Obituário: Robert Gabriel Mugabe, 21 de Fevereiro de 1924 – 6 de Setembro de 2019
Por Wilf Mbanga (Traduzido por Lawe Laweki, com a autorização do autor)
O próprio (Robert) Mugabe tornou-se cada vez mais intolerante a qualquer forma de crítica. Eu o vi pela última vez em 2000, quando me sentei na primeira fila de uma conferência de imprensa, durante o lançamento da campanha eleitoral.
Nessa altura, ele passou a me ver como seu inimigo, devido ao meu papel na criação do Daily News independente, que era crítico à sua administração. Ele não conseguia reparar-me na cara. Tinha para comigo sentimentos de traição, decepção e tristeza, o que quase me sufocava. Foi nesse dia que chorei pela morte do meu Robert Mugabe.
Pouco depois, ele jogou a sua carta de 'reforma agrária'. Juntamente com uma multidão de supostos veteranos de guerra, as milícias foram usadas para invadir mais de 80% das propriedades agrícolas comerciais em nome de devolver ‘ao povo (negro) a terra roubada por colonos brancos'. O que pouco se notou na altura, diante dos protestos da mídia internacional sobre a morte de oito fazendeiros brancos, foi de que mais de 200 trabalhadores negros de fazendeiros brancos foram mortos durante as invasões. E milhares de outros foram espancados, torturados, estuprados e deixados sem abrigo.
Sob a retórica racial/anticolonial havia uma verdade muito mais sinistra. Todos os mortos, negros e brancos, tinham uma coisa em comum – eles eram apoiantes do Movimento de Mudança Democrática (MDC).
Cada vez mais, o Mugabe começou a desrespeitar o Estado de Direito – ameaçando os juízes, recusando-se a obedecer a ordens judiciais e enchendo este sector com seus simpatizantes, que recebiam aparelhos de televisão plasma, fazendas, veículos de luxo e outros benefícios.
Dentro de alguns anos, o Zimbábue caiu da sua posição como uma das nações africanas mais prósperas e com esperança para um estado de cesta. Os sistemas de saúde e de educação, juntamente com a indústria agrícola sofisticada e diversificada - outrora o orgulho da região - entraram em colapso. Cerca de 25% da população de 12 milhões - a nata intelectual e profissional - abandonou o país.
Após o golpe que depôs Mugabe no final de 2017, uma nova palavra foi cunhada no Zimbábue - o 'Mugabeismo'. A mesma representava tudo o que destruía a “A jóia da África": corrupção sistêmica, manipulação de votos, violações dos direitos humanos, nepotismo desenfreado e pilhagem de recursos estatais por quem estava no poder.
A principal tarefa que o sucessor de Mugabe, Emmerson Mnangagwa, tinha era de desmantelar todo o sistema herdado: uma complexa teia de intrigas, batota, corrupção e crueldade, com tentáculos que atingem todos os escalões da sociedade e todos os departamentos do governo. Infelizmente, o Mnangagwa não conseguiu desmantelar qualquer aspecto do ‘Mugabeismo’.
Um facto triste é que pouco mudou desde a era de Mugabe. Continua praticamente impossível realizar eleições livres e justas, devido ao ‘Mugabeismo’ generalizado que permeia o processo eleitoral – a partir dos grupos eleitorais até a falsificação generalizada da lista de eleitores (que inclui milhares de duplicados, milhares de mortos e milhares de pessoas com mais de 100 anos de idade que também votam) e a militarização do Secretariado da Comissão Eleitoral do Zimbábue. Tudo isso produzia eleições caracterizadas de fraudes, roubos, intimidações e violência em massa durante quase quatro décadas. E nada mudou até a presente data.
Quanto aos massacres de Gukurahundi em Matabeleland, o Mnangagwa fez algum gesto superficial, como permitir que as pessoas estabelecessem grupos de discussão (que era um tabu sob o regime de Mugabe). Mas as possibilidades de um verdadeiro e legítimo acerto de contas - mesmo com Mugabe morto e enterrado - são poucas.
O facto é que foi o regime de Mugabe que perpetrou todos esses horrores. E as máquinas do regime de Mugabe - os velhos gananciosos e viciados em poder, os militares, as milícias, os jovens e outros – continuam intactos.
A própria existência física de Mugabe - mesmo como um velho decrépito numa cama de um hospital a milhares de quilómetros de distância - era uma realidade a ter em conta na psique do Zimbábue. Agora que a cabeça está morta e finalmente estamos livres dessa presença opressiva, sairemos para apanhar o sol ou continuaremos atrás das grades?
Wilf Mbanga, 6 de Setembro de 2019
(O Dr. Wilf Mbanga publicou no seu jornal a revisão crítica do Dr. Josef Pampalk - que foi missionário no centro de Moçambique por muitos anos - do livro deste autor, bem como do livro do Dr. Eric Morier Genoud (1) Eric Morier Genoud (24.8.2019) https://www.thezimbabwean.co/2019/08/catholicism-and-the-making-of-politics-in-central-mozambique-1940-1986/ (2) Lawe Laweki (25.8.2019) https://www.thezimbabwean.co/2019/08/mateus-pinho-gwenjere-a-revolutionary-priest/)
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