ANTICORRUPÇÃO
Anticorrupção - Transparência - Integridade Edição No
19/2019 - Setembro - Distribuição Gratuita
Centro de Integridade Pública
MINISTÉRIO PÚBLICO
LEI ANTI-CORRUPÇÃO
LEI DE PROBIDADE PÚBLICA
CÓDIGO PENAL
TUDO SOBRE COMO COMPRAR CARTA DE
CONDUÇÃO NO INATTER SEM NUNCA TER IDO À
ESCOLA DE CONDUÇÃO
A carta de condução está à venda no Instituto Nacional dos Transportes Terrestres (INATTER).
Custa 50 mil meticais e é rápido. Não é preciso inscrever-se numa escola de condução, ser
submetido a exames de aptidão física e de condução. É só pagar e, em duas semanas, já
tem a sua carta e pode conduzir. Durante seis meses, o CIP realizou (mais) uma investigação
e conseguiu comprar algumas cartas de condução falsas que foram reconhecidas pela
Polícia de Trânsito e pelo INATTER. Este texto apresenta os detalhes da actuação do esquema,
que envolve funcionários seniores daquela instituição do Estado responsável pela emissão da
licença de condução.
Não obstante o CIP ter já exposto este caso por diversas vezes1
, a investigação apurou que
a carta de condução continua à venda. Apenas mudaram os métodos. No novo esquema,
o requerente ou o comprador não precisa de se inscrever numa escola de condução.
Basta, para o efeito, entregar uma cópia do Bilhete de Identidade (BI) ao intermediário ou
funcionário do INATTER que faz a captação de dados (que consiste em inseri-los no sistema),
pagar 50 mil meticais, esperar 30 a 45 dias e irá receber a carta de condução da categoria
que escolher (ligeiro ou pesado e até mesmo serviço público).
Durante a investigação, vários grupos de pessoas entraram no esquema simulando que
pretendiam comprar carta de condução. Sem estar habilitado a conduzir, foi possível obter
as cartas solicitadas, pagando 50 mil meticais por cada.
Usando mecanismos legais, obter licença de condução custa, em média, 15 mil meticais e
leva seis meses desde a inscrição na escola até à obtenção da licença definitiva. Entretanto,
pela via de corrupção, a carta custa 50 mil meticais e pode ser obtida em uma ou duas
semanas. A carta comprada é, em tudo, semelhante à original e é reconhecida pelas
autoridades. Para verificar a autenticidade da mesma, simulou-se que se tinha perdido a
carta comprada e foi-se pedir a segunda via no INATTER, e esta foi passada sem nenhuma
suspeita.
A emissão da carta fraudulenta obedece a certas etapas previamente estabelecidas,
nomeadamente a captação de dados e a atribuição, na mesma semana, da carta de
condução provisória que permite ao condutor conduzir veículos automóveis em via pública
quase que sem restrições. Duas semanas depois, o comprador recebe a carta de condução
definitiva, que é reconhecida como autêntica.
A rede de venda de cartas de condução envolve quadros do INATTER, alguns instrutores de
escolas de condução e pessoas sem ligação directa ao INATTER, que servem de intermediários.
1 Carta de Condução à venda no INATTER – Corrupção que custa vidas, disponível em https://cipmoz.org/wp-content/uploads/2018/08/
layout_carta__de_conducao_a_venda_no_INATTER_1.pdf [acedido a 21 de Setembro de 2019, às 18h46]
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Cada integrante do esquema tem o seu papel. Por exemplo, os instrutores das escolas de
condução têm o papel de forjar a inscrição, numa escola de condução, do comprador da
carta. Esse acto facilita o processo de captação de dados.
Passos a seguir até comprar carta de condução
Primeiro passo- obter o contacto de um dos integrantes do grupo. Esta é a parte mais difícil,
pois é preciso conhecer alguém que já se tenha beneficiado desses ou que faça parte do
esquema. As escolas de condução são os locais preferidos para a angariação de clientes
compradores de cartas. Um cidadão que se desloque a uma escola de condução para
saber os requisitos para a obtenção da licença de condução pode ser informado de um
mecanismo mais rápido e fácil, porém um pouco caro. É convencido a desistir de se inscrever
na escola e optar em comprar rápido e fácil. Este papel é executado, principalmente, por
instrutores, que desempenham também o papel psicológico de garantir aos potenciais
clientes que “conduzir não é um bicho de 7 cabeças”.
“Paga este valor e em duas semanas tens a carta. Só precisas de três dias para praticar a
condução e eu te ensino. Em três dias já sabes. Na escola vais perder tempo com aulas
teóricas e burocracias mas as aulas práticas são só uma semana. Na verdade aprende-se
a conduzir, conduzindo”. Estas palavras nos foram ditas por um instrutor de uma escola de
condução da capital que tentava convencer os nossos investigadores que a melhor opção
é comprar a carta.
