domingo, 7 de maio de 2017

Frelimo legaliza dívidas ocultas e legitima a “gangsterização” do Estado moçambicano!


2 h · 


- Frelimo legaliza dívidas ocultas e legitima a “gangsterização” do Estado moçambicano!

Assinantes: Bitone Viage & Ivan Maússe

Foi na sessão plenária da penúltima quarta-feira, dia 26 de Abril de 2017, que os deputados da bancada da Frelimo na majestosa casa do povo, a Assembleia da República, em unanimidade, votaram à favor da aprovação da Conta Geral do Estado referente ao exercício do ano económico 2015, documento que inclui, em seu conteúdo, a inclusão das polémicas “dívidas ocultas” ou, ainda, se pretendermos, ilegais.

Mesmo com a ausência de todos os deputados da Renamo, presentes os deputados da Frelimo e do MDM, aprovou-se a Conta Geral do Estado 2015 apresentada recentemente pelo Governo àquele órgão de Soberania, encontrando-se inclusas as dívidas referentes às empresas ProÍndicus e MAM, como é sabido, feitas à revelia da lei, à semelhança da dívida da EMATUM, esta incluída na Conta Geral de 2014.

O sucedido surpreendeu a muitos moçambicanos que, numa altura em que se esperava a divulgação dos resultados das investigações levadas a cabo pela Kroll, agência internacional encarregue de averiguar os contornos das polémicas dívidas ilegais, sentem, no seu dia-a-dia, o impacto das mesmas, com o incremento do desemprego, da falência dos agentes económicos e do encarecimento do custo de vida.

O mesmo facto, desde as redes sociais, passando pelas conversas de rua, e até desaguar nos espaços televisivos e radiofónicos, fez com que os moçambicanos questionassem, a si próprios, se afinal de contas à quem, os deputados da bancada parlamentar da Frelimo, representam! E mais: qual o fundamento constitucional e/ou legal que dá poder aos deputados para legalizar grotesca ilegalidade!

1. Conta Geral do Estado, o que é?

Abreviadamente designada pela sigla CGE, a Conta Geral do Estado, conforme ensina o Professor Teodoro Waty em “Finanças Públicas e Direito Financeiro” (2011; p. 195), «regista as receitas e despesas que foram efectivamente cobradas e efectuadas durante um determinado ano económico». O ano económico equivale ao ano civil, pelo que inicia no mês de Janeiro e termina em Dezembro daquele ano.

A CGE constitui, assim, «um meio de controlar, a posterior, a execução orçamental e de responsabilizar os agentes dessa mesma execução» (idem; p. 197). É um elemento de avaliação do desempenho dos órgãos e instituições do Estado, devendo ser apresentada à Assembleia da República e ao Tribunal Administrativo até 31 de Maio do ano seguinte a que este diz respeito (nº 1 do art. 50 da lei do SISTAFE).

A CGE apesar de merecer apreciação do Tribunal Administrativo, que elabora o «Relatório e Parecer», antes de sua aprovação pela Assembleia da República, este o faz sem qualquer tipo de juridicidade: quer o Relatório como o Parecer do Tribunal Administrativo sobre a CGE, não constituem actos jurisdicionais, mas «um acto consultivo do Parlamento antes de este aprovar a Conta do Governo» (idem: p. 199).

Portanto, a sua submissão ao Tribunal Administrativo é, neste sentido, de natureza formal. É um comando que decorre da lei: a Lei do SISTAFE – Sistema de Administração Financeira do Estado ou, simplesmente, Lei nº 9/2002, de 12 de Fevereiro. Neste âmbito, acentuamos, ao Tribunal Administrativo não está-lhe reservado qualquer tipo de julgamento do documento da CGE apresentado pelo Governo.

1.1. Da ilegalidade da Conta Geral do Estado 2015

Conforme é sabido, Moçambique é um Estado de Direito Democrático (art. 3 da CRM), daí que o Estado subordina-se à Constituição e baseia-se na legalidade (nº 3 do art. 2 da CRM). É, também um Estado de justiça social (art. 1 da CRM). Deste modo, os órgãos de soberania, as instituições do Estado, como também os cidadãos estão e devem estar, nas suas acções, sobre a lupa da legalidade à todos os níveis.

