Para a Marcia Tiburi
Simone Paulino,
editora e escritora, conta como viu, nas ruas, um sem-abrigo ser
abatido pela polícia. Negro, claro! Isto mostra, em toda a extensão, o
estado de coisas a que chegou o Brasil de hoje. Um país dividido ao
meio, manipulado pelos meios de informação e, felizmente, as redes
sociais, que ainda escapam ao controlo direita brasileira, dão-nos conta
da criminalidade descontrolada, num país onde os trabalhadores,
funcionários de estado, como os artistas (bailarinos, actores e músicos
que trabalham para instituições de estado) e funcionários da UERJ
(Universidade Estadual do Rio de Janeiro), desde professores a todos os
funcionários de uma das faculdades mais prestigiadas do Brasil, estão
sem receber os seus salários e subsídios, vivendo em situações de
dificuldade extrema.
Ainda
ontem li uma notícia em que o Brasil, recentemente saído do mapa da
fome, no tempo do governo de Dilma Rousseff, voltou novamente ao mesmo
mapa maldito. A comunidade internacional manifesta a sua preocupação
pelo estado de coisas e Dilma e Lula têm-se desdobrado em denunciar o
golpe perpetrado no Brasil (ocorrendo em várias fases), sendo que uma
delas é a sentença da prisão de Lula, para evitar a sua candidatura às
próximas eleições. Vale a pena dizer que Lula ocupava, nas estatísticas
eleitorais, o lugar de preferido. A prisão de Lula, caso venha a
efectuar-se, invalida o regresso do Brasil a um estado democrático e
igualitário e significará a sua queda nas mãos de uma direita
implacável, que tem como programa essencial a privatização e a venda a
saldo do Brasil a empresas internacionais (preferencialmente americanas,
como se calcula). É imperioso ler a magnífica crónica de Marcia Tiburi
sobre o assunto, intitulada “Lula, o mais perigoso dos líderes”,
onde a autora expõe, com toda a clareza e crueza, todas as razões
porque se tornou absolutamente necessário, pela parte da direita, evitar
a possibilidade da ascensão de Lula ao poder. Neste momento, as elites
de direita, que se estão absolutamente nas tintas para o bem-estar do
país e da nação, para a educação e para a cultura, estão reféns do
grande capital e sabem que a sua sobrevivência depende desse servilismo
vil. Profética, Marcia Tiburi, uma romancista prestigiada, filósofa,
feminista e incansável conferencista que revela e denuncia corajosamente
as injustiças sociais e políticas (num país dominado pelo machismo de
direita), redigiu, quando ainda se desenhava o actual panorama político,
o visionário livro “Como conversar com um fascista” e recentemente
publicou “O Ridículo Político”, uma análise dos comportamentos e da
manipulação política das massas, numa reflexão sarcástica e subtil.
Poderemos
incluir, para parafrasear o título (e a imagem que aqui sobrevoa o
panorama político brasileiro), a prisão de Lula como um capítulo
histérico (e ignominiosamente histórico) de mais uma dessas
manifestações do ridículo político,
quando Temer se recusa a renunciar ao poder, aguardando a composição de
um corpo jurídico que o ilibe, para poder sair tranquilamente do poder
sem sofrer as consequências da corrupção activa em que tem estado
vergonhosamente (e com todas as provas) envolvido. A vergonha recaiu,
desde que Temer ocupou o cargo, sobre o governo brasileiro e basta
observar as imagens da reunião do G-20 para se perceber o desprezo com
que o presidente brasileiro foi tratado. Parecia não ser reconhecido por
ninguém e tornou-se uma caricatura aos olhos dos líderes mundiais. A
dignidade do Brasil e do seu governo não pára de cair, mesmo se a
direita insiste, com todo o descaramento, em manter as suas elites
corruptas, pois sempre há os «chatos» dos jornalistas e os que,
comprando a sua liberdade, acabam por denunciar os sórdidos casos de
corrupção em que estão envolvidos todos estes líderes e os seus
assessores, bem como a cáfila de poder jurídico sem vergonha, que muda
leis durante a noite para legitimar actos de pura ilegalidade.
Como
Marcia salienta, não é importante frisar a saída (ou não) de Temer, nem
a possível entrada de qualquer outro destes políticos altamente
corruptos que se perfilam para ocupar o seu cargo, mas notar o que, além
da perda da dignidade dos cargos políticos brasileiros, se vem
acentuando e tornando uma máquina impiedosa que retira, cada vez mais,
os direitos aos trabalhadores, a protecção de quem contribui, com o
pagamento dos seus impostos, para ter acesso à melhoria das condições de
vida, como o programa político, económico e social em que haviam
apostado Lula e Dilma: uma evidente melhoria da educação e da preparação
dos quadros brasileiros, pela criação de universidades e reforço da
qualidade das que já existiam, pela melhoria das condições de saúde e de
acesso a bens essenciais, pelo reforço de uma classe média com cultura e
educação que lutasse contra a tão desejada ignorância das massas, que
se adequa e serve o credo do neoliberalismo.
A
ascensão de Lula ao poder significaria precisamente a aniquilação de
todos os «progressos» que as elites brasileiras implantaram neste último
ano, devastando educação, cultura, direitos, perpetuando assim a
sobrevivência do neoliberalismo e do seu ideário. Por isso, para roubar a
Marcia Tiburi o seu título, Lula foi sentenciado a prisão e ele é o mais perigoso dos líderes que as elites de direita têm,
neste momento, pela frente. E, se for preciso, matam, não só o homem,
como o sonho da democracia, para criar hordas de escravos ao serviço do
grande capital.
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