Obituário: Robert Gabriel Mugabe, 21 de Fevereiro de 1924 – 6 de Setembro de 2019
Por Wilf Mbanga (Traduzido por Lawe Laweki, com a autorização do autor)
Bem escreveu o William Shakespeare no seu livro Julius Caesar: ‘Houve tempo que vocês o amaram – e não foi sem justa causa. O que vos impede agora de chorarem por ele?'
(Wilf Mbanga partilhando uma piada com Robert Mugabe e Julius Nyerere em 1984)
Nós nos conhecemos em 1974 – eu era um jovem jornalista idealista, com apenas 27 anos de idade. E ele, com quase 50 anos, era um líder nacionalista icônico, a personificação de esperança dos negros por justiça e igualdade. Mugabe acabava de sair da prisão após 11 anos de encarceramento, sem julgamento, pelo regime racista de Ian Smith. Ficamos amigos. Escrevi a sua primeira biografia – apresentando-o ao mundo através do Grupo Argus.
Contudo, acho difícil chorar por ele hoje. Nenhuma gota de lágrimas me sai. Mas também não comemoro a morte dele. A minha emoção geral é de profunda tristeza – no que poderia ter sido e o que deveria ter sido. Profunda tristeza pela perda de tudo e pelo desperdício de tudo.
Os horrores de quase 40 anos do regime de Mugabe estão bem documentados: o derramamento de sangue, as injustiças, os massacres de Gukurahundi em Matabeleland, a demolição brutal de casas dos pobres em Murambatsvina, eleições roubadas e violência eleitoral horrível, invasões violentas de terras, a destruição de uma indústria agrícola vibrante, a inflação mais alta do mundo, 90% do desemprego – só para citar algumas coisas. Embora tudo isso tenha acontecido sob o seu olhar, existe um acalorado debate sobre a extensão da sua culpabilidade e a natureza do seu legado. O Mark Antony de William Shakespeare disse: 'O mal que os homens fazem vive depois deles; mas o bem é muitas vezes enterrado com eles. Será o Mugabe vilipendiado ou reverenciado pelas próximas gerações?
Em muitas ocasiões, ele foi entusiasticamente aplaudido pelo público africano em fóruns internacionais como um herói africano, criticando o Ocidente, removendo o Zimbábue da Comunidade de Commonwealth, insultando os líderes mundiais e ousando denigrir o homem branco – mesmo quando os zimbabueanos sofriam abusos e terríveis privações dos direitos humanos dentro do seu próprio país.
Mesmo na morte, Mugabe continua a ser uma força de divisão. A mídia social encontra-se presentemente repleta de narrativas contraditórias e disputas amargas. Um grupo afirma que ele arruinou o país bonito e cheio de recursos que ele libertou do domínio colonial em 1980, reduzindo-o à mendicância. O mesmo grupo afirma ainda que, com mais de um quarto da população no exílio, com a inflação mais alta do mundo e com a menor expectativa de vida, tudo isso reduziu as nobres ambições do domínio da maioria à trapos manchados de sangue.
Outros elogiam as suas realizações, notadamente a libertação do país do domínio colonial e o progresso obtido em educação e saúde para todos nos primeiros anos. Até a sua reforma agrária, embora sangrenta, caótica e corrupta, tem os seus defensores. E, é claro – a terra está agora nas mãos dos negros, não dos brancos, e a economia está amplamente sob o controle dos negros.
Então, quando e como tudo deu errado? Além do poder absoluto corromper absolutamente, há alguns pontos que vale a pena mencionar: a morte de sua esposa ganesa, Sally, em 1992, foi um deles. Em 1996, ele se casou com sua secretária, Grace, com quem já tinha dois filhos. Grace, 40 anos mais nova, era gananciosa e ambiciosa, e a sua influência sobre ele, já velho e doentio, cresceu duma forma alarmante até ao ponto em que quase atuava como a vice-presidente do país.
A formação do Movimento de Mudança Democrática da oposição, em 1999, interrompeu as suas ambições por um Estado de partido único. Acima de tudo, ele considerou a formação desse movimento como um grande insulto pessoal. Como se isso não bastasse, em 2000 Mugabe perdeu o referendo constitucional pelo qual procurava aumentar os seus poderes presidenciais. O seu regime, que se tornou cada vez mais repressivo, enfrentou esses contratempos com um reino feroz de terror. Os direitos humanos foram pisoteados, o judiciário foi emasculado, a mídia independente foi amordaçada e o país se tornou num estado policial virtual. Hordas de jovens saqueadores, recrutados em milícias financiadas pelo Estado, foram desencadeados para saquear, estuprar, espancar e assediar a população indefesa, em grande parte rural, tornando-a submissa à Frente Patriótica da União Nacional Africana do Zimbábue.
(Wilf Mbanga foi fundador do THE DAILY NEWS do Zimbabwe e fundador e editor do THE ZIMBABWEAN e THE ZIMBABWEAN ON SUNDAY, os jornais independentes em maior circulação no Zimbabwe entre 2006 e 2012. Ele viveu no exílio entre 2005 e 2018, depois de ter sido declarado “inimigo do povo” pelo regime do Mugabe. Não perca a segunda parte deste artigo)
Sem comentários:
Enviar um comentário