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Uma invisibilidade invisível que a ONU quer combater com a
proclamação da década dos afrodescendentes, 2015/24; um apartheid
informal que cada vez mais negros portugueses denunciam e tentam
"furar". Vai ser agora, com a terceira geração, dizem
"Tive
uma professora negra na escola primária." A frase de João é recebida
com espanto. "Sério?";"Nunca tive";"Que sorte". Estamos na sala da
associação de estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, onde decorre o período de debate após uma
conferência da socióloga Cristina Roldão, intitulada "Perpetuação do
Colonialismo: Afrodescendentes e o Acesso ao Ensino". A investigadora do
ISCTE, ela própria afrodescendente, veio falar do que denomina de
"racismo institucional" e cujas consequências no percurso dos alunos
negros estudou com o colega Pedro Abrantes num trabalho pioneiro,
apresentado há um ano. E no qual se conclui que a escola portuguesa
discrimina os estudantes negros, mais vezes chumbados e encaminhados
para cursos profissionais do que os colegas brancos, mesmo quando a
origem socioeconómica é a mesma.
Esta primeira tentativa
científica de explicar a rarefação de portugueses negros nas
universidades terá surgido como resultado do trabalho de campo que é a
história de vida da socióloga, nascida em 1980 no bairro social de
Faceiras, em Tires. "Havia muitos negros na minha escola mas fui
progredindo e foram desaparecendo. Da minha geração, daquele bairro,
mais ninguém chegou à faculdade. Ficaram todos pelo 5.º, 6.º ano. E não
era porque não fossem inteligentes." Uma pausa breve sublinha a
amargura. "As baixas expectativas são recebidas da sociedade. Desde o
infantário sabia que havia racismo, porque as educadoras me tratavam de
forma diferente. Tenho quase 40 anos e não vejo isso mudar. Afinal,
Portugal deixou de ser uma potência colonial ontem. Não conseguimos
apagar isso de um momento para o outro. Mas é preciso olhar para o
problema e enfrentá-lo."
"Há quanto tempo estás cá?"
Na
assistência, entre 16 pessoas, seis são negras, todas universitárias:
foram elas que se manifestaram face ao que João, 18 anos, aluno da
licenciatura de Línguas, Literaturas e Culturas e também negro, disse.
Afinal, a conferencista acabara de frisar que é preciso formar os
docentes para não excluírem. E João prossegue: "Essa professora, que era
a única negra na minha escola, teve um papel muito importante na minha
vida. Dizia-me que havia muitos negros em África que não tinham as
mesmas oportunidades que eu. Que tinha de aproveitar."
João,
de apelido Mendes, é do Seixal. A mãe e o pai nasceram na Guiné. Vive
com a mãe, ajudante de cozinha, e com a irmã, um ano mais velha. O pai,
que era ajudante de pedreiro e tirou um curso de Direito depois de
adulto, regressou ao país de origem. "Acho que aquela professora foi tão
importante por constituir um incentivo constante", explica ao DN.
"Havia um elo, uma ligação. Não vou dizer que os alunos negros devem ser
ensinados por professores negros, isso seria um disparate. Mas não
posso negar que entre os muitos professores não negros que tive vi
alguns exibir um viés. E fui avançando na escola e, como a Cristina,
vendo cada vez menos negros à minha volta. Podemos achar, claro, que é
por conformismo, desistência, falta de esforço. Mas muitos dos que nem
sequer tentam foram atingidos pelo racismo institucional. Porque não é
uma questão de chegar ao 10.º ano e desistir - a vontade foi cortada
antes. A falta de ambição, a ausência de amor-próprio, são construídas.
Numa fase de construção de carácter, a criança sente que não acreditam
nela, que não se puxa por ela. Convence-se de que não merece.
Interioriza uma imagem que não é boa."
A imagem de não
pertencer, de não conseguir, de ter tudo contra si, sem referências
positivas, sem modelos que permitam acreditar que ser negro não é uma
condenação a trabalhar nas obras ou limpar casas ou - se se tiver sorte
na lotaria genética e no talento - a jogar futebol, fazer atletismo, ser
músico de hip-hop ou kizomba. Para não falar do estigma da
delinquência. Daí que uma professora negra, ou outra figura de
referência que permita alargar e concretizar o horizonte de ambição,
possa fazer tanta diferença.
