Opositores querem mostrar nas urnas rejeição ao governo e à Constituinte após mais de três meses nas ruas e quase cem mortos
Os
opositores que em 1999 fizeram campanha pelo "não" no referendo para a
aprovação da nova Constituição, desenhada no primeiro mandato do então
presidente Hugo Chávez, são os mesmos que saem agora em defesa desse
texto, depois de Nicolás Maduro ter convocado uma Assembleia
Constituinte para o reescrever. Hoje, os eleitores venezuelanos são
chamados a pronunciar-se numa consulta popular, cuja mobilização a
oposição espera que mostre a rejeição que existe não só à convocatória,
mas também ao governo de Maduro depois de mais de três meses de
protestos diários e quase cem manifestantes mortos nos confrontos com as
autoridades.
"A oposição espera com
esta consulta uma mobilização pacífica maciça que demonstre ao governo
de Maduro e à comunidade internacional a enorme rejeição que existe em
relação à convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte para
mudar a Constituição vigente na Venezuela", explicou ao DN a professora,
professora e analista política venezuelana Margarita López Maya, autora
de vários livros sobre Chávez e o chavismo.
Mais
de dois mil centros de voto estarão abertos na Venezuela para a
consulta promovida pela Assembleia Nacional, assim como mais de 500 no
estrangeiro. Serão três as perguntas: uma sobre a Constituinte, outra
sobre o papel das Forças Armadas e a última sobre a realização de
eleições livres e a criação de um governo de união nacional.
A
consulta surge depois de a 1 de maio, mais de um ano após perder a
maioria na Assembleia Nacional e quando a oposição já se manifestava nas
ruas diariamente há quase um mês, o presidente venezuelano anunciar a
convocação da Assembleia Constituinte. A 30 de julho serão eleitos os
545 membros, responsáveis por redigir a nova Carta Magna que, para
Maduro, deverá traduzir um "grande diálogo nacional e social, acabar com
a corrupção e a burocracia, e estará centrada em ganhar a paz e isolar
os violentos". As "missões", isto é, os programas sociais na área de
habitação, educação, saúde ou cultura criados por Chávez, serão
mantidas.
Mas, para a oposição, a
Constituinte é uma forma de "golpe de Estado"destinada a perpetuar
Maduro no poder. Consideram o processo fraudulento, já que a
convocató-ria não foi feita após um referendo - como em 1999. O
presidente prometeu fazer essa consulta quando o texto estiver pronto. A
convocação desta Assembleia acabou não só por voltar a unir a oposição -
onde já começavam a surgir fraturas em relação ao caminho a seguir após
três meses de protestos - como também dividir o chavismo.
"Quando
o governo de Maduro se pronunciou para mudar a Constituição, houve uma
fratura no chavismo", afirmou López Maya, lembrando que muitos
"acreditam que isso não vai resolver a crise económica essencial do
país" e que o presidente "vai sacrificar o legado de Chávez para poder
fazer um fato à medida", isto é, um texto que o beneficie. A queda do
preço do petróleo, de que depende a economia venezuelana, causou
escassez de bens essenciais e o Fundo Monetário Internacional prevê uma
inflação superior a dois mil por cento para es-te ano. O governo
denuncia uma "guerra económica" liderada por países como os EUA e a
Colômbia.
A liderar essa fratura no
chavismo está a procuradora-geral Luísa Ortega, por detrás de várias
acusações contra opositores venezuelanos, que se tornou numa das
principais vozes contra Maduro e enfrenta um processo que pode resultar
no seu afastamento. "Ela é um fator fundamental nesta convergência
nacional que se está a produzir contra a proposta de Constituinte de
Maduro", referiu López Maya. Apesar da liderança política da Mesa de
Unidade Democrática (MUD), a coligação dos partidos da oposição "está de
alguma maneira a ser ultrapassada por um movimento que inclui
chavistas, que não se identificam com os partidos tradicionais,
organizações sociais e a própria Igreja Católica", alegou a professora.
"Num
regime autoritário e ditatorial como o que temos na Venezuela, as
fissuras internas do regime são fundamentais para contribuir para a
mudança política", afirmou ao DN o professor de Direito Público de
várias universidades venezuelanas e estrangeiras, Allan Brewer--Carías,
atualmente a dar aulas na de Columbia, em Nova Iorque. Disse também que
não existem divisões na oposição. "Há diferença de critério em todo o
lado. O importante é que há uma unidade total da oposição com um só
objetivo neste momento, que é o da manifestação global de vontade
através da consulta popular como um mecanismo de rebelião e
desobediência civil face ao governo e à proposta de Constituinte",
afirmou ao DN.
Já López Maya indicou
que seriam os próprios opositores os mais prejudicados pela divisão
interna. Por vezes, fala-se numa eventual tensão entre o governador do
estado de Miranda e ex-candidato presidencial Henrique Capriles e o
fundador do partido Vontade Popular, posto em prisão domiciliária após
três anos atrás das grades, Leopoldo López. "Se eles cometerem o erro de
se envolverem numa competição entre ambos, então enterram-se os dois.
Este é um movimento que está a crescer e a liderança tem que o
acompanhar", disse a professora.
Sobre a
eventualidade de problemas durante a votação de hoje, Brewer-Carías
lembrou que "todos os esforços que o regime faça para impedir ou
boicotar esta manifestação popular, vão voltar-se contra o próprio
regime". E acrescentou: "Oxalá não cometam o erro de impedi-lo." Mas
López Maya explicou o esforço que já está a ser feito para travar o
processo: "O governo está a convocar um ensaio para a Constituinte,
tendo destacado as Forças Armadas, e foi aos meios de comunicação para
proibir a cobertura da consulta popular. Aliás, o uso destas duas
palavras está proibido".
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