quarta-feira, 5 de julho de 2017

FMO pede ao Conselho Constitucional ilegalização das dívidas ocultas

O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), que congrega organizações da sociedade civil moçambicanas, entregou hoje ao Conselho Constitucional (CC) uma petição destinada à declaração de inconstitucionalidade do empréstimo da Ematum, empresa que beneficiou de dívidas ocultas.
Em conferência de imprensa realizada hoje em Maputo, Denise Namburete, do FMO, afirmou que o CC deve revogar a resolução da Assembleia da República que inscreve na Conta Geral do Estado (CGE) a dívida da Ematum, no valor de 850 milhões de dólares (750 milhões de euros).
"As constatações [do sumário da auditoria às dívidas] levaram as organizações membros do FMO a formular uma petição, que tem como objetivo exigir a fiscalização do ato legislativo que levou à inscrição das dívidas ilegais na Conta Geral do Estado", declarou Denise Namburete.
O FMO vai também pedir ao CC a declaração de inconstitucionalidade da inscrição na CGE das dívidas da Proindicus e da MAM, logo que o documento seja publicado no Boletim da República.
As duas empresas também beneficiaram de empréstimos avalizados secretamente pelo anterior governo moçambicano, entre 2013 e 2014.
Denise Namburete disse que o FMO agiu primeiro em relação à Ematum, porque a CGE que inscreve a dívida contraída por esta empresa já foi publicada no Boletim da República.
Falando na conferência de imprensa, Andes Chivangue, também do FMO, disse que o sumário do relatório da auditoria às dívidas ocultas mostra que os projetos financiados não foram concebidos para ajudar o desenvolvimento do país.
"Trata-se de uma forma de acumulação [da riqueza] pelas elites. O que acontece é que este tipo de dívidas não traz benefícios para o país, não é produtiva, passa por cima da legislação", declarou Andes Chivangue.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique divulgou no dia 24 o sumário da auditoria às dívidas ocultas, assinalando que a mesma deixou por esclarecer o destino dos dois mil milhões de dólares contraídos pelas três empresas estatais entre 2013 e 2014. 
Lusa
 – 05.07.2017
 
