sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Presidente Nyusi exige solução rápida ao exército para conter terrorismo em Cabo Delgado, académico alerta que solução militar “não vai resolver nada”


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Escrito por Adérito Caldeira  em 25 Setembro 2019 (Actualizado em 27 Setembro 2019)
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Após mais um ataque mortífero na Província de Cabo Delgado o Presidente Filipe Nyusi exigiu às Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) uma solução rápida. Porém o professor João Feijó alertou que “é preciso repensar esta solução militar, ela não vai resolver nada” pois o terrorismo que dura há 2 anos no Norte do país estará relacionado com a pobreza generalizada, o aumento de expectativas sociais frustradas e movimentos de extremismo identitário tendo constatado ainda que “as zonas onde há mais ataques são as zonas onde há menos votos no partido Frelimo”.
Pelo menos 12 civis foram assassinados nesta segunda-feira (23) nos mais recentes ataques protagonizados por desconhecidos que continuam a semear o terror na Província de Cabo Delgado. Duas das vítimas, de acordo com o Centro de Integridade Pública, eram camponeses do sexo masculino, com idades entre 28 a 30 anos, que foram mortos e esquartejados na povoação de Limala, localidade de Mengueleua, no Distrito de Muidumbe.
Cerca das 18 horas do mesmo dia, no Posto Administrativo de Mbau, a 83 km da vila sede do Distrito de Mocímboa da Praia, outros dez civis foram assassinados, um grande número de residências foi incendiado incluindo a sede local do partido Frelimo.
Presume-se que estes dois ataques tenham sido obra dos grupos que aterrorizam o norte de Cabo Delgado desde Outubro de 2017 e que são apelidados pelos locais de “Al Shabaab”, por ser constituídos por jovens.
Na terça-feira (24), dirigindo-se aos oficiais generais das FADM, que o foram saudar por ocasião da passagem dos 55 anos do desencadeamento da Luta Armada de Libertação Nacional, o Chefe de Estado exigiu uma “resposta eficiente” face aos ataques, de modo a restaurar-se a paz, segurança e tranquilidade para a população das áreas afectadas.
“Já está a ficar tarde para cuidar deste assunto”, enfatizou Nyusi instando os líderes do exército a reverterem o actual cenário que leva a população a pensar que as Forças Armadas de Defesa de Moçambique não estão a fazer nada.
“Valorizem a história dos heróis do 25 de Setembro de 1974, criando condições para erradicar a violência que ameaça a população de Cabo Delgado e garantir a manutenção da paz em todo o território nacional”, apelou ainda o Comandante em Chefe de todas as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique.
Contudo João Feijó, Doutorando em Estudos Africanos e autor de investigação recente sobre a violência na Província de Cabo Delgado, disse recentemente que: “É preciso repensar esta solução militar, ela não vai resolver nada, pelo contrário as evidências demostram que as prisões são centros de formação de indivíduos extremistas e assim que são libertos ninguém sabe para onde é que eles vão e desconfia-se que se juntem aos movimentos insurgentes”.
“Evidências demonstram que Moçambique sempre foi um palco de intensas violências”
Orador na Conferência que o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) organizou recentemente em Maputo o académico sugeriu várias hipóteses para lidar com o terrorismo no Norte de Moçambique “mas acima de tudo mais pesquisa, ainda há muitas pontas soltas por explicar”, além disso “são precisas muitas políticas de inclusão económica, são precisos grandes investimentos inclusivos na zona Norte que apoiem os pequenos negócios e muita formação, Palma não tem sequer um centro de formação”.
Das pesquisas que tem realizado na Província de Cabo Delgado o professor Feijó considera a pobreza generalizada e histórica como uma das prováveis causas.“Se mapearmos alguns indicadores sociais como a taxa de analfabetismo constatamos que o Norte é uma zona muito marcada pelo analfabetismo, mesma coisa em relação a assistência de Saúde, acesso a energia em todo o Sul e Maputo contrastam fortemente com as zonas Centro e Norte do país, existem grandes assimetrias geográficas e que depois isso é interiorizado pelas populações locais como alvo de exclusão por parte de um grupo que tem acesso ao poder político e económico em prejuízo do meu grupo”.
Outra hipótese argumentada por João Feijó é que “Cabo Delgado é um palco de grande investimento económico desde 2009/2010 quase que todos dias havia descoberta de recursos naturais, toda a pompa com que foi anunciado este investimento da Anadarko isto é criado de expectativas junto das população, e as expectivas estão relacionadas com questões imediatas: emprego, rendimento e melhoria de vida”.
“A província e todo o país tem um longo história de violência, insistimos cada vez menos na ideia que moçambicano é uma pessoa pacífica, isto é um mito, não corresponde à verdade, as evidências demonstram que Moçambique sempre foi um palco de intensas violências: escravatura, trabalho forçado, massacres coloniais, a guerra de libertação, as retaliação, os aldeamentos colónias e as aldeias comunais, a guerra dos 16 anos, Cabo Delgado foi palco disto tudo e mais recentemente assistimos a violência pós eleitoral em Mocímboa da Praia e Montepuez, tivemos lichamentos em Muidumbe, mais a sul na costa da Província de Nampula temos cenários de muita violência em Nacala-Porto e em Angoche. Quando dizemos que o moçambicano é uma pessoas pacífica, normalmente por oposição ao sul-africano que bate a polícia, as evidências demonstram o contrário”, recordou o académico.
