DO MISTERIOSO DESAPARECIMENTO DO NAVIO AO LARGO DE MOÇAMBIQUE
Completam-se
no próximo mês de Abril 42 anos sobre um dos mistérios mais intrigantes
da historia mais recente de Portugal: o desaparecimento do navio
Angoche ao largo de Moçambique carregado de bombas para aviões das FAP
que operavam naquele antigo território ultramarino. Óscar Cardoso faz a
abordagem num livro de Bruno Oliveira Santos (Histórias Secretas da
PIDE/DGS (p. 401-402) sobre esse intrigante caso que contou com
cumplicidades ao mais alto nível, desde a antiga União Soviética (
crê-se que do KGB), do Partido Comunista Português, quadros da Frelimo (
agora bem instalados no poder em Moçambique).Tão intrigante que, como
relata o antigo inspector da PIDE, o processo sobre este assalto sumiu
das instalações da antiga Polícia política na Rua António Maria Cardoso
logo a seguir ao 25 de Abril de 1974 – assim como outros importantes
documentos que manchavam a reputação de altos quadros do PC, os quais
foram parar a Moscovo aos arquivos do KGB ( e que serviram par actos de
chantagem no pós Revolução em Portugal…)
Vejamos o que Óscar Cardoso relata sobre o assalto ao Angoche, um
caso que, mercê das boas relações agora existentes entre Portugal e
Moçambique, poderia desencadear uma investigação mais rigorosa e
apuramento de responsabilidades:
“Ingressei em miúdo na Mocidade Portuguesa, quando tive de ingressar.
Fi-lo, curiosamente, quando estudava no Colégio Moderno, do Dr. João
Soares. Mais tarde entrei para a Legião Portuguesa e frequentei o
Instituto Superior de Estudos Ultramarinos. Interrompi o curso para
fazer o serviço militar na Índia. Depois fui para a Guarda Nacional
Republicana até que, em 1965, entrei para a PIDE. Na estrutura da PIDE,
Barbieri Cardoso era inspector superior. Mas depois apareceu São José
Lopes, um homem com grande influência em Angola, e era necessário
dar-lhe outra situação para compensar o bom serviço que tinha feito.
Então, nomearam-no inspector superior do Ultramar. Entretanto, havia na
PIDE um indivíduo muito mais antigo do que o Dr. São José Lopes, o
inspector Coelho Dias, que era subdirector, e que também queria ser
inspector superior. Criaram-se assim os lugares de subdirector-geral
para Barbieri Cardoso, de inspector superior do Ultramar para São José
Lopes e de inspector superior do Continente para Coelho Dias. Havia uma
divisão de tarefas entre os três. A PIDE tinha muito boas relações com
todas as polícias e serviços secretos do seu género na Europa e no
mundo. É conhecida a ligação de Barbieri Cardoso aos serviços secretos
franceses, dirigidos pelo conde Alexandre de Marenches. Mas dávamo-nos
bem com todas as polícias congéneres e também com os americanos da
Central Intelligence Agency (CIA). Operávamos muito em África, através
de informadores, sobretudo nos países vizinhos de Angola, Moçambique e
Guiné. Por exemplo, havia informadores na Tanzânia em ligação a Oscar
Kambona, o chefe da oposição a Julius Nyerere. Mas o controlo era feito
através de Lisboa, pela secção central na António Maria Cardoso,
chefiada por Álvaro Pereira de Carvalho. Tínhamos de facto bons
informadores em África, onde os nossos serviços faziam um trabalho
sobretudo de intelligence, em colaboração estreita com os militares.
