sábado, 7 de setembro de 2019

"É DIFICIL FALAR DA RECONCILIAÇÃO QUANDO..."

Mz | Visita Papal -Missa em Maputo:
"É DIFICIL
FALAR DA RECONCILIAÇÃO QUANDO..."
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------ >> "Moçambique possui riquezas mas paradoxalmente com uma quantidade enorme da sua população abaixo do nível de pobreza. E por vezes parece que aqueles que se aproximam com o suposto desejo de ajudar, têm outros interesses. E é triste quando isto se verifica entre irmãos da mesma terra, que se deixam corromper; é muito perigoso aceitar que a corrupção seja o preço que temos de pagar pela ajuda externa"
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------ >> "Não se pode pensar o futuro, sustentada na "equidade" da violência
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------- >> "Nenhum (...) país tem futuro, se o motor que os une, congrega (...) vingança e o ódio"
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------ >> "Não podemos pôr-nos de acordo e unir-nos para nos vingarmos"
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------ >> "Vós tendes direito à paz"
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Beira (Magazine CRV) -- Santa Missa do
Papa Francisco pelo progresso dos povos na visita Apostólica a Moçambique, em
Maputo, no Estádio Nacional de Zimpeto, esta Sexta-feira, 6.
Texto integral da homilia do Papa:
Amados irmãos e irmãs!
Ouvimos no Evangelho de Lucas uma passagem do Sermão da Planície. Depois de escolher os seus discípulos e ter proclamado as Bem-aventuranças, Jesus acrescenta: «Digo-vos a vós que Me escutais: “Amai os vossos inimigos”» (Lc 6, 27). Uma palavra dirigida hoje também a nós, que O escutamos neste Estádio.
Di-lo com clareza, simplicidade e firmeza traçando uma senda, um caminho estreito que requer algumas virtudes. Porque Jesus não é um idealista, que ignora a realidade; está a falar do inimigo concreto, do inimigo real, que descrevera na Bem-aventurança anterior (6, 22): aquele que nos odeia, expulsa, insulta e rejeita como infame.
Muitos de vós podem ainda contar, em primeira pessoa, histórias de violência, ódio e discórdias; alguns, em sua própria carne; outros, de alguém conhecido que já não está; e outros ainda pelo temor de que feridas do passado se repitam e tentem apagar o caminho de paz já percorrido, como em Cabo Delgado.
Jesus não nos convida a um amor abstrato, etéreo ou teórico, redigido em escrivaninhas para discursos. O caminho que nos propõe é o que Ele percorreu primeiro, o caminho que O fez amar aqueles que O traíram, julgaram injustamente, aqueles que O mataram.
É difícil falar de reconciliação, quando ainda estão vivas as feridas causadas durante tantos anos de discórdia, ou convidar a dar um passo de perdão que não signifique ignorar o sofrimento nem pedir que se cancele a memória ou os ideais (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 100).
Mesmo assim, Jesus convida a amar e a fazer o bem. E isto é muito mais do que ignorar a pessoa que nos prejudicou ou esforçar-se por que não se cruzem as nossas vidas: é um mandato que visa uma benevolência ativa, desinteressada e extraordinária para com aqueles que nos feriram.
Mas Jesus não fica por aí; pede-nos também que os abençoemos e rezemos por eles; isto é, que o nosso falar deles seja um bendizer, gerador de vida e não de morte, que pronunciemos os seus nomes não para insulto ou vingança, mas para inaugurar um novo vínculo que leve à paz. Alta é a medida que o Mestre nos propõe!
Com tal convite, Jesus - longe de ser um obstinado masoquista – quer encerrar para sempre a prática tão usual – ontem como hoje – de ser cristão e viver sob a lei de talião. Não se pode pensar o futuro, construir uma nação, uma sociedade sustentada na «equidade» da violência. Não posso seguir Jesus, se a ordem que promovo e vivo é «olho por olho, dente por dente».
Nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos ou uma etnia e menos ainda um país tem futuro, se o motor que os une, congrega e cobre as diferenças é a vingança e o ódio.
Não podemos pôr-nos de acordo e unir-nos para nos vingarmos, para fazermos àquele que foi violento o mesmo que ele nos fez, para planearmos ocasiões de retaliação sob formatos aparentemente legais.
