que vai acontecer na Venezuela, basta olhar para Cuba
Entrevista
A esta Assembleia Constituinte que Nicolás Maduro impõe, com as
eleições deste domingo, "vai dar tempo ao regime, para poder voltar a
comprar o apoio das pessoas", disse ao PÚBLICO o analista Raúl Gallegos.
"Se queremos saber o que vai acontecer na Venezuela, basta olhar para o exemplo de Cuba", diz o analista Raúl Gallegos.
DR
O analista Raúl Gallegos está muito pessimista quanto às
possibilidades de intervenção da comunidade internacional na crise
venezuelana. Há alguma hipótese de o Presidente Nicolás Maduro recuar face à pressão internacional e desistir da Assembleia Constituinte? O
regime vai eleger a sua constituinte, repleta de pessoas muito radicais
e muito leais a Maduro. E essa assembleia vai adiar as eleições, vai
mudar e criar leis, o que permitirá ao chavismo deter quem se lhe opõe e
fazer tudo o que lhe apetecer no futuro próximo. Até porque será a
assembleia a decidir por quanto tempo terá autoridade. O tempo suficiente para o ciclo do petróleo se reverter e voltar a haver dinheiro para gastar? Precisamente.
Ao adiar eleições, esta assembleia constitucional vai dar tempo ao
regime, para poder voltar a comprar o apoio das pessoas. Embora ache que
já estamos para lá disso. Neste ponto, o jogo do “vamos usar o dinheiro
para nos mantermos populares” já não funciona. O jogo agora é: temos
uma ditadura. Este Governo está disposto a recorrer a tudo para se
manter no poder. O Presidente tem sido muito cândido ao admitir que
usará as armas para recuperar o poder. Ele disse-o literalmente. O que
vamos ver nos próximos anos é um regime a mudar a natureza de como o
governo funciona: provavelmente vai distorcer as eleições ou mudar o
sistema de eleger líderes para servir os seus propósitos.
Se queremos saber o que vai acontecer na Venezuela, basta olhar para o
exemplo de Cuba, que aliás tem estado a aconselhar o regime sobre como
se manter no poder, sobrevivendo até a um embargo norte-americano. Não
me admiraria se o chavismo tentasse criar alguma coisa semelhante ao
Congresso cubano na Venezuela. Neste momento temos os EUA,
a União Europeia, a Organização dos Estados Americanos, o Mercosul, a
ONU, estão a ameaçar a Venezuela com sanções e expulsões. No caso de um
desenvolvimento tão radical não seria de esperar uma intervenção ainda
mais pesada? O chavismo vai continuar a ignorar o que quer
que saia da OEA, da ONU ou de qualquer outra organização. O chavismo é
um animal que não se rege pelas mesmas regras das instituições que
acreditam na democracia, na separação de poderes, na liberdade de
expressão… O regime não acredita nisto. Por isso será muito difícil que
um pronunciamento vindo da OEA tenha algum impacto. É uma ilusão pensar
que este Governo vai aceitar sentar-se à mesa com a oposição ou a
comunidade internacional e, de forma racional, negociar uma solução para
a crise que passe pela sua saída de cena. A oposição não é
suficientemente forte, e não tem nenhum poder para ameaçar o regime ou
pelo menos amedrontar Maduro o suficiente para ele considerar a opção de
negociar. Nem mesmo se o país fosse totalmente isolado pela comunidade internacional? De
um lado temos um regime que não tem nenhuma intenção de sair, e do
outro temos uma comunidade internacional que, apesar das questões da
democracia, já não acredita numa intervenção armada. As sanções
seguramente são possíveis – já vimos sanções ser adoptadas contra o
Irão, e o Iraque, e Cuba. Mas essas sanções conduziram a uma mudança de
regime? Não.
Foto
Polícia em Caracas persegue manifestantes
Ueslei Marcelino/REUTERSNão acredita que possa acontecer uma mudança na Venezuela? Parece-me
que a Venezuela tem um caminho muito difícil pela frente. Isso não quer
dizer que seja impossível depor este Governo. Penso que a oposição está
a fazer exactamente o que devia estar a fazer: a chamar a atenção para o
que este regime realmente é; a expor tudo o que o Governo fez de errado
e de como essas políticas foram as causadoras da situação actual; a
mostrar à população que existe uma forma legal de sair desta crise. Esse
papel da oposição é muito difícil e ingrato, os resultados nunca são
imediatos. Mas quando se desiste de fazer isso, mais vale apagar as
luzes e fechar a porta à chave e ir embora. Certamente existe uma
possibilidade de aparecer uma dinâmica, por exemplo no Exército, que
pressione uma mudança. Vimos isso nos anos 50 quando as Forças Armadas
se viraram contra o ditador Pérez Jiménez [deposto em 1958]. As eleições de 2015 mostraram que o chavismo não é imbatível nas urnas. Se
voltarmos a um ponto em que as urnas são uma opção honesta e livre,
concordo. Com tudo o que se passou desde então, o chavismo seria
facilmente derrotado. Agora, duvido muito que volte a haver eleições
livres e justas tão cedo. Poderemos ter eleições, mas sem a mínima
hipótese de a oposição conquistar uma maioria no Parlamento e muito
menos a presidência. Esse é o meu medo. Olhando para os 18 anos de
chavismo, constatamos sempre que eles conquistam um centímetro, não
voltam a abrir mão dele. Por exemplo, quando inicialmente implementaram
os controlos de capital e preços subsidiados, eram medidas para seis
meses e aqui estamos nós mais de 13 anos depois. Ou o estado de
emergência que Maduro invocou no início de 2016 e que eram temporário. E
aqui estamos. De cada vez que conseguem uma vitória, esqueçam. Essa é a
minha preocupação. Penso que neste ponto será muito difícil voltar a
uma situação em que a oposição consiga, de forma livre e justa, voltar a
vencer uma eleição.
Foto
cartaz deixado por manifestantes da oposição na rua
Andres Martinez Casares/REUTERS
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