17/08/2009
A talhe de foice
Por Machado da Graça
O Canal de Moçambique publicou, a semana
passada, um documento preocupante, aparentemente oriundo de um grupo de
oficiais das nossas forças armadas.
A propósito dos recentes distúrbios
protagonizados por militares em Montepuez, o documento em causa traça uma
imagem desastrosa do estado em que se encontram as nossas tropas:
Casernas em ruínas e sem qualquer
condição de habitabilidade, falta de comida, de fardas, de transportes, de tudo.
Até onde sei a nossa Força Aérea não tem
nenhum avião ou helicóptero a voar e a nossa Marinha de Guerra não tem nenhum
barco, para além de algumas lanchas de borracha, usadas para salvamentos
durante as cheias, mas estava convencido que, ao menos o Exército, estava
minimamente bem equipado. Este documento, a ser verdadeiro, tira as ilusões ao
mais bem intencionado.
Segundo ele, os militares revoltados de
Montepuez já acabaram, há vários meses, o seu treino e o curso já devia ter
sido oficialmente encerrado e eles colocados em outras unidades espalhadas pelo
país. Só que isso não aconteceu, ninguém lá foi encerrar o curso e eles
continuam ali pendurados sem saber qual será o seu destino, vivendo em
condições miseráveis.
Ora, na minha opinião, é profundamente
injusto, é completamente inaceitável, um país decretar o Serviço Militar
Obrigatório e, depois, não ter as condições mínimas para acolher aqueles que
são legalmente obrigados a para lá ir.
Uma coisa é, na minha opinião, simbólica
desta situação.
Enquanto todos os ministérios do nosso
país têm instalações cada vez melhores, com grandes letreiros identificativos
na fachada, o Ministério da Defesa tem um letreiro, talvez de meio metro de
comprimento por 40 centímetros
de largura (cálculo feito a olho) todo preto com letras a branco, parecendo
pintadas à mão.
Esta é a realidade a que chegaram as
forças armadas que foram o orgulho de Samora.
Mas o documento a que me tenho estado a
referir vai mais longe. Fala da marginalização dos oficiais que não tenham
curso superior, dos que trabalharam com Tobias Dai e Lagos Lidimo, dos
provenientes das fileiras da Renamo.
Fala dos protestos do comandante de
Montepuez, pelas condições na sua unidade, e do desprezo a que são votados
esses protestos em Maputo. Diz que o que se passa em Montepuez é generalizável ao resto
do país.
Ora foi claro, após o acordo geral de
paz, que obrigava a uma divisão de 50% de homens provenientes das forças
governamentais e outros 50% de homens da Renamo, que o governo da Frelimo
desvalorizou o mais que conseguiu as forças armadas, reforçando, pelo
contrário, a polícia, que controlava completamente, como verdadeira força
eficaz na defesa da segurança nacional.
Só que o resultado dessa política é este
a que agora estamos a assistir: lamentável e perigoso.
Porque, numa situação como a nossa, em
que não temos inimigos em nenhuma das nossas fronteiras mas, pelo contrário, só
países amigos e parceiros dentro da SADC, se calhar mais vale não termos
nenhumas forças armadas do que termos as que temos, mal tratadas mas com acesso
a armamento de guerra.
Se o que aconteceu em Montepuez é um
aviso sobre o que pode começar a acontecer noutras partes do país, o melhor que
temos a fazer é levar esse aviso muito a sério, porque temos visto, por essa
África adiante, o que podem fazer militares descontentes. E isso é o que menos
falta nos faz neste momento.
Os nossos governantes parecem muito
preocupados, principalmente em períodos pré-eleitorais, com os homens armados
da Renamo em Maringué. Homens, que, até onde sei, nunca protagonizaram
nenhum acto violento.
Pelo contrário não parecem nada
preocupados com os milhares de militares que, nas fileiras, parecem estar, a ser
verdadeira a carta, sofrendo todo o tipo de privações.
Política que me parece perigosa e a
necessitar, urgentemente, de ser repensada.
Desde a mais longínqua antiguidade foi
sempre da maior prudência que aqueles que andam armados estejam bem
alimentados, vestidos e alojados.