“As zonas onde há mais ataques são as zonas onde há menos votos no partido Frelimo”
Feijó, que é investigador do Observatório do Meio Rural, constatou na sua pesquisa que “grande parte da juventude de Cabo Delgado encontrou na exploração ilegal dos recursos naturais um modo de vida, era o único modo de vida alternativo a agricultura. A agricultura não é rentável, é normalmente associada a pobreza e é considerada uma actividade socialmente desprestigiante porque não permite obter rendimentos para melhorar a minha vida, ter acesso a consumo e distinção social”.
“A população entendia que durante o Governo de Guebuza o Presidente deixava andar, podíamos explorar à vontade marfim e pedras. Quando chega Nyusi nos deixa mais fazer negócios, a verdade é que o Estado procurou formalizar uma economia totalmente caótica, assistimos a Operação Tronco, assistimos à queima do marfim, a expulsão de todos aqueles jovens que viviam nas margens do garimpo, há uma ruptura drástica e simultânea num curto espaço de tempo das actividades de sobrevivência de dezenas de milhares de indivíduos, isto acontece até 2016 e em 2017 iniciam estes novos ataques. Na verdade eles já existiam, a violência em Cabo Delgado assume hoje uma nova forma mas não é uma novidade, talvez seja uma novidade nas práticas e na forma como se manifesta, alguns requintes que não existiam, como cortar membros que não existia”, assinalou o professor.
Mapa de ZitamarOutras hipóteses avançadas por João Feijó relacionam o terrorismo aos dramas e conflitos que surgem dos reassentamentos populacionais. “A frustração das expectativas foi evidente, cria-se esta ideia de nós naturais contra os vientes, os Norte versus os Sul, nacionais versus estrangeiros, as tensões entre mwanis e Macondes também se confunde com Renamo e Frelimo porque a população da costa vota num e a do planalto noutro partido”.
“Se nós sobrepusermos o mapa do voto eleitoral num mapa de onde os ataques tem sido registados vamos encontrar uma sobreposição, as zonas onde há mais ataques são as zonas onde há menos votos no partido Frelimo, normalmente o partido Frelimo perde nesta zonas onde tem havido ataques, nestas zonas há um grande historial de oposição, de protesto”, sugeriu o investigador que indicou também que “o Norte de Moçambique é uma entrada de droga, a chamada Rota do Sul que vem do Afeganistão, passa por toda costa oriental africana e acaba por ir até a África do Sul”.
“Depois temos uma juventude com características muito específicas, a pirâmide demográfica de Moçambique é muito jovem, se compararmos 2017 e 2027 nota-se que a população com idades compreendidas entre os 15 e os 30 anos vai aumentar, é uma população muito nevrálgica. A população entre os 15 e os 29 anos, que está a entrar na vida activa, ainda não tem experiência profissional, não tem contactos, não capital para investir é aquela população que é globalmente a mais vulnerável ao desemprego e a problemas de integração social, é a população que é categorizada no waithood, a idade de espera, ainda não são adultos economicamente. Adulto economicamente é ter um emprego, um rendimento, é ter capacidade de consumo e poder ter um terreno, construir casa, ter família, ter as suas condições de reprodução social”, notou o professor universitário.
Terrorismo “começou a ser varrido da Somália para o Quénia, do Quénia para Tanzânia, da Tanzânia acabou por chegar a Cabo Delgado”
Na perspectiva de João Feijó este “é um grupo geralmente problemático em termos sociais porque tem expectativas e tem uma posição rebelde. Por outro lado essa juventude nasce hoje numa sociedade que continua muito marcada pela pobreza mas que é uma sociedade que é cada vez mais de consumo, estes jovens tem hoje contacto com as pequenas vilas, pequenas cidades onde vem tudo que é da globalização e isto cria aquelas expectativas, isso é explosivo”.
Outra hipótese considerada pelo académico é o contexto regional, “a zona de Cabo Delgado historicamente integrada no Estado de Zanzibar, não é de agora que os jovens vão estudar para a Arábia Saudita ou outros países estrangeiros, os jovens estão inseridos em redes migratórias regionais desde dos tempos pré-coloniais, antes da presença europeia”.
“Hoje há expansão da televisão por satélite que divulga novas identidades do islão, no Quénia e na Somália surgiram alguns grupos híper identitários com alguma intolerância religiosa, estes grupos alguns organizaram ataques, no Quénia houve um shopping e uma universidade atacados, a verdade é que as resposta do Quénia sempre foram muito frágeis, no sentido que as instituições do Estado não tem capacidade de investigação criminal para encontrar as provas e identificar as pessoas e os tribunais acabaram por libertar, noutras situações foram procuradas soluções extra judiciais, ou seja as pessoas foram simplesmente assassinadas, a verdade é que isto criou um sentimento de exclusão dos povos da costa, maioritariamente islâmicos, que começaram a transformar este fenómeno em religioso que num fundo tem uma conotação social, esse problema começou a ser varrido da Somália para o Quénia, do Quénia para Tanzânia, da Tanzânia acabou por chegar a Cabo Delgado”, concluiu.

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