Canal de Opinião por Adelino Timóteo
O flagelo devassava o solo, tornando-o infértil. Devassava as instituições do Estado, desde o funcionalismo público até aos órgãos da justiça. Naquele país sabia-se haver um aparato estatizado que produzia burocracia, a qual exprimida, reduzia-se ao ruído dos ar-condicionados, aos murmúrios dos documentos que passam ao arquivo morto, sem nunca trazerem os reais frutos desejados.
Esbanjava-se muito papel em pesquisas, em estudos encomendados.
Um dia encomendaram um estudo para desvendar-se quem tinham sido as pessoas que o tinham desviado (o país e o dinheiro). Mas para tanto impôs-se que contratassem uma empresa especializada em investigar quem tinham sido as pessoas que tinham levado o país aos seus bolsos. E o sorteio coube a uma empresa britânica.
Em noventa dias iriam trazer à luz o nome dos protagonistas e que operações os mesmos tinham feito para subtrair o país. Esperava-se que desvendassem onde o tinham escondido. No dia previsto para se divulgar os golpistas que deixaram gangrenadas as finanças do país eis que, inadvertidamente, a firma do Reino Unido adia por mais um mês. Expirados os trinta dias, desafortunadamente, vieram a confirmar que estavam a programar uma nova prorrogação. Depois de solicitada, no dia aprazado eis que em vez de anunciar os nomes dos ladrões que desviaram o país gangrenado para os seus bolsos e suas contas no exterior, voltam a pedir o que já se esperava. No caso, uma nova prorrogação, para a tradução na língua gentílica. Não se sabe se encontraram tradutores competentes ou enviaram o relatório a Marte, para apreciação, correcção e aprovação, com ajuda de São Pedro, mas voltaram no dia marcado que o tornariam público, com o novo argumento de que o entregariam aos seus patrocinadores.
Perante as tais hesitações eis que se crê que os seus patrocinadores não patrocinaram a investigação às dívidas ocultas, mas sim os atrasos, os adiamentos, porque os mosquitos transmissores da incerteza os haviam infectado. Se havia dúvidas de que somos o país da incerteza, com os três adiamentos da divulgação do relatório das dívidas escondidas, desta vez ficou claro que há um vírus de que nem os britânicos acostumados a pontualidade britânica são imunes.
Quer dizer, basta entrar-se no território nacional para se infectar pela epidemia da incerteza.
E como se está no país da incerteza, no dia em que se produziu o último adiamento, começaram a aventar-se as hipóteses das incertezas.
Há um segmento de opinião que acredita piamente que os contratados a investigar as dívidas contraídas à margem do Estado foram alvo de vandalismo dos poderosos, que eventualmente os constrangeram a primar pela incerteza.
Outros sectores crêem pura e simplesmente que lhes subtraíram os discos duros e “pen-drives”, para que o país ficasse ainda mais refém dos adiamentos, emerso e envolto na lama da incerteza, para que a firma investigadora tirasse a ilação de que verdadeiramente
estava a trabalhar num terreno pantanoso, susceptível de dúvidas.
Depois de se produzirem tantos adiamentos, naquele país de enternecidos por incertezas, outros há que se perguntam a que se devem as incertezas dos adiamentos, de que ninguém sabe quando, como, onde e de que maneira e por que meios serão divulgados os nomes dos sigilosos infractores, já de si renomados, antes de se conhecer o conteúdo do relatório.
É tão sigiloso o relatório da companhia britânica, que ainda assim já se conhece o conteúdo e os nomes dos autores do desvio, que provaram a sua eficiência no desencaminhamento dos técnicos, quando esses se faziam ao pódio, donde iriam dirigir-se ao mundo, cada vez mais céptico e apreensivo com os atrasos na difusão do que é já sobejadamente público: de que estão numa estratégia de produzir adiamentos para nos fundirem num mar de incerteza infinita. Ao que é verdadeiramente a incontornável incerteza.
Não nos espanta o alinhamento desta companhia pela referida conduta, pois nos acostumámos já a incertezas. Com a guerra fratricida e prolongada conhecemos o futuro incerto. Conhecemos o futuro incerto desde que se lançou a retórica de luta contra a pobreza.
Aliás, não é desconhecido dos cidadãos desta Pêrola da incerteza que, quando as coisas se complicam, alguns há que têm a propensão e habilidade de iludir a vigilância e se fazerem à parte incerta, mergulhando-se no fundo do poço da incerteza a que nos vimos acostumando.
Na Pêrola da incerteza agricultura-se, mas nunca se sabe quando chove. Ou quando chove é fora do período da safra agrícola. Na Pêrola da incerteza, se se deseja pouca chuva, chove demais, matando o arroz. Se se deseja sol faz um sol escaldante que queima o arroz. No país da incerteza está-se numa grande crise económica, mingua-se, mas diz-se que a crise verdadeira está por vir. No país da incerteza apela-se para se aguardar com serenidade por um relatório de que não se sabe quando o tornarão público, porque os noventa dias prometidos para a sua divulgação poderão sofrer uma dilatação indeterminada.
No país da incerteza nunca se sabe quando teremos paz efectiva.
No país da incerteza a Polícia mata determinados cadastrados, mas não tem certeza da identidade das vítimas cujos nomes figuraram em certidões de óbitos amplamente divulgados.
No país da incerteza o futuro jamais será como sonhávamos dantes.
Caminha-se sem rumo ao futuro e de engano a engano. E como não há bela sem senão, um cadastrado e delinquente por tendência anunciou dispor do afamado relatório, que deve ter comprado a um preço que custa os olhos da cara, no Dumba Nengue. (Adelino Timóteo)
CANALMOZ – 15.05.2017