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sexta-feira, 28 de julho de 2017
O pior negócio da vida de Trump foi ter humilhado John McCain
Há dois anos, Donald Trump pôs em causa o estatuto de herói de guerra
do senador do Partido Republicano. Esta semana, McCain enfrentou um
diagnóstico de cancro e foi ao Senado votar contra o fim do Obamacare,
contribuindo para uma derrota humilhante do Presidente.
O senador John McCain foi decisivo na votação contra o fim do Obamacare
Aaron P. Bernstein/REUTERS
Há quase nove anos, no final de Agosto de 2008, o então candidato do
Partido Republicano à Casa Branca, John McCain, espantava o mundo da
política americana ao revelar a sua escolha para a vice-presidência do
país – a candidatura acabou por se afundar, mas foi assim que o mundo
ficou a conhecer uma governadora do estado do Alasca chamada Sarah
Palin.
Indeciso entre acenar aos centristas com o seu amigo Joe Lieberman ou
aproveitar a onda da direita ultraconservadora que começava a
levantar-se, McCain fez a escolha com o mesmo raciocínio que o tem
acompanhado desde a juventude. Quando o homem que o ajudou a vetar os
nomes para a candidatura à vice-presidência lhe disse que Palin implicava um alto risco mas também uma alta recompensa, o senador do Arizona nem pestanejou: "Não devias ter dito isso. Toda a minha vida gostei de correr riscos."
Por essa altura, durante a campanha e a eleição
que acabaria por perder para Barack Obama, o nome Donald Trump não
estava sequer no radar de John McCain, mas não é difícil perceber porque
é que nem o actual Presidente norte-americano – com o seu feitio
complicado, reforçado pelo inigualável poder da Casa Branca – é capaz de
sair por cima numa luta pessoal com o senador.
E não é porque John McCain tenha sido sempre sinónimo de integridade
no país, e de independência no Partido Republicano: conhecido como um "maverick"
(dissidente), McCain foi sempre muito hábil a fazer a ponte entre as
várias lutas do momento e os seus interesses pessoais, tendo conseguido,
ao fim de 35 anos na política, surgir como uma das cabeças mais livres
do Partido Republicano ao mesmo tempo que foi votando quase sempre em
linha com a maioria.
"Sobrevivente implacável"
Num artigo publicado na revista Vanity Fair
em 2010, o repórter Todd S. Purdum analisou o desvio de McCain para a
direita mais conservadora e anti-Obama por essa altura, e repetiu a
pergunta que muitos faziam: o que acontecera ao outro John McCain,
àquela "figura refrescantemente imprevisível que se destacava entre os
seus colegas e parecia prometer algo mais e melhor do que a política do
costume"?
"Essa pode não ser a pergunta certa", disse Purdum,
desenhando depois um quadro muito mais feio da personalidade de John
McCain do que aquele que vive no imaginário da maioria: "É bem possível
que nada tenha mudado em John McCain, um sobrevivente implacável e
egocêntrico que passou cinco anos e meio em cativeiro no Vietname, e que
disse um dia a Torie Clark [antiga porta-voz de McCain] que o seu
animal preferido é a ratazana, porque é astuta e alimenta-se bem."
É verdade que também não faltam elogios a John McCain, antes e depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro do cérebro,
já este mês, aos 80 anos – ao contrário de muitos outros casos, o
senador do Arizona não precisou de ser afectado por um problema grave
para ser respeitado por colegas, adversários e jornalistas. No passado
fim-de-semana, antes de alguém imaginar o que poderia vir a acontecer no
Senado nos dias seguintes, o jornal Washington Post prestou-lhe tributo em vida, num editorial
em que aponta as razões pelas quais todos devem aprender com John
McCain. E lembrou um episódio passado naquela campanha contra Barack
Obama, em 2008, quando uma eleitora do Partido Republicano gritou,
durante um comício, que Obama era "um árabe"(com a intenção de o
retratar como terrorista).
"Não, minha senhora. Não. Ele é um bom homem de família, um cidadão
com o qual tenho discordâncias em assuntos fundamentais. Queremos lutar,
e eu quero lutar, mas vamos ter respeito", disse McCain – uma reacção
que, vista à luz da realidade actual em Washington D.C., é de uma
elevação ainda mais vincada.
