Polícia brasileira filmou representante de Michel Temer a receber uma mala com 500 mil reais enviados por Joesley Batista, o empresário que fez a denúncia no âmbito da operação Lava-Jato.
O Presidente brasileiro, Michel Temer, foi gravado a dar autorização ao pagamento de um suborno para comprar o silêncio de Eduardo Cunha, antigo líder da Câmara dos Deputados que se encontra preso na sequência da Operação Lava-Jato, noticia esta quarta-feira O Globo.
De acordo com o jornal brasilerio, a denúncia foi feita por Joesley Batista, dono da JBS, a maior produtora de carnes do mundo, no âmbito de uma "delação premiada" – figura jurídica brasileira que permite reduções de pena em troca de denúncias – que ainda não foi, no entanto, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro. Esta revelação foi feita por Joesley Batista na Procuradoria-Geral da República no passado mês de Abril e confirmada, a 10 de Maio, ao juiz do Supremo Edson Fachin.
Segundo O Globo, Joesley Batista terá contado ao juiz que tinha dito a Temer que iria pagar a Eduardo Cunha e a Lúcio Funaro, braço-direito do antigo deputado e que está também preso, para estes se manterem calados durante o processo. “Tem que manter isso, viu?”, terá respondido o Presidente brasileiro. A conversa foi gravada pelo empresário sem o conhecimento do Presidente. No depoimento que prestou aos procuradores o dono da JBS refere, no entanto, que o pagamento do suborno não foi ordenado por Temer, mas que este apenas o autorizou, tendo por isso total conhecimento da operação que se estava a realizar para silenciar Cunha.
A polícia brasileira filmou mais tarde uma entrega de 400 mil reais a Roberta, irmã de Funaro. O dinheiro destinado a Cunha era entregue através de Altair Alves Pinto, homem de confiança do antigo deputado.
Nesse mesmo encontro entre Michel Temer e Joesley Batista, o empresário pediu ajuda ao Presidente para uma "pendência da J&F [holding que controla a JBS] no Governo”. Temer disse-lhe que fosse falar com o deputado Rodrigo Rocha Lourdes. Este foi depois filmado pela polícia a receber uma mala com 500 mil reais (cerca de 143 mil euros, ao câmbio actual) enviada por Joesley.
Além disto, O Globo noticia também que o empresário denunciou Aécio Neves, senador e presidente do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), que lhe terá pedido dois milhões de reais (571 mil euros), justificando que teria de pagar as despesas decorrentes da sua defesa durante o processo da Lava-Jato. Esta conversa foi igualmente gravada por Joesley Batista e entregue à Procuradoria brasileira. A entrega do montante a um primo do senador foi igualmente filmada pela Polícia Federal brasileira, que conseguiu seguir o dinheiro até este ser depositado numa conta do senador Zeze Perrella, também do PSDB.
Entretanto o Palácio do Planalto, sede da presidência brasileira, reagiu às notícias através de um comunicado, citado pela Globo, onde confirma o encontro entre Temer e Batista mas garante que o Presidente “jamais” tentou evitar que Eduardo Cunha testemunhasse e falasse à Justiça-
O canal brasileiro diz que, antes do envio desta nota escrita, o Presidente reuniu-se com alguns membro do Governo, como por exemplo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, o secretário para a Comunicação Social, Márcio Freitas, e o porta-voz, Alexandre Parola.
“O presidente Michel Temer jamais solicitou pagamentos para obter o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha. Não participou e nem autorizou qualquer movimento com o objectivo de evitar delação ou colaboração com a Justiça pelo ex-parlamentar”, lê-se no comunicado, onde se acrescenta que o encontro entre ambos ocorreu no “começo de Março” no “Palácio de Jaburu, mas não houve no diálogo nada que comprometesse a conduta do presidente da República”.
Além disso, pede-se que estas denúncias sejam escrutinadas e que se apurem responsabilidades: “O presidente defende ampla e profunda investigação para apurar todas as denúncias veiculadas pela imprensa, com a responsabilização dos eventuais envolvidos em quaisquer ilícitos que venham a ser comprovados”.
O Globo explica a forma como a Justiça brasileira geriu este processo, optando por um caminho até agora inédito em toda a investigação da Lava-Jato. Pela primeira vez, foram realizadas “acções controladas”. Num total de sete, estas medidas consistem em identificar crimes em flagrante — neste caso a entrega de subornos —, mas a acção da polícia é adiada de forma a esperar por um momento em concreto. Além das gravações obtidas pelas autoridades, nas malas que transportavam o dinheiro foram instalados chips para seguir o caminho que estas percorriam. Segundo o jornal brasileiro, nestas sete “acções controladas” foram movimentados, só no mês de Abril, cerca de três milhões de reais (857 mil euros) em subornos.
Esta "delação premiada" com a JBS foi negociada em tempo recorde, se se comparar com os dez meses de negociação no caso da Odebrecht e com o grupo de engenharia civil OAS. No caso de Batista, as conversas começaram em Abril e no início de Maio as negociações já tinham terminado, dando-se início às denúncias agora noticiadas. Para isso contribuíram as gravações, valiosíssimas do ponto de vista jurídico, feitas pelo dono da empresa, e pelo facto de a JBS ter sido responsável por um histórico de subornos distribuídos por todo o espectro político brasileiro, ao longo da última década.
Pouco tempo depois da publicação destas notícias, foram vários os deputados federais que exigiram, em plenário, a abertura de um processo de impeachment ao Presidente Michel Temer.
Antigo ministro de Dilma e Lula intermediava pagamentos
As denúncias de Joesley Batista não se ficaram por aqui. Ainda durante os depoimentos aos procuradores brasileiros, o empresário garantiu que Guido Mantega, antigo ministro dos Governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, servia de intermediário para pagamentos que realizava aos deputados do Partido Trabalhista (PT), relata ainda O Globo.
Batista refere mesmo que o PT tinha uma espécie de “conta corrente” na JBS, sendo que os montantes eram sempre entregues através de Mantega. Em troca, o antigo ministro favorecia a empresa no Banco Nacional de Desenvolvimento Económico (BNDES). No entanto, é referido no depoimento que Mantega utilizava os subornos recebidos para os distribuir pelo partido e que não ficava com nenhuma quantia para si.
O empresário relata até que Luciano Coutinho, presidente do BNDES durante quase todo o período de governação trabalhista, não costumava facilitar nas negociações com a JBS. Mas, admite, que por vezes, quando se reunia com o banqueiro, tudo parecia ter sido tratado por Mantega.
Porém, o empresário diz que o antigo ministro chegou a pedir doações de campanha que foram pagas pela empresa. Em 2014, como lembra O Globo, a JBS foi quem mais doou para as campanhas de vários partidos, desembolsando cerca de 366 milhões de reais (104,5 milhões de euros) que foram devidamente registados.
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