quarta-feira, 14 de junho de 2017

Salve-se quem puder


Listen to this post. Powered by iSpeech.org
Comentário de salvador Raimundo
HÁ pouco mais de um ano, Filipe Nyusi quase declinou festança por ocasião do seu empossamento. Estávamos em Janeiro de 2015.
Até que foi sensibilizado pelo experimentado Oldemiro Baloi, de que a gala era de praxe, simbolismo absolutamente necessário mesmo em período de barrigas vazias.
Nyusi terá se inspirado no despesismo guebuziano, por alturas do aniversário natalício que coincidiu com as mortíferas enxurradas, pelos lados de Chókwè e que precipitaram a inspiração do músico Refila Boy.
A postura de Nyusi imediatamente após o empossamento, nos faz recuar 10 anos até os primeiros dias de Armando Guebuza na Ponta Vermelha.
Se lembrados, Guebuza arregaçou as mangas na tentativa de corrigir o que considerava serem os erros do Governo-Chissano, caracterizados pelo ‘deixa-andar’.
Desde logo, impôs rigor na gestão do parque automóvel do Estado e no sistema de abastecimento do mesmo.
O técnico da Agricultura escalado para Boane, residindo na Matola, era forçado a boleias ou às cotoveladas num taxi colectivo, até ao Ministério da Agricultura onde a viatura estava parqueada e só depois dar início ao cumprimento da agenda-Boane.
Não tardou para que os quadros do público erguessem a voz da contestação contra aquilo que Guebuza considerava ser despesismo do bem-público. Estávamos no primeiro de dois mandatos. No término do segundo e início de uma nova era-Nyusi, a descoberta de dívidas ocultas.
Voltando à meada. O gesto de Nyusi, em Janeiro de 2015, teve um misto de sentimentos.
Uns não se deixaram impressionar com a intenção de o presidente pretender cancelar a gala, outros aplaudiram, enquanto um terceiro grupo torceu o nariz ao recordar a hipocrisia que estas coisas costumam carregar consigo.
Recentemente, uma instituição internacional trouxe a público que no primeiro trimestre o consumo privado caiu pouco mais de 11%.
Isto explica-se pelo facto de os moçambicanos não terem tanto dinheiro para fazerem as suas compras, incluindo as básicas, simplesmente porque a esmagadora maioria não tem acesso a ele, como até alguns anos atrás.
Hoje, o Zé Povão é convidado a recurso à mandioca em substituição ao pão, acabando o proponente, Governo, por se morder a língua ao dar a entender que o tubérculo é mais barato que o pão.
Por aqui é fácil perceber haver um pequeno grupo de moçambicanos que ao pequeno almoço injeta 20 mil meticais, valor equivalente a três meses de consumo numa família de baixa renda.
O povão anda de estômago colado às costelas, enquanto uns fulanos andam de barriga-cheia, sinónimo de fartura.
Uma malta mais familiarizada com bebidas caríssimas, rodeada de luxo e de belíssimas raparigas, catorzinhas incluídas.
Maldita hora que a propalada dívida oculta chegou.
Assim, o Governo-Nyusi se empoleira nela para justificar as suas fraquezas.
Hoje é comum um dirigente assumir publicamente que se não fossem as tais dívidas, o Governo estaria a realizar um desempenho mais atento a questões sociais e económicas, como nunca.
Isto depois de as mesmas vozes justificarem as suas incompetências ao conflito
(guerra) armado movido de fora e materializado por Dhlakama.
Agora que o conflito observa trégua, as dívidas ocultas são a principal razão do estado paupérrimo em que nos encontramos.
Se calhar, por este andar, o problema das dívidas tem solução, aí as vozes irão certamente encontrar novas formas de justificar os maus préstimos.
Os dirigentes moçambicanos esquecem-se de que foram eleitos exactamente para encontrar soluções aos problemas da miséria que afectam o Zé Povão, não para andarem por aí envolto em preocupações.
Se não é o conflito armado que condiciona o pleno funcionamento do Governo, são as calamidades. Quando não é nem uma coisa nem a outra, as dívidas ocultas são a razão.
E vão daí pedir que o Povão aperte ainda mais o cinto, suficiente para levar o estômago, de tão vazio, a colar-se às costas.
No terreno, as cotoveladas do costume. Os jovens desdobram-se à procura de espaço na Função Pública, nomeadamente, na Polícia, Educação e Saúde, as três únicas áreas onde ainda se consegue colocação, desde que a troco de dinheiro.
Aos olhos do Povão, ser agente da Polícia é sinónimo de dinheiro, sobretudo quando Polícia de Trânsito, onde emperra a corrupção e chantagem. Muita chantagem…
Aqui, consciente de que o automobilista é leigo em matéria dos artigos do Código de Estrada, os agentes da Polícia de Trânsito recorrem à chantagem para extorquir o dinheirinho dos distraídos.
A rede é de tal modo extensa que já nem vale a pena o automobilista se queixar junto às hierarquias policiais, pelo menos as de nível local. É o proteccionismo no seu melhor.
Na Educação, o lucro fácil acontece no período que compreende o término e o começo das aulas. É o salve-se quem puder.
Como dizia o Camilo Antão, o mundo é para os espertos, que os burros não tivessem vindo. sr
EXPRESSO – 14.06.2017

Sem comentários: