Há uma falácia, propositada ou despropositada, no pensamento expresso de Elísio Macamo [1] sobre a Frelimo gloriosa liderada por Samora Machel. O argumento de Elísio Macamo é que o período da História de Moçambique independente em que Samora Machel foi o líder da revolução, foi tenebroso no que tange ao respeito pelas liberdades cívicas. Ele [Elísio Macamo] usa este argumento para defender que é "haramo" os amantes da liberdade celebrarem a vida e obra de Samora Machel. Ele [Elísio Macamo] não esgota argumentos, para provar que os problemas que a intolerância que se vive no Moçambique de hoje é consequência do facto de o regime revolucionário liderado por Samora Machel ter execrado a diferença de ideias, sobretudo nas hostes da própria FRELIMO.
Eu considero falaciosa a argumentação de Elíso Macamo por duas razões, a saber:
Primeira razão: O argumento não considera o contexto histórica da época e a própria história da luta que conduziu à independência de Moçambique da administração colonial portuguesa e à criação da nacionalidade moçambicana. Ocorreu que a independência de Moçambique não era vista como bom exemplo para os povos negros da África do Sul e da Rodésia (hoje Zimbabwe) pelos regimes minoritários racistas que então governavam estes dois territórios. Por razões egoístas, Malawi não era simpático com a luta pela independência de Moçambique... Assim, com quem, então, a FRELIMO poderia contar para concretizar o sonho de edificar e consolidar um Estado moçambicano soberano, que foi a causa da luta de libertação contra o jugo colonial português? Só com o apoio dos então países socialistas é que a FRELIMO podia contar para a edificação do Estado moçambicano independente e soberano. Ou seja, o regime socialista de partido único foi a única escolha que na altura se afigurava apropriada para viabilizar a criação do Estado moçambicano independente e soberano, contanto que a luta de libertação nacional foi largamente apoiada pelos países do bloco socialista. Não entender que esta era a única escolha que se oferecia à FRELIMO naquela altura, só pode ser por desonestidade intelectual.
Segunda razão: Não é verdade que a FRELIMO não acomodava ou não acomoda a diferença nas suas hostes. Aliás, a facilidade de adaptação da FRELIMO às novas realidades decorre exactamente do facto de esta organização saber acomodar a diferença. Só quem nunca acompanhou as discussões internas nos órgãos de direcção político-ideológica da FRELIMO é que pode cometer o erro crasso de dizer que a FRELIMO não acomoda a diferença. A FRELIMO é uma organização verdadeira democrática. Dentro da FRELIMO, ganham as ideias que se impõem sobre outras por via do debate interno vigoroso, que culmina sempre com a votação. Ninguém é dono de NADA nas hostes da FRELIMO. As ideias de todos os que as têm e as expõem nos órgãos são discutidas do ponto de vista de seu mérito à luz do ideal e dos princípios e valores da FRELIMO. Se assim não fosse, Filipe Nyusi não seria hoje Presidente da República de Moçambique e da Frelimo, e a Armando Guebuza continuaria a dirigir pelo menos a FRELIMO. Aliás, Joaquim Chissano estaria ainda no poder!
Enfim, meu objectivo aqui não é contrariar ninguém, mas explicar porque acho que o argumento de que o tempo de partido único, com Samora Machel à frente dos destinos de Moçambique, foi o mais tenebroso da História de Moçambique, a tal ponto que os amantes da liberdades cívicas e da justiça não estariam a ser coerentes celebrando a vida e obra de Samora Machel. Naquele tempo, houve excessos, sim. Mas é preciso enquadrar esses excessos no contexto em que ocorreram. Hoje, usar esses excessos hoje para negar uma apreciação positiva dos actos públicos de Samora Machel, só pode ser ou propositado ou despropositado.
Pode ser que eu esteja errado ou tenha entendido mal o Elísio Macamo, caso em que peço melhor esclarecimento a quem poder dar, por favor.
---
Referências
Sem comentários:
Enviar um comentário