Nascida numa família de tradição maçónica, não gosta da "maçonaria de interesses", o que já lhe rendeu várias polémicas. Amiga de Pedro Passos Coelho, assume-se uma "outsider" no PSD. O avô e o pai são figuras marcantes na vida desta deputada.
LEIA TAMBÉMAntes do 25 de Abril chegar, numa casa de férias na Costa da Caparica, logo pela manhã, o avô materno juntava os netos e perguntava: “Meninos, estão revolucionários?”. “Estamos sim”, respondiam. O avô completava a lição: “Têm de acordar revolucionários e dormir de consciência tranquila”. Entre estas crianças estava Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD e agora candidata à Câmara Municipal de Lisboa. Cresceu a ouvir o avô, Alberto Ferreira de Andrade, a explicar o que era a ideia de um Estado de direito democrático. Aprendeu com o pai a respeitar os valores da auto-determinação dos povos. Não esqueceu a educação que apelida de “liberdade e de responsabilidade” mas também de “disciplina”.
Nessa época, Bissau era alvo de bombardeamentos, o que acabou por determinar o regresso dos filhos de militares a Portugal. Em jeito de lição, o pai trazia para casa material do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde). “Dizia-me que os meninos da minha idade gostavam daquela bandeira, que era preciso respeitá-la e gostar da portuguesa”, recorda ao P2 a deputada. A lição parece ter ficado bem marcada: “Tinha tanta informação sobre a causa que, quando Amílcar Cabral [fundador do PAIGC] morreu, chorei baba e ranho como se fosse um familiar próximo”.Com uma irmã um ano e meio mais velha, Teresa de Andrade Leal Coelho nasceu há 56 anos em Moçambique, onde o pai, César Leal Coelho, estava destacado como oficial da Marinha Portuguesa. Aos cinco anos regressou com a família a Lisboa, mas por causa do serviço do pai voltaria a uma ex-colónia, Guiné-Bissau, onde fez o quarto ano de escolaridade. Nessa sala de aula estava a sua melhor amiga da altura: Paula Saraiva de Carvalho, a filha de Otelo, também ele colocado naquela cidade.
Do lado paterno, a família era católica, o pai seguiu as pisadas do avô, que também foi militar, na Marinha Portuguesa. Esse ramo familiar tem origem, em parte, em Montalegre, onde o bisavô foi médico.
Por contraste, a família da mãe era “ateia e revolucionária”, nas palavras da deputada. Um dos melhores amigos do bisavô materno era António José de Almeida, que foi Presidente da República (1919-1923). O avô cresceu, por isso, nesse ambiente republicano. Esteve exilado várias vezes antes do 25 de Abril. Foi aliás, numa das casas pertencentes a esses familiares, na Costa da Caparica, que se realizou a primeira reunião preparatória da revolução que fez cair o antigo regime. E é daí que vem a tradição familiar maçónica que Teresa Leal Coelho sempre assumiu ter, apesar de ser acusada pelos próprios maçons de os perseguir. “O que eu não suporto é uma maçonaria de interesses. É disruptivo da democracia”. O seu avô pertencia ao Grande Oriente Lusitano e, no seu funeral, os membros da loja compareceram em peso, incluindo políticos que hoje estão no activo e cuja identidade a deputada não quis expor.
O primeiro caso explosivo relacionado com a maçonaria tornou-se mediático em 2012, quando a deputada, enquanto relatora de um documento sobre diligências parlamentares em torno de irregularidades nas secretas, escreveu sobre ligações entre “ramos da maçonaria” e as chefias dos serviços secretos entre os quais o ex-director do SIED, Jorge Silva Carvalho. Defendeu existirem nas secretas "conluios de poder" e sob a "influência de ramos da Maçonaria", caracterizados como "grupos de pressão pretensamente instalados na sociedade portuguesa". Depois de o teor do relatório ter sido noticiado pelo PÚBLICO, as referências seriam retiradas pela autora no documento final, alegando que se tratava de uma versão preliminar. Por esses dias, o Expresso revelou que o líder da bancada do PSD, Luís Montenegro, fazia parte da loja Mozart, a mesma de Jorge Silva Carvalho. O jornal relacionava essa ligação de Montenegro à loja com o facto de o deputado ser membro (suplente) da comissão parlamentar que investigou as irregularidades nas secretas, a mesma para a qual Teresa Leal Coelho redigiu o relatório.
Dois anos mais tarde, a deputada viria a protagonizar outra polémica relacionada com o mesmo tema ao defender a obrigação de as chefias das secretas declararem as suas ligações à maçonaria e esse registo ser acessível aos deputados. Chegou a ser ameaçada de morte no Facebook. A forma como lutou por uma maior transparência dos titulares de cargos públicos e políticos é elogiada pelos mais próximos, mas há quem no partido condene o “exagero” com que levou por diante a causa.
A ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, de quem se tornou amiga no liceu, assume que este combate por maior transparência nas relações com a maçonaria “não é nada fácil, sabendo naquilo em que a maçonaria se tornou”. Como Teixeira da Cruz reconhece, as “afinidades” entre as duas são muitas. E uma delas é a criminalização do enriquecimento ilícito, uma batalha pela qual Teresa Leal Coelho deu a cara nos últimos anos, mas que esbarrou no Tribunal Constitucional.
De repórter RTP a professora universitária
Quando regressou de Bissau para Lisboa, Teresa Leal Coelho foi morar para o bairro de Alvalade, onde a família tinha uma casa. Ficava próxima do apartamento dos pais de José Sá Fernandes, e dessa vizinhança nasceu uma amizade que se mantém até hoje. “É uma mulher corajosa e é uma boa candidata. Espero que fique na oposição [risos] mas se ficar é bom porque ela é construtiva”, diz o ex-bloquista e vereador (independente) em Lisboa.
Como filha de militar, Teresa Leal Coelho estudou no Instituto de Odivelas, saiu para fazer o secundário no liceu António Padre Vieira, e entrou em duas instituições do ensino superior - faculdade de Direito de Lisboa e Universidade Livre, mas é nesta última que acaba por concluir o curso de Direito. Completa o doutoramento na área de jurídico-políticas, com tese intercalar sobre “Efeito directo no direito da União Europeia” e tese final sobre “Responsabilidade de proteger”, na área do Direito Internacional Público. Enquanto estudou, os períodos de férias passava-os a trabalhar: em cafés, restaurantes, e empresas de publicidade. Tornou-se até repórter de televisão. Foi a primeira mulher na secção de desporto da RTP, no princípio dos anos 1980. O gosto pela área vinha da prática de voleibol, modalidade pela qual foi federada durante 17 anos.
No final dos anos 80, começou a dar aulas na Universidade Lusíada – onde ainda lecciona – e conheceu Vasco Rato, também docente na instituição e actualmente presidente da FLAD, e que a apresentou a Pedro Passos Coelho na altura em que este estava quase a ser eleito presidente da JSD e muito antes de ser aluno da universidade. Juntos – e com outros elementos como Paulo Teixeira Pinto e Luís Coimbra – viriam a fundar, em 2001, o movimento Pensar Portugal. Vasco Rato recorda como “paradigmática” do seu empenho por uma causa a visita que Teresa Leal Coelho fez a Xanana Gusmão na prisão em Jacarta em 1999 para atribuir o traje académico e o diploma Doutor Honoris Causa pela Universidade Lusíada. Levou-lhe também um boné do Benfica com que o então líder da resistência timorense apareceria na televisão. Tornou-se depois Observadora Internacional para o processo de Timor-Leste no quadro da ONU.
No seu currículo, embora menos conhecido, consta o trabalho que fez nos projectos do Instituto de Apoio à Criança (IAC). As suas pinturas (“pinto abstracto ou figurativo mas com pessoas”) tornaram-se imagens de cartões de Natal do instituto. Fez trabalho no terreno - “passei muitas meias-noites com crianças em instituições em bairros sociais” – mas também no plano jurídico, onde se bateu para que na adopção seja dada prevalência às ligações de afecto e não necessariamente às relações biológicas.
