quinta-feira, 13 de julho de 2017

Carlitos volta à “Coronelder”


Canal de Opinião por Adelino Timóteo
Camarada Carlitos,
Perdoe-me que te diga. Antigamente estavas muito bem acomodadinho na “Coronelder”. Lembro-me que da vez que nos vimos particularmente eras o director daquela companhia e cumulativamente cônsul honorário dos Países Baixos. Eu era repórter. Estavas muito bem nos dois cargos, coisa rara porque se não monta dois cavalos ao mesmo tempo. Lembro-me até que o primeiro visto que tirei para o Schengen deste-mo tu. Estavas muito bem na sua opção por uma vida discreta, lá no Porto, onde facturavas milhões, sem que ninguém desse por ti, mas, desde que saíste lá do Porto, não param de chover notícias nada boas sobre ti.
Deves ter saudades da vida que levavas na Beira. Casa-serviço, serviço-casa, de permeio aquelas pomposas festas de fim-de-semana na tua mansão à beira-mar, lá do Macúti, paredes meias com o Índico, ou lá para a Ponta-Gêa, esquina da Rua Dom Francisco de Almeida.
Desde que foste para Maputo, não param de chover podres contra ti, camarada Carlitos. Lamento muito. Ora porque te ofereceste negócio chorudo de frete de camiões, onde tu eras o contratado e contratante. Dói muito ouvir o teu nome assim, nas primeiras páginas de jornais, quando eu me acostumei a ver-te em festas, nas tuas duas mansões, onde oferecias cortesmente lazer a muita gente, entre teus amigos e familiares, mesmo a mim, que deve vez enquanto a roçar os passeios, em minhas caminhadas à pé, pela nossa cidade amada, como tanto gosto de fazer, deliciava-me com o cheiro dos comes e bebes.
Camarada Carlitos, os vizinhos estão com saudades de ti. Saudades das azáfamas de fim-de-semana, das farras nas tuas duas mansões. Saudades de cheiros a cozinhados, que deste lado da rua apenas podia empanturrar o estômago, pela sua variedade, galinha à zambeziana com mucapata à la carte.
Trocaste a actividade sazonal do Porto com o de manda-chuva do pelouro de Transportes. Erraste, porque não precisavas disso, pois estás tão exposto que o teu nome sujou-se com a história dessas negociatas, dessas cascas de banana em que tens caído, envergonhando a vizinhança que se orgulhava com o cheiro dos teus cozinhados e com a tua discrição. Erraste, porque ao menos a posição de cônsul honorário te conferia mais honra. Te conferia muita honra o teu sem número de afilhados que quase semanalmente foste  acumulando na Beira, pois virou moda que muitos beirenses te queriam como padrinho. Meu antigo futuro padrinho, até eu que estive para pedir ao padre da igreja que me voltasse a baptizar, para usufruir dos terreiros dos teus jardins, com empregados e empregadas devidamente vestidos e aprumados em seus trajes de serviço. Mas não foi possível, porque só se baptiza uma vez. Mas isso é só humor meu, para me consolar, pois o meu antigo futuro padrinho não o queria senão impoluto. E não só, consolava-me os cheiros a cozinhados.
Até que foste para Maputo, fazer o quê, não sei, mas por certo nunca serviste os   propósitos pelo qual te fizeste à capital.
Dizem que és ministro de My Love, aquela vergonha de transportes em que as pessoas se apinham como bois. És ministro daquelas empresas públicas de telefones, praticamente insolventes.
Vê lá, desde que foste para Maputo foi quando começaste a aparecer na imprensa, até cobres o “deficit” de longos anos de silêncio. Cada vez enquanto encontro com um teu compadre que me diz “Carlitos estava muito bem na Coronelder”, “estragou-se aí no ministério”. Nem comer no restaurante comia, os restaurantes estavam nas suas mansões. As pessoas que comiam ouvindo o cheiro da comida dos seus terreiros, agora fazem digestão com o rosto dele nas primeiras páginas. Ora porque não consegue organizar o sector, ora porque faz um projecto de vinte e dois milhões, para facturar dez milhões.
Camarada Carlitos, permita que te diga o indizível, estás a perder a personalidade.
Eras melhor como cônsul, ou “bon vivant”. Eras melhor mesmo quando protegias aquele rapaz que sofre da doença da lua e reclama a pertença dos barcos todos que navegam ao largo da baía da Beira.
Por favor, Camarada Carlitos, peça demissão, arruma a trouxa e volta para as tuas mansões. Volta para a tua mansão novinha em folha, nas traseiras da futura catedral da Beira.
Está gira e limpa e me parece confortável, em vez de te ver deselegantemente a seres petiscado nos jornais.
Camarada Carlitos, volta. Um homem assim tão rico não pode deixar-se humilhar todos os dias, por causa da treta de um cargo, que não consegues exercer com transparência.
Volta para as tuas mansões, Camarada Carlitos. Vem comer camarão-tigre, lagostas e lagostins, que isso em Maputo não há muito melhor que aqui.
Volta, Carlitos. Num país onde a elite anda de mercedes benz de último grito, caiu-te mal aquela tua proposta de apelo para a reciclagem dos fantasmas dos machimbombos que habitam os cemitérios dos autocarros, para servirem de salas de aulas. Num país onde milhares de dólares sumiram no ardiloso processo de dívidas ocultas, caiu-te muito mal. (Adelino Timóteo)
CANALMOZ – 13.07.2017

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