Ivan Maússe com Bitone Viage.
2 h ·
- Frelimo legaliza dívidas ocultas e legitima a “gangsterização” do Estado moçambicano!
Assinantes: Bitone Viage & Ivan Maússe
Foi na sessão plenária da penúltima quarta-feira, dia 26 de Abril de 2017, que os deputados da bancada da Frelimo na majestosa casa do povo, a Assembleia da República, em unanimidade, votaram à favor da aprovação da Conta Geral do Estado referente ao exercício do ano económico 2015, documento que inclui, em seu conteúdo, a inclusão das polémicas “dívidas ocultas” ou, ainda, se pretendermos, ilegais.
Mesmo com a ausência de todos os deputados da Renamo, presentes os deputados da Frelimo e do MDM, aprovou-se a Conta Geral do Estado 2015 apresentada recentemente pelo Governo àquele órgão de Soberania, encontrando-se inclusas as dívidas referentes às empresas ProÍndicus e MAM, como é sabido, feitas à revelia da lei, à semelhança da dívida da EMATUM, esta incluída na Conta Geral de 2014.
O sucedido surpreendeu a muitos moçambicanos que, numa altura em que se esperava a divulgação dos resultados das investigações levadas a cabo pela Kroll, agência internacional encarregue de averiguar os contornos das polémicas dívidas ilegais, sentem, no seu dia-a-dia, o impacto das mesmas, com o incremento do desemprego, da falência dos agentes económicos e do encarecimento do custo de vida.
O mesmo facto, desde as redes sociais, passando pelas conversas de rua, e até desaguar nos espaços televisivos e radiofónicos, fez com que os moçambicanos questionassem, a si próprios, se afinal de contas à quem, os deputados da bancada parlamentar da Frelimo, representam! E mais: qual o fundamento constitucional e/ou legal que dá poder aos deputados para legalizar grotesca ilegalidade!
1. Conta Geral do Estado, o que é?
Abreviadamente designada pela sigla CGE, a Conta Geral do Estado, conforme ensina o Professor Teodoro Waty em “Finanças Públicas e Direito Financeiro” (2011; p. 195), «regista as receitas e despesas que foram efectivamente cobradas e efectuadas durante um determinado ano económico». O ano económico equivale ao ano civil, pelo que inicia no mês de Janeiro e termina em Dezembro daquele ano.
A CGE constitui, assim, «um meio de controlar, a posterior, a execução orçamental e de responsabilizar os agentes dessa mesma execução» (idem; p. 197). É um elemento de avaliação do desempenho dos órgãos e instituições do Estado, devendo ser apresentada à Assembleia da República e ao Tribunal Administrativo até 31 de Maio do ano seguinte a que este diz respeito (nº 1 do art. 50 da lei do SISTAFE).
A CGE apesar de merecer apreciação do Tribunal Administrativo, que elabora o «Relatório e Parecer», antes de sua aprovação pela Assembleia da República, este o faz sem qualquer tipo de juridicidade: quer o Relatório como o Parecer do Tribunal Administrativo sobre a CGE, não constituem actos jurisdicionais, mas «um acto consultivo do Parlamento antes de este aprovar a Conta do Governo» (idem: p. 199).
Portanto, a sua submissão ao Tribunal Administrativo é, neste sentido, de natureza formal. É um comando que decorre da lei: a Lei do SISTAFE – Sistema de Administração Financeira do Estado ou, simplesmente, Lei nº 9/2002, de 12 de Fevereiro. Neste âmbito, acentuamos, ao Tribunal Administrativo não está-lhe reservado qualquer tipo de julgamento do documento da CGE apresentado pelo Governo.
1.1. Da ilegalidade da Conta Geral do Estado 2015
Conforme é sabido, Moçambique é um Estado de Direito Democrático (art. 3 da CRM), daí que o Estado subordina-se à Constituição e baseia-se na legalidade (nº 3 do art. 2 da CRM). É, também um Estado de justiça social (art. 1 da CRM). Deste modo, os órgãos de soberania, as instituições do Estado, como também os cidadãos estão e devem estar, nas suas acções, sobre a lupa da legalidade à todos os níveis.