A Conta Geral do Estado 2015, ora aprovada pela Assembleia da República (AR), com boicote da Renamo, não colectivo do MDM e um sim unânime da Frelimo, goza de muitos vícios, a destacar, a apresentação tardia à AR e ao Tribunal Administrativo e consequente debate tardio na AR, a aprovação tardia e por incluir dívidas contraídas em 2013 e 2014, e como agravante, tratando-se de dívidas ilegais.

Dito doutra forma, a Lei do SISTAFE no artigo 50 sob a epígrafe de prazos aponta a entrega da CGE à AR o dia 31 de Maio do ano seguinte à que a CGE diz respeito; a CGE 2015 inclui dívidas das empresas MAM ProÍndicus contraídas, respectivamente, em 2013 e 2014, quando conjugando os artigos 45 e 48 Da lei do SISTAFE, ela deve cingir-se, apenas, aos aspectos referentes ao exercício económico de 2015.

Adicionalmente, para além das dívidas serem de anos não correspondentes à Conta Geral do Estado em referência, elas são ilegais por que a sua contração foi feita à revelia do disposto na alínea p) do nº2 do artigo 179 da CRM que consagra que: «é da competência exclusiva da AR autorizar o Governo a contrair empréstimos e fazer outras operações de crédito superior a um exercício económico», que foi o caso.

Finalmente consta, ainda, que os avales das dívidas a contrair em cada ano económico são fixados por lei: a Lei do Orçamento, que assenta, entre outros, no «Princípio da Anualidade»: o orçamento vigora durante um ano civil (WATY, 2011; p. 143) e, em 2013, fixou-se 183.500mil MT (º1 do art.11 da Lei nº1/2013, de 7 de Janeiro), em 2014, através da lei respectiva, no art.11 fixou-se, ainda, 183.500mil MT.

1.2. Do impacto da aprovação da CGE com irregularidades: 

A CGE, por lei, deve assentar-se no Princípio da Legalidade (nº2 do art. 46 da Lei do SISTAFE), e AR, por ser um órgão de soberania do Estado a quem está reservada a competência de legislar devia pautar, ela mesma através de todos seus deputados, pela observância da legalidade nos actos que aprova (al. a) do art.177 da CRM), até porque o Estado moçambicano subordina-se à Constituição (nº3 do art.2 da CRM).

Adicionalmente, e como situação agravante, a AR à par do Tribunal Administrativo constituem órgãos do controlo externo da Administração Pública, logo, também do Governo – já que manifestação do Estado-Administração, operacionalizada pelo disposto na alíneas j) e seguintes do nº2 do art. 179 da CRM, devendo, em caso de violação, acionar entes como a Procuradoria-Geral da República e os Tribunais.

Portanto, com a aprovação da Conta Geral do Estado sobrecarregado de irregularidades, os deputados da Assembleia da República, pela Frelimo, legitimou-se a gangsterização do Estado moçambicano, escamoteou-se à Constituição. Deu-se azo para que o Governo dirija-se pela inconstitucionalidade sob a garantia de que a Frelimo, já em sede da AR, eximirá tais ilegalidades aprovando resoluções anómalas.

Com a sua atitude, a Frelimo através dos deputados da AR, mostrou que não representa fielmente os moçambicanos, que é promotora da ilegalidade, que desrespeita grotescamente à Constituição, se colocando acima dela – uma Frelimo supraconstitucional(?), conforme consagrava o artigo 3º da Constituição da República Popular de Moçambique de 1975. Frelimo escandalizou a Caso do Povo, a AR.

2. Da (ir)recorribilidade ao Conselho Constitucional: 

E porque a aprovação da Conta Geral do Estado não segue o mesmo itinerário que o da aprovação das leis à par do que fixa o Regimento da Assembleia da República (Lei n.o 17/2013, de 12 de Agosto), então a CGE, por maioria de razão, não constitui um acto normativo, senão uma deliberação da AR que reveste a forma de «Resolução» devendo, contudo, ser publicada no Boletim da República (art. 182 da CRM).