E não nos faz mal nenhum estudar, com a
devida atenção, os exemplos históricos.
SAVANA – 14.08.2009
17/08/2009
Eleições livres. Mas transparentes?
Em todos os 15 anos da história eleitoral
em Moçambique que a oposição vem se queixando de não estar a receber dos órgãos
de administração das eleições o tratamento que lhe é devido, sendo essa a causa
que agita como justificação das suas sucessivas derrotas.
Em alguns momentos tomámos essas
reclamações como típicas da narrativa de quem nunca quer admitir a sua
responsabilidade no insucesso, tentando atribuir culpas a outrem.
Mas precisamos de mudar de atitude, e
começar a olhar para os processos eleitorais em Moçambique com olhos de quem
tem benefícios a colher de um processo eleitoral íntegro, sujeito a uma
fiscalização minuciosa desde o princípio até ao fim.
O nosso envolvimento em eleições não se
pode reduzir a acordar cedo no dia da votação, ficar na fila até que chegue a
nossa vez e depois ir tomar copos e comentar com os amigos. Precisamos de nos
envolver mais a fundo, para que as eleições não sejam apenas livres e justas,
mas para que acima de tudo sejam transparentes e íntegras.
E essa integridade e transparência não se
pode esperar que sejam o fruto exclusivo do trabalho da Comissão Nacional de
Eleições (CNE) e do seu braço executivo, o Secretariado Técnico de Administração
Eleitoral (STAE), que como todos nós sabemos são compostos por seres humanos como
nós, e que individualmente têm as suas próprias preferências eleitorais.
Desde os preparativos para o
recenseamento eleitoral, passando pelo registo eleitoral, as próprias eleições
e a contagem dos votos todos precisamos de estar vigilantes. Não sendo possível
que todos os eleitores exerçam essa vigilância, poderia se esperar que eles o
fizessem através do envolvimento activo dos partidos políticos que os
representam, procurando a cada passo do processo inteirar-se detalhadamente das
actividades que estão a ser realizadas.
Mas é isto que não aconteceu nos preparativos
das eleições que estão marcadas para o dia 28 de Outubro deste ano, um processo
totalmente conduzido à margem de todos os intervenientes, que como se sabe só
começaram a emergir como cogumelos em tempo de chuva com o aproximar do fim do
prazo do seu registo na CNE.
É mesmo uma vergonha esta nossa classe
política, a qual só não pedimos o seu banimento total para que a simulação de
democracia no nosso país não desapareça para sempre.
Enquanto os partidos políticos
moçambicanos estavam no gozo das suas férias quinquenais, a CNE e o STAE
conseguiram, fora da nossa vigilância colectiva, tomar uma decisão sobre o
sistema informático a ser usado no recenseamento eleitoral e sua actualização.
Não se sabe se houve concurso público para a aquisição do referido equipamento,
como mandam as regras sobre aquisições para as instituições do Estado, não se
conhecendo também a identidade e os proprietários da empresa a quem a sorte foi
bater à porta. E com este estado de coisas não fiquemos surpreendidos se um dia
viermos a descobrir que a empresa que forneceu esse equipamento pertence a um
dos candidatos, coisa que deveria ser expressamente proibida por lei.
Não se tem memória de alguma auditoria
pública e independente ter sido realizada em relação ao referido equipamento e
respectivo software, não se sabendo se este é de fabrico caseiro ou seja o que
for.
Pelo que fomos acompanhando ao longo da
última actualização do recenseamento eleitoral, esse processo foi um fiasco,
não se sabendo se propositado ou por falhas técnicas genuínas, típicas de um equipamento
de qualidade e origem duvidosas.
Mesmo assim, e para serem consequentes
para com a sua atitude de despreocupação total em relação a processos onde
deveriam prestar uma atenção especial, nenhum dos partidos políticos veio a
público questionar o STAE, quando este órgão afirma ter atingido, e em alguns
casos até ultrapassado, a meta projectada para a actualização do recenseamento
recentemente concluído.
É no meio de toda esta nebulosidade que
nos preparamos para as eleições de 28 de Outubro, que não se duvida que serão
livres. Mas terão sido também justas, íntegras e transparentes? É duvidoso!
SAVAVA – 14.08.2009
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