A Conta Geral do Estado 2015, ora aprovada pela Assembleia da República (AR), com boicote da Renamo, não colectivo do MDM e um sim unânime da Frelimo, goza de muitos vícios, a destacar, a apresentação tardia à AR e ao Tribunal Administrativo e consequente debate tardio na AR, a aprovação tardia e por incluir dívidas contraídas em 2013 e 2014, e como agravante, tratando-se de dívidas ilegais.
Dito doutra forma, a Lei do SISTAFE no artigo 50 sob a epígrafe de prazos aponta a entrega da CGE à AR o dia 31 de Maio do ano seguinte à que a CGE diz respeito; a CGE 2015 inclui dívidas das empresas MAM ProÍndicus contraídas, respectivamente, em 2013 e 2014, quando conjugando os artigos 45 e 48 Da lei do SISTAFE, ela deve cingir-se, apenas, aos aspectos referentes ao exercício económico de 2015.
Adicionalmente, para além das dívidas serem de anos não correspondentes à Conta Geral do Estado em referência, elas são ilegais por que a sua contração foi feita à revelia do disposto na alínea p) do nº2 do artigo 179 da CRM que consagra que: «é da competência exclusiva da AR autorizar o Governo a contrair empréstimos e fazer outras operações de crédito superior a um exercício económico», que foi o caso.
Finalmente consta, ainda, que os avales das dívidas a contrair em cada ano económico são fixados por lei: a Lei do Orçamento, que assenta, entre outros, no «Princípio da Anualidade»: o orçamento vigora durante um ano civil (WATY, 2011; p. 143) e, em 2013, fixou-se 183.500mil MT (º1 do art.11 da Lei nº1/2013, de 7 de Janeiro), em 2014, através da lei respectiva, no art.11 fixou-se, ainda, 183.500mil MT.
1.2. Do impacto da aprovação da CGE com irregularidades:
A CGE, por lei, deve assentar-se no Princípio da Legalidade (nº2 do art. 46 da Lei do SISTAFE), e AR, por ser um órgão de soberania do Estado a quem está reservada a competência de legislar devia pautar, ela mesma através de todos seus deputados, pela observância da legalidade nos actos que aprova (al. a) do art.177 da CRM), até porque o Estado moçambicano subordina-se à Constituição (nº3 do art.2 da CRM).
Adicionalmente, e como situação agravante, a AR à par do Tribunal Administrativo constituem órgãos do controlo externo da Administração Pública, logo, também do Governo – já que manifestação do Estado-Administração, operacionalizada pelo disposto na alíneas j) e seguintes do nº2 do art. 179 da CRM, devendo, em caso de violação, acionar entes como a Procuradoria-Geral da República e os Tribunais.
Portanto, com a aprovação da Conta Geral do Estado sobrecarregado de irregularidades, os deputados da Assembleia da República, pela Frelimo, legitimou-se a gangsterização do Estado moçambicano, escamoteou-se à Constituição. Deu-se azo para que o Governo dirija-se pela inconstitucionalidade sob a garantia de que a Frelimo, já em sede da AR, eximirá tais ilegalidades aprovando resoluções anómalas.
Com a sua atitude, a Frelimo através dos deputados da AR, mostrou que não representa fielmente os moçambicanos, que é promotora da ilegalidade, que desrespeita grotescamente à Constituição, se colocando acima dela – uma Frelimo supraconstitucional(?), conforme consagrava o artigo 3º da Constituição da República Popular de Moçambique de 1975. Frelimo escandalizou a Caso do Povo, a AR.
2. Da (ir)recorribilidade ao Conselho Constitucional:
E porque a aprovação da Conta Geral do Estado não segue o mesmo itinerário que o da aprovação das leis à par do que fixa o Regimento da Assembleia da República (Lei n.o 17/2013, de 12 de Agosto), então a CGE, por maioria de razão, não constitui um acto normativo, senão uma deliberação da AR que reveste a forma de «Resolução» devendo, contudo, ser publicada no Boletim da República (art. 182 da CRM).