Uma vez convencido o cliente a comprar carta de condução, segue-se a fase de pagamento.
Para garantir que o esquema não é uma burla, o pagamento é faseado. A última parte só é
paga com a licença de condução na mão do cliente.
A Figura 1 mostra a captura de um ecrã com mensagens de texto (SMS) que documenta a
negociação com um intermediário. Discute-se detalhes da modalidade de pagamento e o
tempo que se leva para obter uma carta de condução de forma fraudulenta.
Figura 1 Mensagens de texto trocadas com o intermediário, omitindo o número de telefone.
Nas mensagens trocadas com o intermediário é possível observar que o sistema está bem
elaborado e funciona. O pagamento do valor para a aquisição da carta é feita em duas
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prestações, para o conforto do “cliente”. A primeira prestação é de 25.000,00 Mt que
corresponde a 50% do valor total cobrado e é paga no início do processo e o remanescente
é pago no acto da entrega da carta definitiva.
Segundo passo- o requerente faz a captação de dados, de forma presencial, no INATTER,
quer na cidade de Maputo quer na Matola. Alternativamente, o “cliente” entrega uma
cópia do bilhete de identidade e uma foto tipo passe e a captação é feita sem a presença
física deste nas instalações do INATTER.
Para a presente investigação, um dos membros da equipa de investigação efectuou o
pagamento da primeira prestação via depósito bancário, no dia 11 de Julho de 2019.
A Figura 2 mostra a cópia do talão de depósito para o pagamento da primeira prestação
para a compra da carta de condução. Omitimos o nome do titular da conta mas mantivemos
o número da conta.
Figura 2. Cópia de talão de depósito do valor referente à primeira prestação para a aquisição da carta. (Nome do titular
da conta omitido)
Após apresentar o comprovativo do depósito do valor ao intermediário deu-se início ao
processo de aquisição da carta. Para tal o investigador do CIP entregou uma cópia do
bilhete de identidade e uma foto do tipo passe para a captação de dados sem se fazer
presente ao INATTER.
Após a inserção dos dados, a carta é emitida sem se fazer nenhum exame, aproveitandose a fragilidade que o sistema comporta e que determina a necessidade de intervenção
humana para o seu seguimento para fases ulteriores. Essa possibilidade está relacionada
com a substituição das cartas de condução dos cidadãos da região da SADC, as quais têm
validade em todos os países da região, e de países com acordo de reconhecimento de
cartas com Moçambique.
Terceiro passo – emite-se a carta de condução provisória. No nosso caso, passados 8 dias após
a entrega do valor e dos documentos para a captação de dados, a carta de condução do
nosso investigador, datada de 19 de Julho, foi emitida. A figura 3 mostra uma cópia da carta
de condução provisória adquirida de forma fraudulenta. Omitimos o nome e a fotografia do
nosso colega.
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Figura 3. Carta de condução provisória que foi entregue uma semana após o pagamento da primeira prestação.
Quarto passo – efectua-se o pagamento da última prestação do valor acordado e entregase a carta de condução definitiva, 2 semanas depois de receber a carta provisória. A carta
provisória que nos foi passada no dia 19 de Julho foi substituída pela carta definitiva no dia
02 de Agosto, após o pagamento da segunda prestação do valor acordado para a sua
obtenção. A figura 4 mostra a carta de condução definitiva emitida sem que o titular tenha
sido submetido a algum tipo de exame. Ocultamos o nome, a fotografia e o número do BI do
titular da carta de condução obtida fraudulentamente.
Figura 4 carta de condução obtida de forma fraudulenta
Nigerianos e chineses são os principais clientes
Da investigação, apuramos que os principais clientes deste esquema fraudulento são
cidadãos estrangeiros de nacionalidade nigeriana ou chinesa.
“Em Dezembro de 2018, um cidadão de nacionalidade nigeriana foi interpelado por
funcionários do INATTER quando ia levantar a carta. Apercebendo-se do nervosismo do
cidadão e, pelo facto do mesmo nunca ter ido antes ao INATTER, o funcionário questionou-o
quando foi emitida a carta. Para a sua surpresa, o cidadão nigeriano não falava, nem
entendia a língua portuguesa, factor este que aumentou os níveis de desconfiança de que
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a carta foi emitida de forma ilegal. O cidadão foi levado para a 1ª Esquadra da Polícia da
República de Moçambique na Cidade de Maputo mas depois foi liberto”contou-nos um
colaborador do INATTER.
