terça-feira, 25 de julho de 2017

Os novos amigos: Ruanda, Turquia e Guiné Equatorial

A Viragem na Política Externa de Moçambique e os “Novos Amigos”

Muitos amigos e poucos inimigos
A política externa de Moçambique sempre tem havido uma característica peculiar: ter muitos amigos e poucos inimigos. Desde a luta de libertação, a Frelimo tem enveredado esforços neste sentido, geralmente bem sucedidos: além dos países na altura ligados à União Soviética, à China e Cuba, muitos estados ocidentais apoiaram a luta de libertação assim como os primeiros anos da edificação nacional, apesar das diferenças ideológicas: Suécia, Itália, Suíça, França, Bélgica, Países Baixos e muitos outros deram uma ajuda fundamental na altura do marxismo-leninismo em sectores como a educação, a saúde e as infraestruturas.
Na virgem para o liberalismo e a democracia, o grande parceiro de Moçambique foi o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, com os Estados Unidos por detrás. Os acordos de paz de 1992 foram assinados em Roma, por intermédio da Igreja Católica e do Estado Italiano. Amigos antigos, de longa data…
A “invasão” da China
Nos últimos anos algo mudou, por duas razões: acima de tudo, a “invasão” chinesa em África fez-se sentir também em Moçambique. No âmbito das construções, da defesa, do microcomércio, da exploração da madeira, do peixe e de outros recursos naturais, a China tornou-se partner fundamental de Moçambique, com todas as peculiaridades desta parceria, diferente quando comparada com as dos amigos mais antigos.
A dívida oculta
O segundo elemento que fez mudar a política externa moçambicana tem a ver com a questão da dívida oculta. No último ano de governação de Guebuza três empresas formalmente privadas (Ematum, Proindicus, MAM) e controladas maioritariamente por empresas dos serviços de segurança (SISE) contraíram empréstimos avultados com um banco suíço e um russo, com a garantia do Estado Moçambicano, formalmente para adquirir navios para pesca de atum e patrulhamento das costas nacionais. Tudo foi feito de forma oculta, sem informar nem o Parlamento, nem os doadores. Uma vez que tais empresas se vieram a revelar insolventes, o Estado Moçambicano acabou sendo o verdadeiro garante e, portanto, devedor. Fala-se de uma dívida de cerca de 1,5 bilhões de dólares, cerca de 10% do PIB moçambicano.
O Fundo Monetário Internacional cortou, juntamente com outros doadores importantes, tais como o Reino Unido, o budget support e outras ajudas ao Estado Moçambicano, exigindo um audit internacional das contas das ditas empresas para reactivar o desembolso dos fundos que cobrem ainda cerca de 50% do orçamento do Estado, deixando o país numa crise que não se via desde a altura da guerra dos 16 anos.
Tais circunstâncias criaram grande embaraço na cúpula governamental e partidária, que durante dois anos esteve empenhada em travar uma enésima guerra no centro do país contra a Renamo.
Os novos amigos: Ruanda, Turquia e Guiné Equatorial
Se os antigos amigos expressaram o seu desacordo quer com a política de guerra, quer com a gestão da dívida pública, novos amigos apareceram e se voluntariaram para ajudar Moçambique. China, mais uma vez e com cada vez mais força, mesmo no âmbito da defesa, Coreia do Norte, também no treinamento militar, assim como os três países cujos presidentes visitaram Moçambique ultimamente: Paul Kagame, do Ruanda, Recep Erdogan, da Turquia, e Teodoro Obiang, da Guiné Equatorial.
Tratam-se de “primeiras peças” em todos os três casos, ou seja, das primeiras visitas presidenciais dos máximos representantes desses três países a Maputo. Uma coincidência? Certamente que não. Existe, dentro do partido Frelimo, uma ala que está teorizando o afastamento dos “antigos amigos” ocidentais e a aproximação aos novos e inéditos. Os parceiros ocidentais são lidos como excessivamente intrometidos, quer em termos de políticas públicas (insistência nos direitos humanos, na transparência dos processos eleitorais), quer de gestão do Estado (a partir das suas contas). Pelo contrário, os “novos amigos” estão centrados no business e no acolhimento das políticas governamentais moçambicanas, não se importando com direitos humanos, democracia, etc., também porque eles próprios representam estados altamente anti-democráticos e intolerantes para com os adversários políticos. Além disso, tratam-se de estados com grande experiência no domínio militar e da defesa. A Turquia, por exemplo, adquiriu recentemente (2015) uma dúzia de divisões de HQ9 da China, criando uma aliança estratégica e militar entre os dois países, com grande desagrado do bloco ocidental. E a mesma Turquia, com Erdogan, está se tornando actor fundamental no xadrez africano, também vendendo armas e garantindo investimentos significativos, principalmente no sector das construções e da defesa.
A especialidade no controlo das telecomunicações
Relacionado com isso, os “novos amigos” são todos especialistas em sistemas de controlo de telecomunicações, que parecem em grande desenvolvimento em Moçambique, sobretudo depois da aprovação, nos finais de 2014, do Regulamento de Controlo de Tráfego de Telecomunicações. Os quase três anos em que Moçambique viveu num clima de guerra, cujos acordos definitivos ainda não foram assinados, deram azo a que as telecomunicações fossem cada vez mais vigiadas, coisa impossível através dos parceiros tradicionais. Assim sendo, os “novos amigos” têm contribuído e provavelmente irão contribuir ainda mais para garantir esta nova forma de controlo, inclusive das redes sociais, de maneira a prevenir qualquer forma de protesto popular que possa ameaçar a estabilidade política local. China, Turquia, Guiné Equatorial são estados que, nos últimos anos, têm restringido a liberdade de expressão e política dos seus cidadãos, com aperto do controlo de Internet e das redes sociais.
A grande dúvida é que a nova viragem na política externa moçambicana esconda, por detrás dela, a vontade, por parte do governo moçambicano, em apertar cada vez mais os espaços de debate livre e as liberdades fundamentais dos indivíduos.
Island of Mozambique. Photo by Stig Nygaard / CC BY 2.0

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