Não obstante não ser um acto legislativo, a Conta Geral do Estado tem natureza normativa, até porque após a sua aprovação tem força vinculativa ou obrigatória às entidades do Estado e outras. Nesta ordem de ideias, sendo da CGE, por excelência, um acto normativo então é passível de apreciação e controlo de legalidade e constitucionalidade do Conselho Constitucional (al. a) e h) do nº1 do art.244 da CRM).
Neste sentido, o Conselho Constitucional tem competência para apreciar a legalidade daquele acto, e se possível, em momento posterior, declarar a inconstitucionalidade do mesmo. Não sendo por iniciativa própria do Conselho Constitucional, a apreciação pode ser instada por intermédio da solicitação dos sujeitos elencados na alínea a) e seguintes do nº2 do artigo 245 da CRM. A CGE 2015 é improcedente!
Do Conselho Constitucional, que num passado recente envergonhou a transparência e imparcialidade no funcionamento das nossas instituições, esperamos que desta vez faça diferente. Não podemos viver em um Estado onde o Governo mergulha na ilegalidade e não há qualquer responsabilização. Não queríamos acionar mecanismos internacionais, nem a força para resolver os nossos problemas internos.
3. Considerações finais:
A legalização das dívidas ocultas pela Assembleia da República pelos deputados da Frelimo constitui uma flagrante inobservância aos ditames de um Estado que se pretende de Direito e Democrático. O Parlamento não pode constituir extensão e nem representação dos interesses dos partidos políticos. Aprovar essa CGE foi um desrespeito e desconsideração à soberania do humilde povo moçambicano.
Com o acto de aprovação, o Parlamento mostrou que a Frelimo ainda está presa ao postulado do artigo 3º da CRPM de 1975 que coloca a Frelimo numa posição supra-constitucional podendo, por esta via, agir ao seu bel-prazer, senão vejamos: “A República Popular de Moçambique é orientada pela linha política definida pela FRELIMO, que é a força dirigente do Estado e da Sociedade(...)". Respeitemos a legalidade.
A dívida da EMATUM, da ProÍndicus e da MAM não constituem dívidas soberanas. Constituem dívidas dessas mesmas empresas criadas à revelia dos ditames constitucionais. São dívidas que devem ser pagas por elas mesmas. A Assembleia da República devia responsabilizar severamente os envolvidos na sua contração por sobejamente terem-na tirado sua soberania e competência exclusiva prevista no nº2, do art.179 da CRM.
9 comentários
Comentários
Munguambe Nietzsche Obrigado ilustre pela reflexão.
Ivan Maússe Estamos de volta, caro Munguambe Nietzsche. Estamos juntos. Bom Domingo!
Filipe Primeiro Dà pra os maia radicais menos atentos fanàticos beija maos lambe botas bajuladores perceberen que a frelimo une e desorganiza o povo que ja està caduca e è momento de mudarmos tudo menos estes lacaioa basta basta basta
Zee Mavye Qual é a recomendação...
Abinelto Bié "Com o acto de aprovação, o Parlamento mostrou que a Frelimo ainda está presa ao postulado do artigo 3º da CRPM de 1975 que coloca a Frelimo numa posição supra-constitucional podendo, por esta via, agir ao seu bel-prazer, senão vejamos: “A República Popular de Moçambique é orientada pela linha política definida pela FRELIMO, que é a força dirigente do Estado e da Sociedade(...)". Respeitemos a legalidade."
Aí está!
Parabéns pela reflexão, mais uma vez, confrades.
Novo Combatente De Moz A corrupcao eh uma pratica defendida dentro da FRELIMO.
Estevão Wa Ka Nhabanga aquela aprovação foi um ato de vergonha. Nao restão duvidas que estes deputados não representão o povo. Triste isto.
Novo Combatente De Moz A Conta Geral do Estado de 2015 deve ser anulada por incluir as dividas ocultas.
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