sexta-feira, 28 de abril de 2017

Dívidas ocultas: "Mão interna" pode estar a atrasar auditoria em Moçambique


Humberto Zaqueu em entrevista à DW África. Economista do Grupo Moçambicano da Dívida defende que "autoridades públicas" podem estar a tentar adulterar resultado da auditoria, que esta quinta-feira foi adiada pela terceira vez.
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DW-Dívidas ocultas Mão interna pode estar a atrasar auditoria em Moçambique
Em Moçambique, a Procuradoria Geral da República anunciou esta quinta-feira (27.04) que a divulgação do relatório sobre as dívidas ocultas, que está a ser elaborado pela empresa Kroll, só será conhecida a 12 de maio, e não no final deste mês de abril como era previsto.
Esta é a terceira vez que a divulgação da auditoria é adiada. Para o economista do Grupo Moçambicano da Dívida, Humberto Zaqueu, o adiamento da apresentação do relatório da auditoria pode representar um "trabalho interno", feito por atores políticos, para adulterar os resultados.
"O que está a acontecer agora é que as autoridades públicas não aceitam que o relatório saia como está antes que se mudem algumas coisas. Pode ser este o ângulo de fricção", considera o economista.
Em entrevista à DW África, Zaqueu comentou a recente "legalização" das dívidas ocultas pela Assembleia da República, fato que poderá enfraquecer a imagem do país internacionalmente e a responsabilização dos possíveis autores dos empréstimos.
Confira a entrevista completa:
DW África: A PGR anunciou esta quinta-feira que a divulgação do relatório da auditoria às dívidas ocultas foi adiada para o dia 12 de maio, e não acontece no final deste mês como estava previsto. Há motivos para desconfiar da credibilidade da auditoria ou da empresa Kroll?
Humberto Zaqueu (HZ): Não nos apanha totalmente de surpresa este adiamento, porque já era previsível. Já tivemos outros adiamentos anteriores, e este é o terceiro. Então, tudo era de esperar, de fato. E se calhar, ainda vinha mais um quarto adiamento. Se nos disserem que fica para o final do ano, não nos surpreende. E uma das perguntas que já fazíamos ao FMI [Fundo Monetário Internacional] é como ia evitar situações como essa. Para nós, isto tem uma única explicação. Não se desconfia dos resultados da auditoria da Kroll, pelo contrário, nós achamos que pelo perfil que a empresa apresenta e pelo trabalho que tem vindo a fazer, é uma empresa de fato muito bem escolhida, que nos assegura que vai trazer resultados credíveis. O que aqui pode estar em jogo é o próprio trabalho interno, a "mão interna" que pode estar a tentar mexer nos resultados da auditoria. Eu quero acreditar que os resultados já existem. Então, o que está a acontecer agora é que as autoridades públicas não aceitam que o relatório saia como está antes que se mudem algumas coisas. Pode ser este o ângulo de fricção.
DW África: A legalização da dívida enfraquece a posição de Moçambique junto aos credores?
HZ: Definitivamente, enfraquece! Enfraquece, porque está mais do que claro a cada dia que passa. Nós como grupo continuamos dizendo: aconteça o que for acontecer com as dívidas, ao nível internacional já há um trabalho muito bem feito, uma investigação ao nível internacional, junto daqueles bancos que fizeram os empréstimos ocultos ao Governo. Então, a partir da informação ao nível internacional, já temos um posicionamento e, se calhar, detalhes mais claros do que se pode esperar desta auditoria, porque nós já esperávamos esses constrangimentos todos em relação a esta auditoria. Ao nível internacional, o que nós temos de informação é que, definitivamente, os bancos estão condenados; os seus credores, na sua maioria são fundos americanos, que dão dinheiro ao, por exemplo, Credit Suisse [um dos bancos que fizeram os empréstimos ocultos às empresas públicas], também estão bastante descontentes e até equacionam a possibilidade de processarem o Credit Suisse, porque ele próprio não foi franco na apresentação daquilo que é um estudo de base antes de conceder as dívidas. Neste caso está muito claro que Moçambique não deve aceitar as dívidas ocultas. E quando as legalizamos, é apenas uma vergonha. Isto pode, de fato, cada vez mais fragilizar a confiança do país. Não assumimos as dívidas, ninguém tem que pagar. Se alguém tem que perder, são os bancos. E dentro do país alguém tem que ser responsabilizado.
DW África: Esta legalização prejudica uma possível responsabilização jurídica de autores das dívidas?
HZ: Claramente. Por isso as legalizamos. Precisamente, estou a dizer que alguma coisa correu mal, mas estamos a arrumar a casa, como uma auditoria normal, que diz que não é para penalizar ninguém, mas que é para ajudarmos a organizar as pastas e os dossiês. Praticamente, parece que as coisas estão a andar nesta perspetiva. Nós temos de saber que esta auditoria que está sendo feita, é uma auditoria de outra natureza. Não é uma auditoria a uma empresa, é uma auditoria a uma nação. E, sobretudo, por que se pediu a auditoria? Porque precisamos de matéria para poder responsabilizar alguém. Há um objetivo de fundo que tem de ser respeitado. E quando começamos a legalizar antes do anúncio das decisões da auditoria, significa que estamos a fragilizar, efetivamente, a componente de uma possível responsabilização dos autores, uma responsabilização moral e, se calhar, material, destas dívidas, e protege até os culpados.
DW Áfirca: A Kroll pediu para aceder às contas do ex-presidente, Armando Guebuza... Ou seja, aperta o cerco da auditoria e legalizam-se agora as dívidas. Será coincidência?
HZ: Talvez seja uma coincidência. Quanto a isto, não temos muita coisa a dizer. Até porque nós sabemos que, em relação a questões de contas pessoas, isto há muita privacidade, e também não encontramos aqui instrumentos legais que possam nos ajudar a criar um posicionamento em relação a isto. Seja como for, eles são os auditores, sabem qual é o tipo de informação que precisam. E para nós talvez seja uma mera coincidência. Não conseguimos constituir uma opinião contra ou a favor em relação ao acesso ou não às contas pessoais. Mas a transgressão do quadro legal tem que ser responsabilizado. Sabemos como que as pessoas, de fato, transgrediram; o que devia ser feito e não foi feito, e quem estava à frente dos processos, e sabemos. Então, a partir disto está claro que há o que responsabilizar e a quem responsabilizar. Isto está muito claro.
DW – 27.04.2017

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