Foi
precisamente através da nossa rede na Tanzânia que soubemos o que se
tinha passado com o navio Angoche. O navio Angoche levava material para a
nossa Força Aérea, material sofisticado, essencialmente material
explosivo, bombas para os aviões, etc., e creio que ia para Porto
Amélia. Soubemos que o Angoche foi abordado em 23 de Abril de 1971 por
um submarino da União Soviética e que os seus tripulantes foram levados
para a Tanzânia, para a base central da Frelimo, Nachingwea. Foi uma
operação executada por soviéticos, o que nos foi possível confirmar
pelas análises que fizemos dos vestígios encontrados no barco. A
primeira pessoa que fez a investigação a bordo do Angoche foi o
inspector Casimiro Monteiro. Verificou que as armas não estavam lá. A
tripulação foi levada para Nachingwea e depois, penso eu, terá sido
aniquilada. Penso que iam no Angoche à volta de vinte e três pessoas.
Mais de metade eram africanos, de Moçambique, e os outros europeus. O
navio não era de passageiros mas levava um passageiro a bordo, a quem se
deu uma boleia, o que era estranho. Houve uma outra coisa curiosa: a
mudança, à última hora, do radiotelegrafista. O radiotelegrafista que
era para ir resolveu não ir. Pode ter sido uma mera coincidência, mas é
curioso que assim tenha sido. Na nossa opinião, tratou-se de uma
operação soviética, feita em colaboração com o Partido Comunista
Português. Fala-se que houve oficiais da Marinha, hoje oficiais
generais, que estariam envolvidos nisso. Houve também o estranho caso de
uma rapariga que foi “suicidada” na cidade da Beira e que estava ligada
aos meios esquerdistas da Marinha portuguesa. Esta versão dos factos
constou dos nossos relatórios na altura. Tínhamos um relatório secreto
sobre o Angoche que desapareceu da sede da DGS, na Rua António Maria
Cardoso, depois do 25 de Abril. Foi um dos processos que desapareceram. O
caso estava a ser investigado.…
NOTA:
A última notícia relacionada com o navio “Angoche” chegou-nos de Fernando Taborda, o último administrador português de Quionga: “Saiba o povo português que, em Março de 1974, foi descoberta, na foz do Rovuma, uma baleeira do navio “Angoche”, com insígnias começadas por NA confirmada pelo cabo de mar de Palma e que, sobre ela, nunca me foi dada resposta à circular que mandei para a Capitania de Porto Amélia.”
In Quionga, meu amor
A última notícia relacionada com o navio “Angoche” chegou-nos de Fernando Taborda, o último administrador português de Quionga: “Saiba o povo português que, em Março de 1974, foi descoberta, na foz do Rovuma, uma baleeira do navio “Angoche”, com insígnias começadas por NA confirmada pelo cabo de mar de Palma e que, sobre ela, nunca me foi dada resposta à circular que mandei para a Capitania de Porto Amélia.”
In Quionga, meu amor
UMA ACHEGA:
NAVIO “ANGOCHE”
No dia 23 de Abril de 1971, o navio “Angoche” foi assaltado em alto
mar, na costa de Moçambique, quando ia em viagem para o Norte.
Os 22 tripulantes foram levados para a Tanzânia e assassinados em Nachingwea, uma base da Frelimo.
Supõe-se que o assalto tenha sido feito por meios navais soviéticos, talvez um submarino e foram encontradas manchas de sangue no navio, o que prova que foi usada violência contra os tripulantes.
O jornal “Notícias” de Lourenço Marques foi impedido pela Comissão de Censura de divulgar qualquer informação, o mesmo acontecendo com os jornais de Lisboa.
O jornal “Star” de Joanesburgo, que era vendido na esquina do “Continental”, em Lourenço Marques, começou a referir-se ao assunto a partir da última semana desse mês de Abril de 1971. As informações eram poucas e as suposições eram muitas. “Diz-se”, “fala-se”, “supõe-se”…
O mesmo acontecia com a Rádio Brazaville e a Rádio RSA de Joanesburgo, que transmitiam em português. Ou com as emissões em inglês da BBC e da Voz da América. Todas escutadas por mim.
Nunca ouvi a Rádio Moscovo e a “Voz da Frelimo” (através da Rádio Tanzânia) referirem-se ao assunto em Abril/Maio de 1971, apesar de eu as escutar todos os dias para o efeito.