Não terá sido o caso com Sofia Iala
Rodrigues, 23 anos, estudante de mestrado de Antropologia e Culturas
Visuais, outra das negras que veio ouvir a conferência. Filha de dois
angolanos - ela contabilista, ele reformado de um cargo administrativo
na Tudor - é a primeira pessoa da família com curso superior e atribui o
feito, em grande parte, aos pais. "Fiz o ensino básico na Damaia, numa
escola complicada. Depois mudámo-nos para o Barreiro. Quando entrei no
sexto ano só havia outra rapariga negra na turma. Mas os meus pais
tinham um controlo muito grande sobre o meu percurso, puxavam muito por
mim e tinham muita atenção a pequenas agressões que foram acontecendo. E
acho que acabei por ter sorte com os professores." Aliás, o episódio de
racismo mais explícito que refere associado à escola é vindo dos
colegas, tendo-a a si e uma professora como alvo. "Ela era mestiça e
acho que sofreu um bocado. Quando estávamos a dar a origem da humanidade
e havia as imagens dos antepassados do homem eles diziam que éramos
nós, que éramos parecidas com os macacos." A professora, conta Sofia,
não reagia. "Creio que não sabia como reagir. Eu também não." Suspira.
"Foi crescendo em mim a noção de que nasci cá e me considero portuguesa
mas as outras pessoas - as pessoas brancas - não me veem como fazendo
parte do país."
Em criança, ouviu muitas vezes o clássico
"preta vai para a tua terra". E recentemente, conta, num projeto de
voluntariado com crianças "elas perguntaram: "Há quanto tempo estás cá?"
E: "Falas tão bem português". Desde tão pequenos têm esta atitude.
Ainda temos de progredir muito em Portugal. Mas espero que esta
iniciativa da ONU, da década dos afrodescendentes, seja o princípio de
uma nova era."
"Um negro nunca será português"
Será?
João só soube da proclamação da década, iniciada em janeiro de 2015, há
seis meses. "A maioria das pessoas não sabe. Louvo a iniciativa, claro,
mas acho que está ainda um pouco verde." Na verdade, a nível
institucional e mediático nada se passa; foi na movimentação cívica que
as coisas mexeram. Criaram-se novas associações, entre as quais a Djass,
Associação dos Afrodescendentes, e uma plataforma que reúne todas, a
qual em dezembro enviou uma carta aberta à ONU, protestando contra o
racismo institucional do Estado português. E, a partir de um discurso
pouco rigoroso e desculpabilizador do PR sobre a escravatura, no antigo
entreposto negreiro de Gorée (Senegal), iniciou-se nos jornais um debate
sobre o colonialismo português e o que dele subsiste na sociedade
portuguesa.
Mas, ironia, a maioria dos protagonistas - quase
todos académicos - do debate que decorre nos jornais são brancos. De
novo a invisibilidade: o que explica que, 42 anos após a descolonização,
continue a viver-se em Portugal nesta espécie de apartheid informal e
haja tão pouca discussão, protesto e reivindicação em relação a isso?
Como se explica que o Estado possa dar-se ao luxo de, num relatório
sobre discriminação enviado à ONU (ver texto nestas páginas) no primeiro
ano da década dos afrodescendentes, elencar uma série de políticas
dirigidas a imigrantes e ciganos e, quanto aos negros, declarar que
estes beneficiam de uma "abordagem holística", ou seja, não existem
políticas específicas para eles?
João reflete. "Na minha
opinião a razão pela qual estamos tão atrasados em meter mais o pé e
defendermos os nossos direitos é a forma como o nosso país encara a
situação. Faz-nos viver numa realidade dúbia, em que parece que não
existe o problema enquanto sofremos as consequências. Tendemos a vê-lo
como individual em vez de estrutural." Mas, crê, isso vai mudar. "Só
agora é que estamos a ter este pico de negros filhos de pessoas que já
nasceram cá, e que estão a sentir em pleno o conflito do que é ser
português e negro. Porque quando éramos miúdos sentíamo-nos portugueses,
mas à medida que crescemos vemos que não é assim tão simples. Estamos a
apalpar terreno."
