Segundo opiniões apresentadas num debate
A Procuradoria-Geral da República pode entrar no jogo das alianças, por falta de independência.
A falta de responsabilização pode custar caro a Filipe Nyusi.
Um grupo constituído por professores universitários, pesquisadores e jornalistas juntou-se, na passada quinta-feira, para debater as dívidas escondidas, o sumário do relatório da “Kroll” e a responsabilização dos envolvidos. Nesse debate, vários participantes exprimiram a opinião de que são escassas as possibilidades de responsabilização.
A justificação é a de que a Frelimo, o partido no poder, pode evitar a responsabilização e fazer alianças internas, num jogo que pode arrastar a Procuradoria-Geral da República, pois não tem garantias para acusar a quem quer que seja sem o apoio do poder.
José Jaime Macuane, professor universitário, aborda a possibilidade da responsabilização em duas perspectivas: a política e a legal. José Macuane diz que, no aspecto político, a crise da dívida criou um desgaste muito grande da Frelimo, que pode ter implicações eleitorais. Diz que, se o presidente da Frelimo patrocinar a responsabilização, ele fá-lo “num contexto de alto risco de fragmentação interna e num contexto em que a responsabilização política da Frelimo nas sociedades urbanas coloca um alto risco eleitoral”.
José Macuane afirma que, do ponto vista legal, as instituições funcionam na lógica de um partido hegemónico, a Frelimo. Lembra que, no passado, as instituições entenderam o processo de responsabilização legal de membros do Governo (Almerino Manheje e António Munguambe).
”Frelimo tem uma capacidade de estabelecer pactos, até de sangue”
João Mosca, economista, pesquisador e professor universitário, diz que, neste momento, “face ao calendário eleitoral, há um forte desgaste da Frelimo”, sobretudo nos meios urbanos “mais informados sobre as dívidas e o relatório da ‘Kroll’”. João Mosca afirma que, dentro da Frelimo, “se o assunto não é bem definido, a Frelimo toma a responsabilidade e toma a factura de todo este processo”.
Afirma também que, se a Frelimo não se responsabiliza, “isso será gravoso e penalizante nas próximas eleições”. Considera que, se a Frelimo conseguir responsabilizar pessoas internamente, ela pode dizer que foi um grupo de pessoas internamente que agiram à margem das instituições. João Mosca mostra-se reticente em relação à possibilidade de responsabilização.
“Eu não acredito nessa segunda possibilidade, porque todo o percurso da Frelimo, de longo prazo, desde a sua formação, teve uma dinâmica de permanente capacidade de encontrar plataformas de entendimento interno, de forma a não haver rupturas fortes internas”.
João Mosca diz que isso significa que a Frelimo tem uma “capacidade de acomodação de alianças em situações muito difíceis, mesmo em situações de crimes de sangue”.
João Mosca afirma que a “existem compromissos em que a Frelimo consegue juntar as pessoas”, sempre que esteja em causa o poder.
PGR não tem garantias para avançar
Baltazar Fael, jurista e pesquisador no Centro de Integridade Pública, aborda o papel da Procuradoria-Geral da República no contexto da responsabilização tendo em conta o sistema político. Baltazar Fael afirma que o sistema político “gira muito em torno do
poder executivo e da figura do Presidente da República”. Em relação ao poder judiciário, diz que este procura sempre buscar apoio no poder político. Baltazar Fael afirmou:
“As acções do Ministério Público, quando estamos em processos como este, que envolvem figuras ligadas ao poder político, o Ministério Público não tem tido um papel proactivo, ele age a reboque do Executivo”. Baltazar Fael acrescentou que, contrariamente à posição da maioria, a questão da nomeação do procurador-geral da República, do presidente do Tribunal Supremo e do presidente do Tribunal Administrativo não são, em si, o grande problema, mas, sim, “as garantias que estas figuras têm para exercer as suas funções”. Baltazar Fael explica que, no Brasil, quem nomeia o procurador-geral da República é o Presidente da República, mas, depois, tem que ser sufragado pelo Senado. Na óptica de Baltazar Fael, isto garante o exercício da função.
“Não vejo o Ministério Público a tomar uma acção sem que tenha o apoio do poder político”, disse Baltazar Fael. E acrescenta que o que o preocupa é que o apoio do poder político não está a acontecer.
A responsabilização e os passos que o Ministério Público já devia ter dado
O processo em curso na Procuradoria-Geral da República é 2015.
“O que é que o Ministério Público fez?”, pergunta Baltazar Fael e diz que, segundo o Código Penal, quando o caso tem conexões internacionais, a recolha de provas serve para completar o processo em curso. “No caso de Moçambique, ainda não houve nenhuma detenção, ainda não houve a apreensão de bens”, diz Baltazar Fael. E acrescenta que, pela informação contida no relatório da “Kroll”, a Procuradoria-
Geral da República devia ter feito algo em concreto, uma vez que “sabe quem são as pessoas envolvidas.
Quem não sabe somos nós”. “Não conhecemos os indivíduos ‘A’, ‘B’ e ‘C’, mas o Ministério Público sabe quem são essas figuras e em que medida estão envolvidas.”
Baltazar Fael afirma que “o Ministério Público não pode vir dizer que está inactivo porque não tem matéria”.
“Se não há apoio político por do Presidente da República e outras entidades, o Ministério Público não tem capacidade, porque não tem garantias suficientes para esta acção”, disse Baltazar Fael. (André Mulungo)
CANALMOZ – 10.07.2017
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