A presidente do IAC, Manuela Ramalho Eanes, que já se comprometeu com outra candidatura em Lisboa (ainda não anunciada oficialmente), recorda o trabalho feito na instituição e elogia a “competência, o dinamismo e o espírito solidário”.
Ainda antes de ganhar protagonismo no PSD, Teresa Leal Coelho passou pelo Centro Cultural de Belém como directora comercial, e pela SAD do Benfica como responsável pelo departamento jurídico na época de Vale e Azevedo. Em ambos os casos, o desfecho da colaboração não correu bem e acabou em tribunal por motivos diferentes. No caso do CCB, a então directora comercial foi alvo de um processo disciplinar e despedida com justa causa. Foi acusada de favorecer pessoas amigas. Perdeu em tribunal por duas vezes e não recorreu. Já no Benfica, o clube alegou que a assinatura de uma letra por Leal Coelho para a compra de um jogador na direcção de Vale e Azevedo tinha sido falsificada. O processo foi arquivado.
No partido, e na ascensão de Passos Coelho à liderança do PSD, a social-democrata (que se filiou há pouco mais de 10 anos) esteve sempre ao lado do amigo ‘Pedro’ - como os mais próximos lhe chamam e com quem mantém uma ligação de amizade. Foi eleita deputada em 2011 e passou logo a integrar a direcção da bancada social-democrata. Tornou-se vice-presidente do partido no congresso de 2012.
Corajosa ou simplesmente romântica?
A sua demissão da direcção da bancada aconteceu depois de se mostrar contra uma proposta de referendo nacional sobre a adopção por casais gay e a disciplina de voto (a favor) que seria adoptada pela bancada. Cristóvão Norte era deputado do PSD há cerca de ano e meio, mal conhecia a dirigente, e assumiu uma posição delicada numa reunião do grupo parlamentar. “Defendi que a proposta era um expediente para prejudicar o processo legislativo da co-adopção. A sala ficou em silêncio e ela foi a única a bater palmas”, recorda o deputado. Foi nesse momento que os deputados assistiram ao confronto de opiniões com o líder da bancada, Luís Montenegro. No dia da votação, a deputada ausentou-se do plenário e não votou a proposta do PSD. Luís Montenegro assume que a demissão “não foi agradável para nenhum dos dois” mas que “eram as regras”.
Eleita vereadora em Lisboa em 2013 na lista liderada por Fernando Seara, Teresa Leal Coelho é criticada por faltar a muitas reuniões de câmara, mas alega que se fez sempre substituir e que as ausências se devem ao trabalho no Parlamento.
Ainda sem programa para Lisboa – só deverá ser apresentado nos próximos meses – a candidata já dá algumas linhas gerais: quer uma cidade para as pessoas, as que vivem, as que trabalham ou que simplesmente vêm de visita.
É casada com o embaixador de Portugal em Espanha, Francisco Ribeiro de Menezes, de quem tem um filho. Madrid tem sido, por isso, desde 2014, o destino de muitos fins-de-semana. O diplomata foi chefe de gabinete do então primeiro-ministro Passos Coelho e muito depois de ter sido um dos fundadores dos Sétima Legião.
Os mais próximos elogiam-lhe a “coragem”, a “determinação” e até uma forma “regeneradora” de fazer política. Outros apontam a Leal Coelho alguma inexperiência (ainda é um pouco “verde”) e até uma visão algo “romântica” da política. Houve ainda quem, no partido, se recusasse a falar ao P2 sobre a candidata do PSD a Lisboa. A própria justifica o motivo das antipatias que granjeou: “Sou uma outsider do aparelho, apesar de ser vice-presidente. Mas não tenho vergonha das minhas convicções”.
Sem comentários:
Enviar um comentário