Dezenas de desmobilizados das FAPLA e das FALA, muitos deles fardados, juntaram-se hoje perto do Ministério de Defesa, em Luanda, para (“por enquanto pacificamente”) protestar contra decisão, arbitrária e prepotente, do ministro da Defesa – João Lourenço – que mandou suspender o pagamento dos irrisórios subsídios e reformas a que têm direito.
Cumprindo
ordens superiores do próprio ministro da Defesa, as forças de segurança
trataram imediatamente de pôr na ordem os manifestantes, a grande
maioria dos quais até agora recebia 20 ou 30 euros por mês.
Embora
seja uma questão de carácter laboral, os manifestantes não deixam de
lembrar que foram militares, que lutaram pelo seu país, e que “continuam
a saber como se usam as armas”, embora essa “não seja a opção que
pretendem tomar”.
Recordam,
aliás, que “há muitos oficiais na reforma a receber milhares de euros
por mês e que, na verdade, nunca foram militares, tendo chegado a essa
situação por conivência criminosa do regime”.
A
decisão agora tomada por João Lourenço pode já não ser a gota de água
que faz transbordar a paciência mas, antes, o fósforo que ateou o
rastilho que pode causar um incêndio de graves consequências.
A
situação já é antiga e de há muito que os ex-militares angolanos
reivindicam também o pagamento de indemnizações e salários em atraso
desde 2010. Nem mesmo o Presidente da República, por inerência também
comandante das Forças Armadas, e ainda chefe do Governo, José Eduardo
dos Santos, mostrou ao longo dos últimos anos qualquer preocupação na
resolução do assunto.
“Esta
manifestação não é de manifestantes, é de militares e se a polícia não
tiver um comportamento adequado, nós também vamos reagir”, dizia em 19
de Abril de 2015 Mário Faustino, um dos elementos da organização que
nesse dia concentrou centenas de militares numa reunião que teve lugar
no Cazenga. Não é, pois, por falta de avisos que o Governo continua a,
tanto quanto parece, querer que nesta altura eleitoral os ânimos se
exaltem e a violência tome conta do país.
Tal
como disserem em 2015, hoje os manifestantes continuam a lembrar, com
louvável paciência, que “os polícias e os militares no activo (muitos
dos quais até estão solidários connosco) que existem em Angola não têm
mais técnica que os ex-militares. Nós não queremos que eles ajam com
violência para nós também não partirmos para a violência, porque todo o
pessoal está mesmo frustrado”.
Os
ex-militares exigem o pagamento de subsídios, a integração na Caixa de
Previdência e Segurança Social do Ministério da Defesa, em vez de
continuarem inscritos nos serviços de segurança social dos Antigos
Combatentes ou do regime geral.
Enquanto
os generais no activo, violando a própria Constituição de Angola, dão
apoio público ao MPLA, os ex-militares tanto das FAPLA como das FALA
continuam a penar pela sobrevivência.
Assim,
o candidato a presidente e ministro da Defesa, João Lourenço, não só
continua sem responder às reivindicações dos ex-militares angolanos que,
durante uma vida, andaram a matar-se uns aos outros na defesa de causas
diferentes, como lhes tira o bocado de pão seco com o qual enganam a
fome e a miséria.
No
início de Agosto de 2012, o então coordenador da Comissão de
Ex-Militares Angolanos (COEMA), general na reforma Silva Mateus, dizia
que o Governo parecia querer que os desmobilizados ultrapassassem a
linha vermelha. Hoje não restam dúvidas: o ministro da Defesa quer mesmo
que eles a ultrapassem.
Assim,
como hoje se percebe, os desmobilizados mostram que, mesmo em tempo de
paz, a luta continua, embora a vitória não seja certa. Como não foi para
isto que lutaram tantos anos, já estão por tudo. “Se é guerra que
querem, é guerra que vão ter”, pensam muitos e dizem alguns.
Ao
contrário de João Lourenço, os ex-militares percebem que, ao contrário
do que dizia Agostinho Neto, o importante não é resolver os problemas do
Povo. Aliás, o regime nem sequer sabe que existe Povo.
Quantos
são? Eram cerca de 60 mil os ex-militares nestas condições, abarcando
cinco mil soldados, sargentos e oficiais que desde 1992 deixaram de
receber os vencimentos estabelecidos, e também os que foram
desmobilizados depois daquele ano, e que receberam as guias da Caixa
Social das Forças Armadas mas que, quando vão receber, são informados
que não há dinheiro.
Mas
há mais. Também lá estão os que não tendo sido desmobilizados continuam
a ser militares e não recebem, mais os 250 efectivos do processo “27 de
Maio”, que aguardam o pagamento da pensão de reforma, os 402 do
Batalhão Comando Ex-Tigres, que lutaram na vizinha República Democrática
do Congo, que têm direito a subsídios desde 2007 e que só receberam o
correspondente a 2012.
Também
fazem parte os mais de 32 mil militares dos antigos braços armados da
UNITA (FALA) e da FNLA (ELNA), ainda 18 mil oficiais que passaram à
reforma e os que integraram a chamada Defesa Civil, então tutelados pelo
Ministério da Defesa Nacional e integrados nos governos provinciais na
última guerra civil (1998/2002) e, finalmente, os que estavam integrados
na Segurança do Estado, nas chamadas Tropas Territoriais, na
Organização de Defesa Popular e nas Brigadas Populares de Vigilância.
“Os
actuais dirigentes, tanto a nível do Ministério da Defesa Nacional como
da Chefia do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas não
conhecem, não têm percepção da dimensão deste dossiê”, acusava Silva
Mateus.
“Será
que estas entidades não têm conhecimento da existência deste dossiê e
desta demanda dos militares ao Estado, e, se têm, porque não reagem?
Estão à espera de quê? Que os militares percam a paciência e saiam à rua
para serem apelidados de arruaceiros”, questionou.
Silva
Mateus disse, aliás, algo que assenta como uma luva na actual situação.
“Não serão meia dúzia de generais de barriga cheia” que impedirão os
ex-militares de sair à rua. Tenhamos bem presente que quem diz à rua diz
para as matas.
Notícia em actualização
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