Ainda hoje permanece o mistério sobre o que teria acontecido aos tripulantes e a um provável passageiro, que viajavam a bordo do navio “Angoche”.
Só 3 dias depois, a 26 de Abril de 1971, o navio foi abordado pelas autoridades coloniais portuguesas, pelo que houve quem se interrogasse em Moçambique se não teria sido tempo demais para dar pela falta de um navio daquele tamanho e com uma carga daquela natureza.
Usou-se o clássico raciocínio do “Motivo, Meios e Oportunidade” para tentar perceber o que se tinha passado:
– Motivo e Oportunidade: a Frelimo e a União Soviética, porque o “Angoche” transportava material de guerra;
– Meios: apenas a União Soviética, porque a Frelimo não tinha meios navais para um assalto em alto-mar.
Por motivos óbvios estratégicos e porque um acto de pirataria contra um navio mercante civil não honra particularmente quem o pratica, a URSS nunca falou no assunto.
Quatro anos depois, com o golpe militar de 25 de Abril em Lisboa, desapareceu o relatório secreto sobre o assunto.
Assim se passaram 40 anos sem que a opinião pública tivesse tido o direito de saber o que se passou.
Haverá pessoas daquele tempo que sabem o que aconteceu ou que tiveram acesso ao relatório.
É tempo de quebrarem o silêncio!
Os 22 tripulantes foram levados para a Tanzânia e assassinados em Nachingwea, uma base da Frelimo.
Supõe-se que o assalto tenha sido feito por meios navais soviéticos, talvez um submarino e foram encontradas manchas de sangue no navio, o que prova que foi usada violência contra os tripulantes.
O jornal “Notícias” de Lourenço Marques foi impedido pela Comissão de Censura de divulgar qualquer informação, o mesmo acontecendo com os jornais de Lisboa.
O jornal “Star” de Joanesburgo, que era vendido na esquina do “Continental”, em Lourenço Marques, começou a referir-se ao assunto a partir da última semana desse mês de Abril de 1971. As informações eram poucas e as suposições eram muitas. “Diz-se”, “fala-se”, “supõe-se”…
O mesmo acontecia com a Rádio Brazaville e a Rádio RSA de Joanesburgo, que transmitiam em português. Ou com as emissões em inglês da BBC e da Voz da América. Todas escutadas por mim.
Nunca ouvi a Rádio Moscovo e a “Voz da Frelimo” (através da Rádio Tanzânia) referirem-se ao assunto em Abril/Maio de 1971, apesar de eu as escutar todos os dias para o efeito.
Ainda hoje permanece o mistério sobre o que teria acontecido aos tripulantes e a um provável passageiro, que viajavam a bordo do navio “Angoche”.
Só 3 dias depois, a 26 de Abril de 1971, o navio foi abordado pelas autoridades coloniais portuguesas, pelo que houve quem se interrogasse em Moçambique se não teria sido tempo demais para dar pela falta de um navio daquele tamanho e com uma carga daquela natureza.
Usou-se o clássico raciocínio do “Motivo, Meios e Oportunidade” para tentar perceber o que se tinha passado:
– Motivo e Oportunidade: a Frelimo e a União Soviética, porque o “Angoche” transportava material de guerra;
– Meios: apenas a União Soviética, porque a Frelimo não tinha meios navais para um assalto em alto-mar.
Por motivos óbvios estratégicos e porque um acto de pirataria contra um navio mercante civil não honra particularmente quem o pratica, a URSS nunca falou no assunto.
Quatro anos depois, com o golpe militar de 25 de Abril em Lisboa, desapareceu o relatório secreto sobre o assunto.
Assim se passaram 40 anos sem que a opinião pública tivesse tido o direito de saber o que se passou.
Haverá pessoas daquele tempo que sabem o que aconteceu ou que tiveram acesso ao relatório.
É tempo de quebrarem o silêncio!
Sem comentários:
Enviar um comentário