Este “post” vai parecer arrogante como todos os outros. É um ponto de ordem. Preciso de explicar o que me motiva a participar tão assiduamente nos debates da esfera pública moçambicana. As razões são várias, mas três são cruciais.
Primeiro, Moçambique é meu país, identifico-me com ele e quero exercer o direito de juntar a minha voz a todas as vozes que participam na sua construcção ou destruição, se for o caso. Segundo, acho que a minha formação académica, as minhas vivências e o tipo de postura política que tenho inscrevem a minha voz no grupo das vozes que têm algo útil a dizer sobre o devir do país. Terceiro, participar activamente em debates com todo o tipo de gente ajuda, com o andar do tempo, a melhorar o meu sentido crítico, a minha articulação e a minha sensibilidade para com as coisas da vida. Noto, com satisfação, que rendo mais academicamente nos períodos mais intensos de debates na esfera pública moçambicana.
Portanto, corro por gosto e ninguém, senão eu próprio, vai me impedir de fazer isso. Naturalmente que como todo o matxangana que se preza, albergo lá no fundo do meu coração a esperança de que a minha intervenção ajude a melhorar a intervenção de outros mais novos e que alguns entre eles me tomem como referência. Não seria eu próprio se não tivesse estes assomos de arrogância. Mas, lá está, o facto de ninguém aprender de mim ou de ninguém achar que possa aprender de mim nunca será motivo para eu deixar de intervir. Há um lado moral e heróico nisto tudo.
Vejo-me como um “impi” nobre e valente que de assagaia em punho move guerra aos maus hábitos de pensamento daqueles que julgam que Moçambique se constrói brandindo frases ocas que nem eles próprios entendem. A Pérola do Índico, nesta visão heróica e moral, é aquela beldade machope estatelada no chão depois da razia dos valentes soldados ngunis que eu vou salvar com o risco de ser atacado pelos meus próprios companheiros de batalha por defender o indefensável.
Espero que a partir destes reparos dê para perceber algumas coizinhas a respeito da forma como participo nestas discussões. Para o benefício de quem não percebe, aí vão algumas.
Primeiro, se você vem aqui ao meu mural ler os meus textos consumido por aquela pergunta persistente do tipo “mas afinal porque é que ele não se cala?”, o maior risco que corre é não se concentrar nos méritos daquilo que eu estou a dizer e, por isso, não entender e reagir agressivamente. Eu consigo ver isso. Cansa, mas não me importo. Em dias de boa disposição faz-me rir. Em dias de má disposição também, ainda que o riso seja forçado.
Segundo, se você lê os textos à procura de algo que confirme o exagero que são as minhas credenciais académicas o maior risco que corre é de se frustrar e reagir agressivamente à sua própria frustração. E a razão é simples. A firmeza dum argumento é ele próprio, não a pessoa que o formula. Vejo isso também. Cansa, mas não me cansa. Em dias de boa disposição faz-me mais arrogante. Em dias de má disposição só me faz arrogante.
Terceiro, se o ponto em debate aqui é a interpretação de algum livro académico, de alguma teoria, de algum conceito ou de seja o que for do âmbito das ciências sociais, da filosofia, da filosofia do direito, de história, etc. a sua posição padrão devia ser, no mínimo, de suspensão de juízo. A probabilidade é grande de eu ter lido mais sobre o assunto, ter entendido melhor e ser menos ideológico na sua interpretação. Repare que estou a falar de probabilidade.
Pode ser, e até acontece, que por algum milagre qualquer você com a sua formação menos sólida, mas por talento natural, tenha entendido melhor. Só que no seu lugar eu não me fiaria assim tanto. Se isto parece arrogante é porque é. Nada cansa mais do que ter de aturar gente com pouca leitura, formação rudimentar e pouco discernimento a arrogar-se o direito de julgar a minha competência em certos assuntos. Em dias de boa disposição faz de mim um sádico arrependido. Em dias de má disposição faz de mim um sádico por gosto.
Quarto, há aqueles que abraçam causas nobres (tipo lutar pela justiça social). Até aí tudo bem. Alguns começam a pensar que abraçar uma causa nobre faz deles boas pessoas, mas não só. A causa nobre ela própria passa a ser um argumento válido a brandir em qualquer discussão. Então, se você vem discutir comigo imbuído desse espírito corre riscos sérios de se decepcionar porque vai entrar em choque com uma pessoa que só abraça aquilo que julga ter entendido e que, para ser válido, não dispensa o raciocínio crítico. A decepção em si não é má coisa. O problema é você vir convencido da sua razão e, ao se decepcionar, começar a pensar que é algo contra si (que até pode ser) ou então, o que é pior, ver em mim o inimigo da causa que defende. Isso deixa-o muito agressivo, o que cansa, mas felizmente não a mim. Em dias de boa disposição vou ser paciente consigo. Em dias de má disposição mando-lhe às favas.
