domingo, 16 de julho de 2017

Oposição organiza referendo contra Maduro em defesa da Constituição chavista

Manifestação que assinalou os 100 dias de protestos contra Maduro, a 9 de julho
Opositores querem mostrar nas urnas rejeição ao governo e à Constituinte após mais de três meses nas ruas e quase cem mortos
Os opositores que em 1999 fizeram campanha pelo "não" no referendo para a aprovação da nova Constituição, desenhada no primeiro mandato do então presidente Hugo Chávez, são os mesmos que saem agora em defesa desse texto, depois de Nicolás Maduro ter convocado uma Assembleia Constituinte para o reescrever. Hoje, os eleitores venezuelanos são chamados a pronunciar-se numa consulta popular, cuja mobilização a oposição espera que mostre a rejeição que existe não só à convocatória, mas também ao governo de Maduro depois de mais de três meses de protestos diários e quase cem manifestantes mortos nos confrontos com as autoridades.
"A oposição espera com esta consulta uma mobilização pacífica maciça que demonstre ao governo de Maduro e à comunidade internacional a enorme rejeição que existe em relação à convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte para mudar a Constituição vigente na Venezuela", explicou ao DN a professora, professora e analista política venezuelana Margarita López Maya, autora de vários livros sobre Chávez e o chavismo.
Mais de dois mil centros de voto estarão abertos na Venezuela para a consulta promovida pela Assembleia Nacional, assim como mais de 500 no estrangeiro. Serão três as perguntas: uma sobre a Constituinte, outra sobre o papel das Forças Armadas e a última sobre a realização de eleições livres e a criação de um governo de união nacional.
A consulta surge depois de a 1 de maio, mais de um ano após perder a maioria na Assembleia Nacional e quando a oposição já se manifestava nas ruas diariamente há quase um mês, o presidente venezuelano anunciar a convocação da Assembleia Constituinte. A 30 de julho serão eleitos os 545 membros, responsáveis por redigir a nova Carta Magna que, para Maduro, deverá traduzir um "grande diálogo nacional e social, acabar com a corrupção e a burocracia, e estará centrada em ganhar a paz e isolar os violentos". As "missões", isto é, os programas sociais na área de habitação, educação, saúde ou cultura criados por Chávez, serão mantidas.
Mas, para a oposição, a Constituinte é uma forma de "golpe de Estado"destinada a perpetuar Maduro no poder. Consideram o processo fraudulento, já que a convocató-ria não foi feita após um referendo - como em 1999. O presidente prometeu fazer essa consulta quando o texto estiver pronto. A convocação desta Assembleia acabou não só por voltar a unir a oposição - onde já começavam a surgir fraturas em relação ao caminho a seguir após três meses de protestos - como também dividir o chavismo.
"Quando o governo de Maduro se pronunciou para mudar a Constituição, houve uma fratura no chavismo", afirmou López Maya, lembrando que muitos "acreditam que isso não vai resolver a crise económica essencial do país" e que o presidente "vai sacrificar o legado de Chávez para poder fazer um fato à medida", isto é, um texto que o beneficie. A queda do preço do petróleo, de que depende a economia venezuelana, causou escassez de bens essenciais e o Fundo Monetário Internacional prevê uma inflação superior a dois mil por cento para es-te ano. O governo denuncia uma "guerra económica" liderada por países como os EUA e a Colômbia.
A liderar essa fratura no chavismo está a procuradora-geral Luísa Ortega, por detrás de várias acusações contra opositores venezuelanos, que se tornou numa das principais vozes contra Maduro e enfrenta um processo que pode resultar no seu afastamento. "Ela é um fator fundamental nesta convergência nacional que se está a produzir contra a proposta de Constituinte de Maduro", referiu López Maya. Apesar da liderança política da Mesa de Unidade Democrática (MUD), a coligação dos partidos da oposição "está de alguma maneira a ser ultrapassada por um movimento que inclui chavistas, que não se identificam com os partidos tradicionais, organizações sociais e a própria Igreja Católica", alegou a professora.
"Num regime autoritário e ditatorial como o que temos na Venezuela, as fissuras internas do regime são fundamentais para contribuir para a mudança política", afirmou ao DN o professor de Direito Público de várias universidades venezuelanas e estrangeiras, Allan Brewer--Carías, atualmente a dar aulas na de Columbia, em Nova Iorque. Disse também que não existem divisões na oposição. "Há diferença de critério em todo o lado. O importante é que há uma unidade total da oposição com um só objetivo neste momento, que é o da manifestação global de vontade através da consulta popular como um mecanismo de rebelião e desobediência civil face ao governo e à proposta de Constituinte", afirmou ao DN.
Já López Maya indicou que seriam os próprios opositores os mais prejudicados pela divisão interna. Por vezes, fala-se numa eventual tensão entre o governador do estado de Miranda e ex-candidato presidencial Henrique Capriles e o fundador do partido Vontade Popular, posto em prisão domiciliária após três anos atrás das grades, Leopoldo López. "Se eles cometerem o erro de se envolverem numa competição entre ambos, então enterram-se os dois. Este é um movimento que está a crescer e a liderança tem que o acompanhar", disse a professora.
Sobre a eventualidade de problemas durante a votação de hoje, Brewer-Carías lembrou que "todos os esforços que o regime faça para impedir ou boicotar esta manifestação popular, vão voltar-se contra o próprio regime". E acrescentou: "Oxalá não cometam o erro de impedi-lo." Mas López Maya explicou o esforço que já está a ser feito para travar o processo: "O governo está a convocar um ensaio para a Constituinte, tendo destacado as Forças Armadas, e foi aos meios de comunicação para proibir a cobertura da consulta popular. Aliás, o uso destas duas palavras está proibido".

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