Elisio Macamo está a sentir-se divertido.
1 h ·
Masoquismo alfabetizado
Estou com vontade de apanhar tau-tau intelectual. Estava aí a ler um comunicado de imprensa emitido por um tal Fórum de Monitoria do Orçamento constituído por várias Organizações da Sociedade Civil. É a propósito do Relatório da Kroll. Achei o comunicado curioso pelo que ele revela em relação ao entendimento que essas organizações têm do seu papel e do tipo de sistema político que se está a construir (mal ou bem) em Moz.
O primeiro parágrafo começa por saudar a PGR pela publicação e remata “... o documento apresenta um conjunto de indícios que permitem a responsabilização financeira e criminal dos actores envolvidos, abrindo espaço para que o ministério público faça o seu trabalho com transparência”. Fiquei confuso. Não é pelo facto de o reparo ser despropositado, pois está mais do que claro que se a PGR achar que há matéria para procedimentos criminais ela vai instaurar um processo. O FMO duvida da competência técnica da PGR? O que me deixou atónito foi a certeza com que o comunicado aborda os resultados do relatório. Companheiros: o único que o relatório permite fazer é que se instaure um processo, não que se “responsabilize” seja quem for.
Este tipo de linguagem é problemático porque viola a presunção de inocência ao mesmo tempo que cria condições para que futuros réus não tenham nenhum julgamento justo. Por acaso, não sei até que ponto foi prudente – do ponto de vista processual – divulgar este relatório. É deste tipo de condições que os linchamentos são feitos.
O segundo parágrafo é curioso. Diz que “... a engenheira financeira concebida para a viabilização das empresas EMATUM, MAM e PROINDICUS não se encontra ligada a qualquer projecto de desenvolvimento nacional coerente, tão pouco visa gerar benefícios para os moçambicanos”. Intervalo para respirar fundo. Quem diz isso? Tanto quanto sei, os promotores dessas dívidas sempre disseram que agiam em prol do desenvolvimento nacional. Eu posso não concordar com a maneira como as dívidas foram contraídas, mas negar-lhes isso é impor uma grelha de leitura alheia aos promotores. É claro que o FMO (ou I?) pode não concordar com isso.
Mas isso faz parte do jogo democrático. Você tem a sua ideia de desenvolvimento nacional, eu tenho a minha. O facto de a minha ideia não ser como a sua não implica necessariamente que eu não tenha nenhuma ideia. E ainda tem aí “... tão pouco visa gerar benefícios para os moçambicanos”. Ai é? Como sabem? Gerar benefícios para os moçambicanos é critério útil? Como se mede?
Segue-se um terceiro parágrafo cheio de gíria desenvolvimentalista: “O facto é que essas dívidas foram contraídas violando conscientemente a Constituição da República de Moçambique, leis, normas, procedimentos e, sobretudo, sem o atendimento pela diversidade de opiniões da sociedade e do desenvolvimento económico e social inclusivo, que promova o bem-estar da maioria dos moçambicanos, com menos pobreza e desigualidade”. Ao ler isto perguntei-me se as pessoas que escrevem estas coisas entendem o que escrevem. É que nesta fase do campeonato não há “facto” por muita confiança que você deposite na Kroll.
Mais uma vez: existe a presunção de inocência. A Kroll, que é feita de pessoas como você e eu, fez as suas investigações e apresentou-as. Uma sociedade sã tem que verificar isso e estabelecer que de facto estamos em presença de factos. Depois, suponhamos que o governo tivesse levado a ideia ao parlamento, onde tem maioria absoluta. Tecnicamente, teria sido possível atender à tal diversidade e mesmo assim contrair as dívidas em nome da promoção do bem-estar com menos pobreza e desigualidades.
O quarto parágrafo continua na mesma lógica de tomar suposições por factos: “Para além de confirmar as suspeitas já levantadas pelas OSC, o relatório denuncia aspectos como sobrefacturação, transacções financeiras caracterizadas por níveis de informalidade incompreensíveis [mas o FMO compreendeu], conflito de interesse, violação do código comercial, pagamentos feitos a entidades desconhecidas e divergências nas explicações fornecidas sobre o destino que foi dado ao dinheiro”. Niku gá, ka Pereira! Isto é matéria para os tribunais, não é matéria para o FMO. Presunção de inocência, senhores e senhoras!
A coisa continua no mesmo estilo. No quinto parágrafo vem a incontornável corrupção, no sexto questiona-se a utilidade pública das empresas (como se o facto de o FOM questionar alguma coisa fosse razão suficiente para essa coisa estar mal) e termina-se, no parágrafo oito com esta proclamação pomposa: “Pela Melhoria das condições de vida dos moçambicanos, as OSC’s EXIGIM” [sic] seguida de sete exigências. O governo tem que ser leal, tem que “apresentar um estudo fundamentado sobre as consequências económicas e sociais da actual crise...” (as OSC’s já não têm fundos para fazer esse tipo de coisas?), tem que se confiscar o património dos envolvidos (diz a Inquisição nacional), etc.
A lógica duma parte da nossa sociedade civil é algo perversa. Resulta de ela ser uma resposta ao discurso da indústria do desenvolvimento que faz com que, aparentemente, a própria reprodução social constitua a sua principal prioridade. É este tipo de barulho que é preciso fazer para ser ouvido por quem financia a indignação. Não é uma lógica que tenha o interesse nacional no coração, uma lógica, portanto, que olhe para os problemas do país não como sendo resultado das acções dos maus contra a maioria, mas sim como manifestação da nossa condição de país em desenvolvimento (seja lá o que isso for). Enquanto persistir esta lógica do discurso da indústria do desenvolvimento, todo o indivíduo que for justa ou injustamente processado e condenado será sempre um bode expiatório para a nossa incapacidade de pensar o país para além do oportunismo.
Espero ter provado nos últimos tempos que aguento críticas e ataques pessoais. Aliás, dão-me prazer.

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