quarta-feira, 18 de setembro de 2019

O grito do bispo

Opinião

O grito do bispo

O grito do bispo
Numa declaração arrojada e extraordinariamente certeira, o bispo do Porto, D. Manuel Linda, tocou numa ferida em carne viva chamada violência sobre as mulheres, a propósito do inominável ataque de que foi vítima, há uma semana, a freira Maria Antónia.
Da mensagem do clérigo, retiro duas ideias essenciais. Em primeiro lugar, a de que as falhas do sistema judicial (um clássico que nos envergonha), ignorando os alertas que podiam ter evitado a morte da religiosa, vão cair em saco roto. Ninguém será responsabilizado para além do que a consciência dos próprios ditar. É bom lembrar que, dias antes do bárbaro crime, o Ministério Público emitiu um mandado de detenção tardiamente executado. E também é bom lembrar que ninguém parece ter lido um exaustivo relatório produzido por um ex-procurador de S. João da Madeira que classificara o homicida como um predador sexual incapaz de controlar os instintos. Donde avulta a inquietação: estarão o sistema prisional e a máquina judicial, aos quais compete "recuperar" socialmente os condenados, a acompanhar devidamente aqueles que, pura e simplesmente, não querem ou não conseguem regenerar-se após a libertação e estão sinalizados como perigosos?
Este caso demonstra que não.
Depois, e talvez esta possa ser a maior lição para o futuro, é de registar como positivo que a Igreja Católica - que tantas vezes se outorga farol moral da sociedade - demonstre, em temas desta dimensão social, ter uma voz combativa que destoe da habitual neutralidade e autocomiseração. Naturalmente que a contundência das palavras de Manuel Linda está relacionada com o perfil da vítima (uma freira), mas numa coisa o bispo do Porto está coberto de razão: à morte selvagem desta religiosa não se seguiu nenhum lamento público de partidos ou deputados, e muito menos das associações que se dedicam à defesa das mulheres. Não consigo ser tão definitivo como Manuel Linda nas explicações para este silêncio coletivo (ele relaciona a vocação religiosa da vítima com esta letargia mediática), mas a dúvida é legítima. Já sobre isto consigo ser definitivo: o debate público sobre a violência infligida às mulheres é um sururu ocasional e não, como deveria ser, um grito constante.
*DIRETOR-ADJUNTO

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