Segundo os funcionários, por indicação de superiores hierárquicos do Ministério do Interior,
não foi aberto nenhum processo- crime contra o cidadão em questão e o mesmo teve acesso à
carta de condução sem nunca ter frequentado uma escola, colocando em causa a sua integridade
e a dos demais condutores.
De acordo com os dados disponíveis no sistema de exame multimídia é possível notar a
discrepância entre os candidatos examinados e as cartas emitidas, o que denota um
número elevado de cartas de condução a circular com cidadãos sem, no entanto, estarem
legalmente habilitados a conduzir veículos automóveis.
Negócio de carta ilegal 2,5 milhões de meticais por mês
Dados obtidos no INATTER durante a pesquisa mostram que, por semana, são emitidas entre 10
a 15 cartas de condução de forma fraudulenta, totalizando mensalmente entre 40 a 50 cartas, o que
gera uma próspera indústria de corrupção que movimenta cerca de 2,5 milhões de meticais
por mês, aproximadamente 40 mil dólares só na cidade e província de Maputo.
Anualmente o número de cartas de condução emitidas fraudulentamente chega a 600,
gerando uma receita de cerca de 30 milhões de meticais para a indústria de corrupção.
Um negócio mortífero
Os acidentes de viação estão entre as principais causas da mortalidade em Moçambique,
um país paradoxalmente com um parque automóvel muito baixo. Em média, morrem por
semana 30 pessoas vítimas de acidente de viação, posicionando Moçambique entre os 20
países do mundo com a taxa mais elevado de mortes por acidentes de viação.
Um estudo da Organização Mundial da Saúde publicado em 2016 colocou Moçambique na
15ª posição dos países com mais mortes por acidentes de viação do mundo, estimando que,
a cada 100 mil habitantes, 30 morrem por acidentes de viação2
.
Embora os factores de acidentes de viação sejam diversos, dentre eles, certamente, há
que ter em conta o facto de grande número de condutores se fazer à estrada sem ter passado
por exames de condução, seja de aptidão física, seja do domínio das regras de trânsito ou de
habilidade prática para conduzir.
O investigador do CIP que obteve carta de condução a troco de 50 mil meticais sem nunca
frequentado alguma escola de condução poderia fazer-se à estrada a qualquer momento,
ao volante de um veículo automóvel, sendo um condutor com alto risco de cometer acidente.
Durante a realização da investigação, solicitou-se a direcção do INATTER para pronunciar-se
sobre a venda de cartas de condução, tendo esta declinado fazer qualquer comentário.
Alguns funcionários do INATTER referiram que a direcção da instituição tem conhecimento
destes factos, contudo não tem tomado medidas necessárias para obviar que tais factos
aconteçam. Segundo os mesmos funcionários, por várias vezes referiu--se a necessidade
de eliminação da janela do sistema que permite a emissão de cartas de condução sem
que se passe pelos exames, mas a direcção mostrou-se contra esta medida, alegando que
essa janela deve estar aberta para permitir a substituição das cartas por parte de cidadãos
nacionais e estrangeiros que obtiveram as cartas noutros países da SADC.
A impunidade continua no INATTER, permitindo a reprodução da corrupção nos centros
2 https://www.who.int/violence_injury_prevention/road_safety_status/2013/data/table_a2.pdf?ua=1 [acedido a 21 de Setembro de 2019,
às 15h21].
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de exames multimédia. Os funcionários do INATTER, quando são identificados em actos
corruptos, ao invés de serem responsabilizados, são transferidos de um departamento para
outro, permitindo-lhes manter as redes de
corrupção.
A direcção do INATTER tem informação sobre como funciona o sistema de venda de cartas de
condução, mas até então não se conhecem acções concretas que tenham sido executadas
para a responsabilização dos funcionários envolvidos em tais práticas e, consequentemente,
eliminar-se a rede de corrupção existente na instituição.
Aqui está um claro exemplo de “capim alto” incompetente que lesa o Estado em Milhões
de meticais. Directamente ligados ao esquema corrupto estão outros milhões ligados a
danos causados por vários acidentes de viação que causam milhares de vítimas humanas
e prejuízos avultados ao país. Se o Presidente da República não tinha conhecimento deste
esquema, com este trabalho tê-lo-á. O CIP irá proceder à entrega das provas deste esquema
de corrupção ao Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), como contributo
para a responsabilização dos envolvidos.
Parceiros:
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InformaÇão editorial
Director: Edson Cortez
Autor: Egas Jossai
Equipa técnica: Baltazar Fael, Borges Nhamire, Ben
Hur Cavelane, Celeste Banze, Egas jossai
Inocência Mapisse, Stélio Bila
Revisão Linguistica: Percida Langa
Propriedade: Centro de Integridade Pública
Maquetização: Liliana Mangove
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