"As armas e a repressão violenta, mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos"
(Ibid., 60). A "equidade" da violência é sempre uma espiral sem saída; e o seu custo, muito alto. Há outro caminho possível, porque é crucial não esquecer que os nossos povos têm direito à paz. Vós tendes direito à paz.
Para tornar o seu convite mais concreto e aplicável no dia-a-dia, Jesus propõe uma primeira regra de ouro ao alcance de todos – «como quereis que os outros vos façam, fazei-lho vós também» (Lc 6, 31) – e ajuda-nos a descobrir o que é mais importante nesta reciprocidade de trato: amar-nos, ajudar-nos e emprestar sem esperar nada em troca.
«Amar-nos»: diz-nos Jesus. E Paulo traduz isso como «revestir-nos de sentimentos de misericórdia e de bondade» (Col 3, 12). O mundo desconhecia – e continua sem conhecer – a virtude da misericórdia, da compaixão, matando ou abandonando ou deficientes e idosos, eliminando feridos e enfermos, ou divertindo-se com os sofrimentos dos animais. Também não praticava a bondade, a amabilidade, que nos move a considerar o bem do próximo tão querido como o próprio.
Superar os tempos da divisão e violência supõe não só um ato de reconciliação ou a paz entendida como ausência de conflito, supõe o compromisso diário de cada um de nós ter um olhar atento e ativo que nos leva a tratar os outros com aquela misericórdia e bondade com que queremos ser tratados; misericórdia e bondade sobretudo com aqueles que, pela sua condição, rapidamente acabam rejeitados e excluídos.
Trata-se de uma atitude, não de débeis, mas de fortes, uma atitude de homens e mulheres que descobrem que não é necessário maltratar, denegrir ou esmagar para se sentirem importantes; antes pelo contrário... E esta atitude é a força profética que o próprio Jesus Cristo nos ensinou ao querer identificar-Se com eles (cf. Mt 25, 35-45) e ao mostrar-nos que o serviço é o caminho.
Moçambique possui um território cheio de riquezas naturais e culturais, mas paradoxalmente com uma quantidade enorme da sua população abaixo do nível de pobreza.
E por vezes parece que aqueles que se aproximam com o suposto desejo de ajudar, têm outros interesses. E é triste quando isto se verifica entre irmãos da mesma terra, que se deixam corromper; é muito perigoso aceitar que a corrupção seja o preço que temos de pagar pela ajuda externa.
«Não seja assim entre vós» (Mt 20, 26; cf. vv. 26-28). Com as suas palavras, Jesus impele-nos a ser protagonistas de outro trato: o do seu Reino. Aqui e agora, sementes de alegria e esperança, paz e reconciliação.
O que o Espírito vem a impelir não é um ativismo transbordante, mas, antes de tudo, uma atenção prestada ao outro, reconhecendo-o e valorizando-o como irmão até sentir a sua vida e a sua dor como a nossa vida e a nossa dor.
Este é o melhor termómetro para descobrir as ideologias de todo e qualquer tipo que tentam manipular os pobres e as situações de injustiça ao serviço de interesses políticos ou pessoais (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 199). Só assim poderemos ser, no lugar onde nos encontrarmos, sementes e instrumentos de paz e reconciliação.
Queremos que reine a paz nos nossos corações e no palpitar do nosso povo.
Queremos um futuro de paz.
Queremos que «reine em vossos corações a paz de Cristo» (Col 3, 15), como justamente dizia a carta de São Paulo. Ele usa um verbo que vem do mundo do desporto e faz referência ao árbitro que decide as coisas discutíveis: E disse: «que a paz de Cristo seja o árbitro em vossos corações».
Se a paz de Cristo é o árbitro nos nossos corações, então quando os sentimentos estão em conflito e nos achamos indecisos entre dois sentidos opostos, «façamos o jogo» de Cristo.
A decisão de Cristo manter-nos-á no caminho do amor, na senda da misericórdia, na opção pelos mais pobres, na salvaguarda da natureza. No caminho da paz.
Se Jesus for o árbitro entre as emoções em conflito do nosso coração, entre as decisões complexas do nosso país, então Moçambique tem garantido um futuro de esperança; então o vosso país cantará «a Deus, com gratidão e de todo o coração, salmos, hinos e cânticos inspirados» (Col 3, 16). (M-CRV - Extraído daqui: https://www.vaticannews.va/…/papa-francisco-viagem-mocambiq…)

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