Não, não é simples. Qual é a imagem que o negro
tem de si próprio numa sociedade maioritariamente não negra, pergunta
Carmelino Cassessa, 32 anos, outro dos presentes na conferência de
Cristina Roldão. E conta, à guisa de ilustração, uma história passada
numa turma de que fazia parte. "A professora perguntou: se um negro se
naturalizar português será português? Ficou tudo calado. E de repente
houve uma corajosa, branca, que disse "Não, nunca será português." A
brutalidade caricatural da sentença faz soar risos na sala. "Ao menos
teve a coragem de dizer o que a maioria pensa", conclui Carmelino.
A
coragem do racismo: Carlos Pereira, que se assume como "o único
humorista negro português", também fala dela. "Acho que os portugueses
são racistas mas é um racismo mais subtil que o de há uns anos atrás.
Faço piadas com o racismo e a audiência ri, nem que seja para disfarçar o
desconforto. Mas já me sucedeu estar uma família toda a rir e o pai
muito sisudo. Fui perguntar-lhe o que se passava e ele respondeu: "É que
não acho piada a pretos." Foi estranho, não estava à espera de ouvir
aquilo. Mas gabo-lhe a coragem de dizê-lo à frente de tanta gente."
Coragem
ou ódio? Carlos hesita. "Há uma coisa um bocado ingrata. Vivo cá há dez
anos [nasceu em São Tomé, onde ficou com os avós até aos 15, quando
veio viver com a mãe, médica] e sinto muito pouco racismo. Se calhar
porque sou bonito, simpático. As pessoas dizem-me muito "tu não pareces
preto". Porque há um conjunto de atributos que são atribuídos aos
brancos. Chegam a tecer comentários racistas sobre outros negros comigo
ao lado. Já os negros dizem que gosto de fado como os brancos, que não
sei dançar kizomba, que como pão à refeição, tudo "coisas de branco". Os
estereótipos acabam por existir dos dois lados. Porque há uma separação
tão grande que é como se houvesse duas sociedades completamente
distintas. Como se os negros dissessem: "Não nos querem com eles, vamos
fazer a nossa cena.""
"É como se houvesse duas
sociedades completamente separadas. Como se os negros dissessem: não nos
querem com eles, vamos fazer a nossa cena"
A
começar pelos lugares de convívio. Carlos, que está no último ano da
licenciatura de Ciência Política no ISCTE, é também barman no Rive
Rouge, no lisboeta Mercado da Ribeira. "Praticamente não vejo lá negros.
E os que frequentam esses sítios são os que não são considerados
negros." Como ele - mesmo se acaba por, em contradição com o que afirmou
antes, contar episódios de racismo de que foi alvo: os pais de uma
namorada branca que diziam à filha "não andes com ele porque em África
têm sida"; a vez que, criança, estava com o avô num supermercado, pegou
num pacote de gomas e voltou a pô-lo na prateleira, e ouviu uma mãe
branca dizer à filha, que pegou no mesmo pacote: "Larga isso, o preto
mexeu."
Crê aliás que uma das coisas que pode explicar a sua
resiliência, o facto de se ter proposto ser o primeiro negro no stand up
e de não desistir, é não ter vivido sempre cá. "A minha mãe diz que se
eu tivesse crescido aqui já me teria perdido, seria um marginal." E diz
mais: "Ias mesmo ser tu a conseguir. Está mais que visto que o humor em
Portugal não é para pretos." Carlos tem riso na voz. "Estou numa espécie
de missão. Como sou o único, gosto de deixar claro que estou a abrir
caminho. Tem funcionado também por isso. Mas há muitos africanos que não
aprovam, é como se fosse um desertor. Como se certas coisas não fossem
para nós, não nos pertencessem. Já houve tanta coisa vetada no panorama
nacional que às tantas o pessoal desiste, autoboicota-se. Há um
preconceito enorme dos negros em relação a si próprios. E acho que se
fôssemos mais unidos podíamos conseguir mais coisas."