Não obstante não ser um acto legislativo, a Conta Geral do Estado tem natureza normativa, até porque após a sua aprovação tem força vinculativa ou obrigatória às entidades do Estado e outras. Nesta ordem de ideias, sendo da CGE, por excelência, um acto normativo então é passível de apreciação e controlo de legalidade e constitucionalidade do Conselho Constitucional (al. a) e h) do nº1 do art.244 da CRM). 

Neste sentido, o Conselho Constitucional tem competência para apreciar a legalidade daquele acto, e se possível, em momento posterior, declarar a inconstitucionalidade do mesmo. Não sendo por iniciativa própria do Conselho Constitucional, a apreciação pode ser instada por intermédio da solicitação dos sujeitos elencados na alínea a) e seguintes do nº2 do artigo 245 da CRM. A CGE 2015 é improcedente!

Do Conselho Constitucional, que num passado recente envergonhou a transparência e imparcialidade no funcionamento das nossas instituições, esperamos que desta vez faça diferente. Não podemos viver em um Estado onde o Governo mergulha na ilegalidade e não há qualquer responsabilização. Não queríamos acionar mecanismos internacionais, nem a força para resolver os nossos problemas internos. 

3. Considerações finais:

A legalização das dívidas ocultas pela Assembleia da República pelos deputados da Frelimo constitui uma flagrante inobservância aos ditames de um Estado que se pretende de Direito e Democrático. O Parlamento não pode constituir extensão e nem representação dos interesses dos partidos políticos. Aprovar essa CGE foi um desrespeito e desconsideração à soberania do humilde povo moçambicano.

Com o acto de aprovação, o Parlamento mostrou que a Frelimo ainda está presa ao postulado do artigo 3º da CRPM de 1975 que coloca a Frelimo numa posição supra-constitucional podendo, por esta via, agir ao seu bel-prazer, senão vejamos: “A República Popular de Moçambique é orientada pela linha política definida pela FRELIMO, que é a força dirigente do Estado e da Sociedade(...)". Respeitemos a legalidade.

A dívida da EMATUM, da ProÍndicus e da MAM não constituem dívidas soberanas. Constituem dívidas dessas mesmas empresas criadas à revelia dos ditames constitucionais. São dívidas que devem ser pagas por elas mesmas. A Assembleia da República devia responsabilizar severamente os envolvidos na sua contração por sobejamente terem-na tirado sua soberania e competência exclusiva prevista no nº2, do art.179 da CRM.



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9 comentários
Comentários

Munguambe Nietzsche Obrigado ilustre pela reflexão.

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Ivan Maússe Estamos de volta, caro Munguambe Nietzsche. Estamos juntos. Bom Domingo!

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Filipe Primeiro Dà pra os maia radicais menos atentos fanàticos beija maos lambe botas bajuladores perceberen que a frelimo une e desorganiza o povo que ja està caduca e è momento de mudarmos tudo menos estes lacaioa basta basta basta

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Zee Mavye Qual é a recomendação...


Abinelto Bié "Com o acto de aprovação, o Parlamento mostrou que a Frelimo ainda está presa ao postulado do artigo 3º da CRPM de 1975 que coloca a Frelimo numa posição supra-constitucional podendo, por esta via, agir ao seu bel-prazer, senão vejamos: “A República Popular de Moçambique é orientada pela linha política definida pela FRELIMO, que é a força dirigente do Estado e da Sociedade(...)". Respeitemos a legalidade."

Aí está!

Parabéns pela reflexão, mais uma vez, confrades.

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Novo Combatente De Moz A corrupcao eh uma pratica defendida dentro da FRELIMO.

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Estevão Wa Ka Nhabanga aquela aprovação foi um ato de vergonha. Nao restão duvidas que estes deputados não representão o povo. Triste isto.

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Novo Combatente De Moz A Conta Geral do Estado de 2015 deve ser anulada por incluir as dividas ocultas.

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