Editorial
Nas mãos dos “chapeiros”
No princípio desta semana, voltamos a assistir a grandes enchentes nas paragens de transporte colectivo de passageiros, devido à paralisação por algumas horas dos semi-colectivos de passageiros, que exigem que o Governo incremente o custo de passagem dos actuais nove para 20 meticais. Alegam que o combustível subiu e afecta grandemente as suas operações.
Não queremos discutir a justeza ou não da reivindicação dos “chapeiros”, mas colocar o dedo na ferida sobre a forma como tais reivindicações têm vindo a ser feitas. O utente acorda de madrugada, prepara-se para ir trabalhar ou ir à escola, quando chega à paragem não há transporte para levá-lo ao destino. Isto é feito desta forma de chantagem ao Estado, porque os “chapeiros” sabem que este não tem condições de transportar toda a gente nos transportes públicos e por isso o Estado precisa deles como parceiros. Mas afiguram-se como parceiros, amigos da onça, porque volta e meia espetam umas agulhadas ao próprio Estado, porque eles se sentem como um grande império.
Aqui, entendemos por Estado a organização política de todos os moçambicanos em função de uma vivência verdadeiramente humana. Por outras palavras, uma faculdade para o desenvolvimento das pessoas, do Rovuma ao Maputo.
Mas neste caso, quer-nos parecer também que há, entre nós, uma falta enorme de autoridade por parte do Estado. Não existe autoridade quando ela não é exercida e também não existe quando se exerce ao destempo. Exercer a autoridade fora do tempo oportuno é cancro mortífero em Moçambique, causa de sofrimentos, atropelos, gastos inúteis e zangas sem solução.
Um dos deveres do Estado consiste na criação de condições (leia-se, no caso, transportes públicos) a fim de que os cidadãos possam exercer-se no dia-a-dia das suas vidas. Se o Estado faltar a este dever primário e elementar, a sua estrutura jurídica de Estado de Direito e de justiça social, consagrada com a devida ênfase na Constituição da República, fica seriamente comprometida e o combate, em boa hora entusiasticamente lançado contra todas as formas de miséria, sofrerá um rude golpe.
Oque se vem assistindo com os “chapeiros” nos últimos tempos merece de facto uma reflexão, mais geral sobre o sector. Eles param quando querem e como querem, deixando milhares de utentes à sua sorte, prejudicando sobremaneira os seus projectos de vida e da vida das instituições a que estão ligados. Não há um compromisso com o utente que precisa de ser prevenido sobre as alterações do curso normal das actividades, para ele se organizar melhor. Não há o mínimo respeito sobre quem lhes dá o pão, porque se houvesse alternativas, muitos já não andariam de “chapa”.
Os “chapeiros” surgiram, de um momento para o outro, com uma força descomunal na cena política interna. E surgiram com toda esta força por falta de uma política de transportes públicos, falha esta que vem sendo apanágio das autoridades. Estas há muito se demitiram da sua função para se colocar inteiramente à mercê dos privados, os quais podem, por falta de regras, se o quiserem e, quando quiserem, paralisar o país.
Em todos estes episódios, o Estado, enquanto organização para o desenvolvimento dos cidadãos moçambicanos, aparece extremamente fragilizado, a reboque dos “chapeiros”, reis e senhores.
Os “chapeiros” jogam com o povo que precisa dos transportes. Jogam com a perturbação social resultante das faltas ao trabalho, envolvendo trabalhadores e patrões. Jogam com os estudantes que têm de faltar às aulas. Jogam com a preocupação dos pais. Jogam com todos nós, atirando-nos contra o Executivo.
Esta semana, houve quem falasse em greve, mas de greve não se tratou. Tratou-se, isso sim, de um forte meio de pressão sobre o Executivo. Os “chapeiros” estão a adoptar esta metodologia sem rei, nem roque. Como donos e senhores da bola querem ditar as regras do jogo, perante um adversário descalço. Não dão tempo ao Governo de preparar alternativas.
Aatitude dos “chapeiros” esta semana é um aviso à navegação. O Executivo não se pode lançar-se inteiramente nos braços dos privados. Tem de pôr de pé uma estrutura forte de transportes públicos e tem de o fazer com urgência, sob pena de amanhã sofrer as consequências.
Já ensaiou a alternativa público-privada de disponibilizar autocarros ao sector cooperativo do Zimpeto, que nos parece uma boa medida. Só que tem de ser melhorada, não só com a sua expansão mas também com a prossecução de outras medidas, como por exemplo, a criação de um empreendimento público-privado para a reparação e manutenção de todos os autocarros, incluindo das transportadoras municipais.
Esta semana, os “chapeiros” já fizeram a experiência, e sabem, perfeitamente, que, nas actuais circunstâncias, o Governo está sem muitas alternativas. Não os vamos condenar. São uma classe livre e plenamente legítima. Exploram um segmento de mercado, onde, por falta de políticas públicas, são reis e senhores, permitindo, por enquanto, que o Executivo descanse à sombra da bananeira, porque alguém lhes resolveu um problema complexo, podendo também as empresas municipais de transportes, com poucos, velhos e escafiados meios, descansar nas estações de recolha.
Aliás, as empresas municipais de transporte de passageiros, se debatem com as suas próprias dificuldades e são impotentes para resolverem o crónico problema de transporte nas cidades de Maputo e Matola, que precisam de outras soluções, quase todas elas engavetadas.
Os “chapeiros” têm de melhorar a sua forma de dialogar com quem de direito para verem os seus problemas atendidos. Não é parar de um momento para o outro, descarregando a sua fúria sobre os utentes.
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