"Assumir o meu lugar de fala"
Pode
ser, acha Beatriz Gomes Dias, presidente da Djass-Associação de
Afrodescendentes, que, finalmente, a união esteja a acontecer e a
questão a ficar exposta. "Fui na semana passada a uma escola secundária
no Vale da Amoreira na qual a maioria dos alunos é negra. E levei um
exercício sobre racismo que se faz no Brasil. Mostramos fotos de brancos
e negros com indumentárias diferentes e perguntamos o que os miúdos
acham que fazem aquelas pessoas. Nos resultados do Brasil, um negro de
fato é segurança, por exemplo, enquanto um branco de fato é advogado.
Naquela escola os miúdos não estabeleciam distinção, o que é muito bom.
Mas depois em conversa diziam "os portugueses isto, os portugueses
aquilo", e não se incluíam nesse coletivo. Como se não fossem
portugueses, apesar de, quando lhes perguntei se se sentiam portugueses,
me terem dito que sim."
O sentimento de não pertença em
miúdos tão novos, a assustadora oposição entre a resposta racional e a
emocional são terríveis, mas correspondem a uma capacidade de dizer que é
também um empoderamento. "Os brasileiros chamam a isto "assumir o meu
lugar de fala". Há uma discussão nova, uma consciencialização nova. A
discussão sobre o que é ser negro e ser português não tinha ainda
acontecido. Eu própria, há 20 anos, quando enquanto estudante
universitária me inscrevi no SOS Racismo, não estava a pensar nisso de
forma estruturada. A reivindicação do que é ser negro como categoria
política surge-me nos últimos anos e está muito ligada à formação da
associação. O centro da nossa ação é a reivindicação de que somos
portugueses e negros. Que existimos, que queremos ser reconhecidos."
"Ocupar o meu lugar de fala"
Professora
de Biologia no secundário, no agrupamento de escolas Filipa de
Lencastre, em Lisboa, Beatriz, 46 anos, é a única docente negra da sua
escola. Alunos negros tem poucos; o ano passado três, este ano só uma.
"É um agrupamento do centro, associado à classe média, e há uma
segregação territorial e social muito marcada entre negros e brancos."
Em todo o caso, nota alguns progressos em relação ao seu tempo de
estudante: "Os alunos negros parecem-me mais bem integrados. Esta que
tenho este ano, apesar de ser única na turma, participa bastante, não se
inibe, defende muito bem os pontos de vista dela." Ao contrário de
Beatriz nessa altura da vida. "Olhando para trás vejo uma rapariga muito
tímida. Queria passar despercebida, misturar-me, não chamar a atenção
para o ser negra. Talvez porque estava sempre em minoria: vivia no
centro da cidade, porque o meu pai, médico, quis escolher um contexto em
que nos habituássemos ao discurso da maioria. Esteve ligado aos
movimentos de libertação na Guiné e tinha uma reflexão sobre o
colonialismo, uma forma combativa de olhar para a sociedade portuguesa
que passou para mim e para os meus irmãos. Só a recuperei depois de
adulta."
Ainda assim, vê uma diferença fundamental entre ela e
os pais: "Era-lhes reconhecida nacionalidade portuguesa por terem
nascido numa colónia e vindo para Portugal antes do 25 de Abril. Mas na
verdade não se sentem portugueses; o meu pai, por exemplo, quer passar o
fim da vida na Guiné. Já a minha geração sente-se identitariamente
portuguesa, e a seguinte ainda mais. Daí que ocuparem o seu "lugar de
fala" seja cada vez mais natural, que surja uma série de associações e
de reivindicações. Porque mesmo os negros da minha idade, que como eu
acreditaram numa sociedade pós-racial, percebem que continuamos a ser
alvo das mesmas observações que ouvíamos em crianças. Nada mudou, ou
mudou muito pouco."
