terça-feira, 25 de julho de 2017

“Havia um buraco na parede do camião e os imigrantes revezavam-se para respirar por ele”


Pessoas a chorar, a gritar por água e a fazerem turnos para respirar por um buraco. Os relatos dos sobreviventes do "camião da morte", no Texas, são impressionantes.
DARREN ABATE/EPA
Foi a segunda vez que o mexicano Lara Vega tentou entrar nos Estados Unidos, três anos depois de ter sido deportado, e, por sorte, está vivo. Era um dos 39 imigrantes clandestinos (25 dos quais mexicanos) que vinham a bordo do “camião da morte” de Calvillo, no Estado de Aguascalientes, com destino a San Antonio, no Texas. Dez morreram e 15 estão ainda internados em estado crítico.
“Depois de uma hora de viagem ouvi pessoas a chorar e a pedir água. Também estava a suar e as pessoas estavam a desesperar”, relatou o sobrevivente, numa entrevista exclusiva à Associated Press, na segunda-feira, ainda na cama do hospital, onde permanece ligado a monitores cardíacos.
Antes explicou que apanhou boleia do camião na cidade fronteiriça de Laredo, no Texas, com seis amigos do estado de Aguascalientes, e que quando a porta se abriu estava tão escuro que não conseguiu ver quantas pessoas já estavam lá dentro. Ele e os amigos estiveram duas semanas à espera do transporte numa casa e o dono da casa disse-lhes que o camião seria refrigerado. “Mas isso não aconteceu.” Não só não era refrigerado, como ninguém deu água aos passageiros naquele percurso de 240 km até San Antonio.
De acordo com os bombeiros locais, a temperatura no interior do camião terá atingido os 65 graus Celsius o que levou à morte de oito pessoas ainda dentro do camião e outras duas já no hospital. Há ainda 15 pessoas em estado crítico por danos cerebrais causados pela exposição ao calor, falta de oxigénio e desidratação, conta o The Guardian.
“Uma pessoa toma decisões sem pensar nas consequências”, disse Lara Vega, casado e pai de dois filhos. “Graças a Deus, aqui estamos”, agradeceu, rematando que está à espera de um trabalho na construção civil e que já foi visitado por um funcionário consular.
E há ainda outros relatos transcritos para o relatório judicial do sucedido. “As pessoas começaram a bater nas paredes para alertar o motorista, mas ele nunca parou”, lê-se no texto a que o El País teve acesso. “Havia um buraco na parede do camião e os imigrantes revezavam-se para respirar por ele.”
Uns foram desmaiando e quando as autoridades chegaram, no domingo, ao camião estacionado num parque de estacionamento de um supermercado em San Antonio, e exposto a temperaturas muito elevadas, oito já tinham morrido por asfixia e desidratação.
As terras de Calvillo, de onde partiu o camião, são conhecidas pela produção de fruta tropical, mas, como a produção é sazonal, alguns camponeses migram para os Estados Unidos em busca de trabalho. Estes imigrantes ilegais pagaram entre 3.300 e 5.500 dólares (2.830 e 4.720 euros) para serem transportados, sem direito a água, nem comida.
O condutor do camião, James Matthew Bradley Jr, de 60 anos, já foi acusado de tráfico de seres humanos e da morte de dez pessoas e pode enfrentar pena de morte ou prisão perpétua.
Bradley garantiu às autoridades que não sabia que no interior do camião iam imigrantes e que ficou surpreendido quando depois de se aperceber das pancadas no interior do reboque, abriu as portas e foi derrubado por pessoas que falavam espanhol.
Os mesmos documentos a que o jornal espanhol teve acesso revelam ainda que o condutor não fez qualquer chamada para os serviços de emergência, apesar de ter consciência de que várias pessoas estavam mortas.
O secretário da Segurança Interna dos Estados Unidos, John Kelly, disse na segunda-feira que este caso revela a “brutalidade” dos traficantes de pessoas. “Esta tragédia mostra bem a brutalidade do tráfico. Os traficantes não têm qualquer respeito pela vida humana e procuram unicamente o lucro financeiro.”

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