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Escrito por Adérito Caldeira em 28 Julho 2017 |
“Desde que as dívidas ocultas foram reveladas internacionalmente, em Março-Abril de 2016, os membros do Governo e altos funcionários do SISE apostaram numa atitude de elevadas expectativas, como forma de escamotearem o problema por eles criado. A decisão do FMI e dos doadores interromperem o apoio ao Orçamento do Estado tornou-se um percalço embaraçador, talvez surpreendente para os governantes e políticos habituados que estão a pensar que os doadores internacionais precisam mais deles do que eles próprios precisam dos doadores. Será isto uma aberração? Não acho”, começa por afirmar o economista e académico António Francisco em entrevista ao @Verdade. Para Francisco, que é investigador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos(IESE), “após três décadas de dependência internacional crónica, temos uma geração de governantes e burocratas que se tornou toxicodependente da ajuda internacional; tão dependente se tornou que acredita que o apoio internacional aos países subdesenvolvidos faz dos beneficiários da ajuda uma espécie de credores perenes e dos doadores devedores perenes”. “Os beneficiários da ajuda internacional estão habituados a sair dos incidentes que criam, melhor do que antes dos problemas emergirem. Neste caso, os governantes também estão convencidos que o assunto será facilmente ultrapassado a seu favor, bastando para tal manter alguns jogos de cintura e teimar em expectativas delirantes. Não foi por acaso que o Ministro Maleiane reagiu como reagiu, no ano passado, em relação à divulgação internacional do escândalo das dívidas ocultas”, acrescentou.
“Frelimo
está mais preocupada em gerir e consolidar as dinâmicas do seu poder e
controlo do Estado do que preocupar-se com problemas do desenvolvimento
social e económico do País”
O professor na Universidade
Eduardo Mondlane chama atenção para, “se reparar bem na postura dos
funcionários do FMI e dos governantes moçambicanos quem parece que deve
algo a alguém são burocratas do FMI, enquanto os governantes surgem em
público com um ar de cobradores, como se os problemas que emergem
tivessem sido provocados pelos parceiros internacionais”.“De certo modo os governantes têm razão, tendo em conta os hábitos que a ajuda internacional criou neles, ao longo de várias décadas. Se os doadores internacionais não quebrassem a mascara de fingimento e encobrimento de várias intransparências políticas e financeiras alimentadas, ao longo de vários anos, quem diria que há problemas?” António Francisco, um dos “apóstolos da desgraça” que previu a crise das dívidas mesmo antes de serem descobertos os empréstimos inconstitucionais e ilegais, tal como o @Verdade não acredita que surja um novo programa específico até ao fim do ano. “Ficaria muito surpreendido se o FMI surgisse com um novo programa com algum carácter abrangente. Aliás, o comunicado da última missão do FMI indica que nada de relevante acontecerá em breve, deixando claro que nada será submetido à aprovação do Conselho do FMI”. “Assim sendo, o mais provável é que o Governo continuará a ruminar as reformas importante que deve realizar, principalmente nos próximos meses, em que o partido Frelimo está mais preocupado em gerir a correlação de forças e relações internas em torno do Congresso que vai realizar em Setembro. A menos que surjam problemas inesperados, a Frelimo está mais preocupada em gerir e consolidar as dinâmicas do seu poder e controlo do Estado do que preocupar-se com problemas do desenvolvimento social e económico do País”, referiu o economista entrevistado pelo @Verdade por correio electrónico.
Elevadas expectativas dos governantes é parte de uma táctica negocial com os doadores e as agências internacionais
Relativamente
ao refrão de que “Moçambique está de volta” e o pior da crise já passou
António Francisco mantém a sua previsão de que o pior ainda está para
acontecer. “E mantenho com alguma tristeza, mas simultaneamente, sem
qualquer dramatismo. Acho lamentável que os governantes estejam a
desperdiçar oportunidades excelentes para assumirem uma atitude
pró-activa e profissional em prol de um desenvolvimento progressivo, em
vez de um subdesenvolvimento medíocre”.“É uma pena que gastem tantas energias em negar, esconder e ludibriar a opinião pública, bem como resistir às reformas indispensáveis para que Moçambique aspire a uma Administração Pública minimamente eficiente, eficaz e socialmente construtiva”, adicionou o experiente economista e investigador do IESE. Para suportar a sua previsão o professor universitário propõe “considerarmos casos controversos similares à crise financeira que temos estado a viver há mais de um ano, mas de proporções muito menores do que esta provocada pelas dívidas ocultas, em geral não foram ultrapassados em menos de um ano. Por exemplo, recentemente aconteceu algo na Guiné-Conacri, envolvendo uma controversa com o FMI em torno de apenas 30 milhões de dólares e em circunstâncias de violação muito menos agrave das regras do FMI”. “Tal problema na Guiné-Conacri demorou cerca de um ano a ser ultrapassado. Ainda que cada caso seja um caso diferente, é importante não esquecer que o problema das dívidas ocultas é talvez dos mais espetaculares e controversos que FMI terá enfrentado África. Uma trapalhada de dívidas ocultas superior a 10% do PIB, é obra!” Na perspectiva de Francisco, no contexto de Moçambique, “as elevadas expectativas da parte dos governantes precisam de ser entendidas como parte de uma táctica negocial, envolvendo prolongada e persistente dissimulação, aliada à grande experiência dos governantes em fintar e jogar politicamente com os doadores e as agências internacionais”. “Enquanto isso, a sociedade em geral e a economia em particular, procuram desenrascar-se da forma que podem, reforçando mais a informalidade do que a formalidade, porque as instituições e as regras de jogo formais estão tomadas por malabarismos demasiado caros para serem suportados pelas famílias e as empresas privadas comuns”, concluiu o académico. |
sexta-feira, 28 de julho de 2017
“Temos uma geração de governantes e burocratas que se tornou toxicodependente da ajuda internacional”, António Francisco
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