"Acreditei numa sociedade
pós-racial, mas continuo a ser alvo das observações que ouvia em
criança. Nada mudou, ou mudou muito pouco"
E o
que mudou pode ser usado para "provar" que tudo mudou. "Por ser
professora, classe média, faço parte dos negros usados como exemplo de
que não há racismo em Portugal, que estamos bem integrados e que se não
há mais em lugares de visibilidade é por falta de mérito." A ministra
Francisca van Dunem, desde novembro de 2015 na pasta da Justiça e a
primeira governante negra da história do país, é outro caso. "Um colega
perguntou-me, quando ela foi nomeada: "Então, ainda achas que há racismo
cá?""
Num país que em 2006 assumiu as quotas de género nas
listas eleitorais, o argumento soa a requentado: usou-se em relação às
mulheres. A discriminação das mulheres é mais grave do que a dos negros?
A diferença estará na dificuldade de avaliar a taxa de representação
dos negros: ninguém sabe quantos são porque o Estado recusa contabilizar
cidadãos por características étnicas.
"Há uma política de negros"
Claro
que esta contabilização levanta várias questões paradoxais - desde
logo, a do regresso da noção de "raça", da "diferença" em função da cor.
Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo, sorri. "Como diz Catherine
Samary, "a raça não existe mas mata". Um dos problemas no debate sobre
racismo é a dificuldade de nomear. Mas a denominação tem que ver com a
contingência cultural de situar uma pessoa no seio de uma sociedade em
que é minoritária."
Ba, de 43 anos, nascido no Senegal e em
Portugal desde 1997, sabe do que fala. Veio com uma bolsa de mestrado do
Instituto Camões mas trabalhou nas obras para se sustentar. O melhor
amigo, também senegalês e também aluno de mestrado, morreu nas obras do
Teatro Aberto. "Costumo dizer aos meus amigos que me acusam de ser
obcecado com a questão do racismo que não tenho alternativa", comenta
este assessor parlamentar do BE, que considera "essencial afirmar a
categoria do afrodescendente e separá-la da de imigrante [mesmo se ele
próprio acumula as duas]. A palavra tem de entrar no léxico." Trata-se,
explica, de a estabelecer como categoria operativa, política, à imagem
do que sucedeu com a categoria LGBT; de assumir no discurso a separação
para lutar pela igualdade. Uma luta da qual considera que os partidos,
incluindo os de esquerda, têm estado ausentes. "Nos programas
eleitorais, a igualdade remete para género e orientação sexual. Há uma
lacuna programática. A esquerda tem falhado estrondosamente nisto. E
tirando o CDS, que tem há anos um deputado negro [Hélder Amaral], nenhum
partido coloca negros em lugar elegível. Os partidos de esquerda querem
continuar a ser os procuradores políticos dos negros, mas não os
colocam em situação de poderem fazê-lo por si. Nunca vamos conseguir
responder à desigualdade que afeta os portugueses negros enquanto não
houver representação."
Negros a fazer política de negros, para
os negros: algo que nunca aconteceu no país. "É preciso perceber-se que
humanamente somos pessoas, mas politicamente somos negros. Existe uma
política de negros, e não fomos nós que a criámos." Quem fala é Rui
Estrela, 38 anos, nascido em Portugal de pais nascidos em Portugal - os
avós vieram em 1968 de Cabo Verde -, representante mais velho da
terceira geração que, crê, tem as condições para mudar as coisas. "A
geração nova é que pode reclamar-se de cidadania plena, Só esta esta
geração é que pode virar-se para o país e dizer "então?". É este o
espaço onde eles querem ter tudo aquilo a que têm direito. E começam a
ter consciência de que é preciso fazer esse combate crítico." Membro da
Plataforma Gueto, Rui está a trabalhar numa tese de mestrado, no ISCTE,
que passa "pela entreajuda como forma de emancipação". E tem uma
certeza: "Não é só a discutir dentro da academia que isto se resolve. Há
muita coisa para fazer. O colonialismo perdura, a descolonização está
por fazer aqui, ainda. É preciso descolonizar Portugal. Como? Não
sabemos exatamente, mas parados não vamos ficar."
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