O momento de McCain
E foi
este misto de capacidade de sofrimento, de luta pelas convicções e de
vontade de bater o pé a quem tenta fazer-lhe frente – seja isso bom ou
mau – que apareceu na passada terça-feira no Senado norte-americano,
depois de uma viagem de mais de dois mil quilómetros, poucos dias depois
de ter ficado a saber que tem uma forma particularmente agressiva de
cancro e poucos dias antes de começar a ser tratado com quimioterapia.
Assim
que chegou, fez um emocionante discurso perante os seus colegas, com
uma seta apontada ao Presidente Donald Trump – a terminar um apelo a que
os senadores de ambos os partidos se unissem para discutirem e
aprovarem uma lei que, no seu entender, melhorasse o Obamacare, McCain
olhou para os seus colegas do Partido Republicano e disse-lhes: "Não
somos subordinados do Presidente; somos iguais a ele."
Mas, mesmo depois desse discurso, muitos no Partido Republicano e na
Casa Branca ainda acreditavam que era possível convencer McCain a fazer o
que ele tem feito desde que Donald Trump foi eleito: deitar cá para
fora o desprezo pelo Presidente e pela forma como o partido geriu as eleições primárias no ano passado, mas votar em linha com os seus colegas em 90,7% das vezes.
O
problema é que McCain não precisava de sair de casa, nem de fazer a tal
viagem de mais de dois mil quilómetros, para frustrar os planos do seu
partido. Se não tivesse aparecido no Senado esta semana, o Partido
Republicano ficava com apenas 51 dos seus 52 senadores, e bastava que
dois deles furassem a disciplina para que não fosse possível derrubar o
Obamacare. Com McCain no Senado, os líderes do partido e o Presidente
ficaram um pouco mais descansados: mesmo que dois senadores do seu lado
votassem contra, teriam sempre John McCain para cortejar durante a
semana.
E o dissidente McCain começou por dar uma alegria ao seu
partido e à Casa Branca logo na terça-feira, ao viabilizar o início do
debate sobre o fim de uma das principais bandeiras da Administração
Obama. Um voto favorável que lhe valeu um elogio público de Donald Trump
no Twitter: "Senador McCain, obrigado por vir a D.C. para uma votação
tão importante. Podemos agora dar aos americanos óptimos cuidados de
saúde!"
.@SenJohnMcCain-Thank you for coming to D.C. for such a vital vote. Congrats to all Rep. We can now deliver grt healthcare to all Americans!
O que se seguiu foram horas e horas de debates, discussões e reuniões
nos corredores e nos gabinetes, numa corrida do Partido Republicano
contra o tempo para acabar a semana com uma promessa de campanha e uma
luta de sete anos cumpridas: o fim do Obamacare. Mas as duas principais
propostas do Partido Republicano foram reprovadas durante a maratona que
começou terça-feira, muito graças à determinação de duas senadoras
republicanas: Lisa Murkowski, do Alasca, e Susan Collins, do Maine,
mantiveram-se unidas contra o seu partido e deixaram cada vez mais nas
mãos de John McCain (o terceiro elemento necessário para travar o fim do
Obamacare) o papel de herói ou vilão.
As duas senadoras foram
decisivas para impedir o Partido Republicano de aprovar o fim do
Obamacare e a sua substituição por um novo sistema que iria deixar sem
seguro mais de 20 milhões de pessoas nos próximos anos, segundo um
estudo do gabinete independente do Congresso. O Partido Republicano
tentou depois derrubar o Obamacare sem pôr no seu lugar um novo programa
no imediato, mas as duas senadoras voltaram a impedir que os
republicanos tivesses os votos suficientes.
Na madrugada de
sexta-feira, a liderança do Partido Republicano no Senado levou a votos a
última tentativa: deitar abaixo o Obamacare e substituí-lo por um
sistema que o mantinha em vigor no essencial, numa proposta conhecida
como "skinny repeal" – os cidadãos e as empresas deixavam de
ser obrigados a ter seguros, mas outros pontos essenciais do Obamacare
continuariam em vigor (o que, ainda assim, deixaria milhões de
americanos sem cobertura).
