sexta-feira, 14 de julho de 2017

O tempo impossível do regresso


Para a Marcia Tiburi
Simone Paulino, editora e escritora, conta como viu, nas ruas, um sem-abrigo ser abatido pela polícia. Negro, claro! Isto mostra, em toda a extensão, o estado de coisas a que chegou o Brasil de hoje. Um país dividido ao meio, manipulado pelos meios de informação e, felizmente, as redes sociais, que ainda escapam ao controlo direita brasileira, dão-nos conta da criminalidade descontrolada, num país onde os trabalhadores, funcionários de estado, como os artistas (bailarinos, actores e músicos que trabalham para instituições de estado) e funcionários da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), desde professores a todos os funcionários de uma das faculdades mais prestigiadas do Brasil, estão sem receber os seus salários e subsídios, vivendo em situações de dificuldade extrema.
Ainda ontem li uma notícia em que o Brasil, recentemente saído do mapa da fome, no tempo do governo de Dilma Rousseff, voltou novamente ao mesmo mapa maldito. A comunidade internacional manifesta a sua preocupação pelo estado de coisas e Dilma e Lula têm-se desdobrado em denunciar o golpe perpetrado no Brasil (ocorrendo em várias fases), sendo que uma delas é a sentença da prisão de Lula, para evitar a sua candidatura às próximas eleições. Vale a pena dizer que Lula ocupava, nas estatísticas eleitorais, o lugar de preferido. A prisão de Lula, caso venha a efectuar-se, invalida o regresso do Brasil a um estado democrático e igualitário e significará a sua queda nas mãos de uma direita implacável, que tem como programa essencial a privatização e a venda a saldo do Brasil a empresas internacionais (preferencialmente americanas, como se calcula). É imperioso ler a magnífica crónica de Marcia Tiburi sobre o assunto, intitulada “Lula, o mais perigoso dos líderes”, onde a autora expõe, com toda a clareza e crueza, todas as razões porque se tornou absolutamente necessário, pela parte da direita, evitar a possibilidade da ascensão de Lula ao poder. Neste momento, as elites de direita, que se estão absolutamente nas tintas para o bem-estar do país e da nação, para a educação e para a cultura, estão reféns do grande capital e sabem que a sua sobrevivência depende desse servilismo vil. Profética, Marcia Tiburi, uma romancista prestigiada, filósofa, feminista e incansável conferencista que revela e denuncia corajosamente as injustiças sociais e políticas (num país dominado pelo machismo de direita), redigiu, quando ainda se desenhava o actual panorama político, o visionário livro “Como conversar com um fascista” e recentemente publicou “O Ridículo Político”, uma análise dos comportamentos e da manipulação política das massas, numa reflexão sarcástica e subtil.
Poderemos incluir, para parafrasear o título (e a imagem que aqui sobrevoa o panorama político brasileiro), a prisão de Lula como um capítulo histérico (e ignominiosamente histórico) de mais uma dessas manifestações do ridículo político, quando Temer se recusa a renunciar ao poder, aguardando a composição de um corpo jurídico que o ilibe, para poder sair tranquilamente do poder sem sofrer as consequências da corrupção activa em que tem estado vergonhosamente (e com todas as provas) envolvido. A vergonha recaiu, desde que Temer ocupou o cargo, sobre o governo brasileiro e basta observar as imagens da reunião do G-20 para se perceber o desprezo com que o presidente brasileiro foi tratado. Parecia não ser reconhecido por ninguém e tornou-se uma caricatura aos olhos dos líderes mundiais. A dignidade do Brasil e do seu governo não pára de cair, mesmo se a direita insiste, com todo o descaramento, em manter as suas elites corruptas, pois sempre há os «chatos» dos jornalistas e os que, comprando a sua liberdade, acabam por denunciar os sórdidos casos de corrupção em que estão envolvidos todos estes líderes e os seus assessores, bem como a cáfila de poder jurídico sem vergonha, que muda leis durante a noite para legitimar actos de pura ilegalidade.
Como Marcia salienta, não é importante frisar a saída (ou não) de Temer, nem a possível entrada de qualquer outro destes políticos altamente corruptos que se perfilam para ocupar o seu cargo, mas notar o que, além da perda da dignidade dos cargos políticos brasileiros, se vem acentuando e tornando uma máquina impiedosa que retira, cada vez mais, os direitos aos trabalhadores, a protecção de quem contribui, com o pagamento dos seus impostos, para ter acesso à melhoria das condições de vida, como o programa político, económico e social em que haviam apostado Lula e Dilma: uma evidente melhoria da educação e da preparação dos quadros brasileiros, pela criação de universidades e reforço da qualidade das que já existiam, pela melhoria das condições de saúde e de acesso a bens essenciais, pelo reforço de uma classe média com cultura e educação que lutasse contra a tão desejada ignorância das massas, que se adequa e serve o credo do neoliberalismo.
A ascensão de Lula ao poder significaria precisamente a aniquilação de todos os «progressos» que as elites brasileiras implantaram neste último ano, devastando educação, cultura, direitos, perpetuando assim a sobrevivência do neoliberalismo e do seu ideário. Por isso, para roubar a Marcia Tiburi o seu título, Lula foi sentenciado a prisão e ele é o mais perigoso dos líderes que as elites de direita têm, neste momento, pela frente. E, se for preciso, matam, não só o homem, como o sonho da democracia, para criar hordas de escravos ao serviço do grande capital.

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