Quinto, se você lê uma coisa escrita por mim que entra em choque com o que “toda a gente” diz ou acredita, aconselho-o a suspender o seu juízo se você de repente for possuído por aquele desejo de me dizer de caras que estou enganado, que não honro as ciências sociais, que estou a soldo de alguém. Não é porque não possa ter razão. Repito: credenciais académicas não nos protegem de equívocos. Mas, de novo, dadas as diferenças na nossa formação intelectual (não necessariamente académica!) a probabilidade de eu estar a trazer elementos novos à reflexão é maior.
Se me acompanha já há algum tempo devia saber que nunca fui amigo daquilo que “toda a gente” defende. Isso também cansa, mas, repito, eu corro por gosto. Se na incapacidade de contra-argumentar você começar a chamar-me de lambe-botas, alfabetizado e coisas desse gênero, em dias de boa disposição você só vai espicaçar ainda mais o meu interesse pelo assunto (multiplicando os textos já de si longos...). Nos dias de má disposição o meu interesse não vai mudar (mas os textos continuarão muitos e longos).
Sexto, se o seu único critério de validade na discussão pública é o que protege as suas inclinações políticas, você corre sérios riscos de não beneficiar do que de útil eu tenho a dizer numa discussão. Não é que isso seja grave. De resto, proteger crenças deve se manter como a prioridade número um dum duende da mídia social. Eu sou fã confesso de Guebuza (apesar de tudo o que você está a pensar), simpatizo com a Frelimo (mesmo que não consiga explicar isso a mim próprio), defendo uma concepção liberal de democracia (o termo “esquerda” não me diz nada), não gosto de ditadores (com ou sem barba), considero a indústria do desenvolvimento nociva (porque é tudo menos pelo desenvolvimento), metem-me nojo palavras que pensam por nós (tipo corrupção, boa governação, transparência), irritam-me aqueles que vivem dos nossos problemas (e fazem da indignação uma profissão) e não tenho muita paciência com gente que pensa que ser anti-racista, em prol do gênero, dos pobres, de África, de causas justas, etc. faz de si melhor pessoa do que quem não proclama isso aos quatro ventos.
Para você julgar os méritos das questões que coloco com justiça e, quem sabe, proveito, teria que incluir todos estes aspectos sem esquecer que a minha principal preocupação nem é defender isso, mas dialogar de forma crítica com as minhas crenças. Caso contrário, vai se enfurecer de borla, isto é sem nenhum benefício intelectual. Isso cansa, a si, não a mim. Em dias de boa disposição reajo a isso de forma complacente. Em dias de má disposição também, mas com resposta à medida.
Sétimo, eu presto atenção aos “likes”. A sua decisão de não curtir o que eu escrevi não me passa despercebida. Agora, se você faz isso intencionalmente, com aquela vontade de me atingir com isso, quero que saiba que dos quase 5000 amigos que tenho aqui só os “likes” de cerca de 20 deles é que me interessam. São pessoas cujas contribuições analisei com cuidado e me levaram à conclusão de que a sua opinião conta. Não são necessariamente pessoas com quem esteja de acordo em relação a tudo, nem mesmo em relação a questões muito importantes para mim. São pessoas judiciosas no seu raciocínio (algumas até quase nada escrevem, só compartilham ou comentam textos), sensatas e equilibradas.
Com isto não quero dizer que os restantes 4800 amigos não digam coisa com coisa. Nada disso. É só para você não se cansar de borla. Eu estou apenas a pôr as cartas na mesa. Se você põe um “like” aqui e vai colocar um coraçãozinho numa coisa que eu considero imbecil, não há como eu inclui-lo no “Júri E. Macamo”. E nem é por maldade. Portanto, em dias de boa disposição o seu “like” conforta, ou não. Em dias de má disposição “idem mesma coisa”.
Sete é um bom número para fechar as coisinhas. Haveria mais, mas corro o risco de dar mais razões aos que me consideram arrogante e presunçoso para confirmarem a opinião que têm de mim. Não é que isso me incomode, aliás, só o simples facto de não me incomodar admitir isto confirma a mim próprio que sou mesmo arrogante.
Peço ao Milton Machel para compartilhar este “post” com os “bradas” dele combatentes pela integridade oportunista e dizer-lhes para aguardarem um texto sobre o meu entendimento do que é sociedade civil e seu papel num regime democrático só para lhes cansar.
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