Essa proposta tinha como objectivo duas
coisas: dava ao Partido Republicano e ao Presidente Donald Trump a
possibilidade de dizerem aos seus eleitores que tinham conseguido
derrubar o Obamacare, e permitia manter a esperança numa demolição total
da lei actual. Depois de aprovado esse "skinny repeal", uma
comissão conjunta da Câmara dos Representantes e do Senado (ambos de
maioria do Partido Republicano) iria pegar nas propostas que cada uma
das câmaras tinha aprovado e depois poderia endurecer a lei final – um
cenário ainda assim difícil, devido às óbvias divergências no interior
do partido, mas que pelo menos daria mais tempo e um novo alento à
liderança republicana na Câmara dos Representantes e no Senado, e também
ao Presidente Trump. Mas na sexta-feira esse plano foi travado.
No final de uma votação dramática e histórica, as senadoras Collins e
Murkowski mantiveram-se firmes e votaram contra – nesse momento, o
Partido Republicano não poderia perder nem mais um voto nas suas
fileiras, já que desse modo só teria 49 dos seus 52 e o vice-presidente
nem sequer poderia desempatar. E foi nesse momento que todos os olhos se
viraram para o senador John MCain.
Sei o que fizeste no Verão de 2015
O
palco estava montado e a cena tinha vindo a escrever-se a ela própria
nos últimos dois anos: no Verão de 2015, o então candidato Donald Trump
disse que não considerava McCain um herói de guerra. "Eu gosto de
pessoas que não foram apanhadas", disse Trump, referindo-se ao facto de
McCain ter sido capturado e torturado durante cinco anos e meio na
guerra do Vietname. Desde esse Verão, McCain e Trump foram trocando
golpes, e o senador do Arizona nem sequer esteve presente na convenção
do Partido Republicano no ano passado. Depois de ter sido humilhado por
Trump durante tanto tempo, e de nunca ter respondido no mesmo tom,
McCain tinha agora uma oportunidade para humilhar o Presidente – num
momento semelhante a muitos outros ao longo da sua vida, quando as suas
convicções se misturaram com os seus interesses pessoais.
Ao juntar-se às senadoras Collins e Murkowski, McCain fez História ao
roubar ao Partido Republicano e ao Presidente Donald Trump a promessa
de acabar com o Obamacare. Mas, apesar de ter votado contra o fim do
Obamacare, McCain é muito crítico do actual sistema – tal como as duas
senadoras que votaram contra sexta-feira, o que o senador do Arizona
pretendia era que os seus colegas aceitassem fazer alterações às
propostas que foram apresentadas esta semana.
Agora, resta ao
Partido Republicano dialogar com o Partido Democrata para conseguir
corrigir algumas das deficiências que os dois partidos reconhecem
existir no Obamacare. Ou isso, ou ir aprovando medidas avulsas nos
próximos meses que podem ir minando a lei em vigor, apesar de os
resultados dessas possíveis alterações só terem consequências na vida
das pessoas nos próximos anos – algumas delas só depois das eleições
presidenciais de 2020 e outras depois das eleições para as duas câmaras
do Congresso em Novembro do próximo ano.
Mas, antes disso, o
Senado vai para umas curtas férias sem que o Partido Republicano tenha
conseguido aproveitar a sua maioria nas duas câmaras do Congresso e um
Presidente na Casa Branca para cumprir uma promessa com sete anos. Foi
para derrubar o Obamacare que os republicanos pediram aos eleitores
americanos que lhe dessem a maioria nos poderes legislativo e executivo –
agora que falharam essa promessa, dificilmente vão afastar a imagem de
fracasso a tempo de recuperarem para as eleições de Novembro de 2018.
Apesar
de as senadoras Susan Collins e Lisa Murkowski terem sido as principais
figuras desta semana, por terem assumido a sua oposição contra a
liderança do Partido Republicano e contra o Presidente Trump na questão
do Obamacare desde o início até ao fim e sem vacilarem, as duas figuras
do momento são Donald Trump e John McCain – pelo passado de confrontação
entre os dois e pelo desfecho da votação desta sexta-feira, que pode
também ser visto como uma vingança do senador do Arizona.
Os dois
responsáveis reagiram à votação através da rede social Twitter. Trump
foi mais brando do que é costume, dizendo apenas que três senadores do
Partido Republicano e 48 do Partido Democrata desiludiram o povo americano,
e aproveitou para tentar não ficar mal na figura: de acordo com a sua
análise, o falhanço da votação vai manter o Obamacare em vigor, pelo que
agora resta esperar pelo fracasso da lei da Administração Obama, como o
Presidente tem dito "desde o início". McCain explicou que votou contra o "skinny repeal" porque "não era suficiente para derrubar e substituir o Obamacare com reformas significativas".
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