A Pérola do Índico andou de sobressaltos na semana que finda, por conta do “vazamento” de um ofício expedido pela Procuradoria-Geral da República de Moçambique, da lavra do Procurador-Geral Adjunto, Alberto Paulo, no qual se requer a quebra do sigilo bancário de diversas entidades, dentre elas o antigo Chefe de Estado Armando Guebuza, seus dois filhos, para além de antigos Conselheiros e duas pessoas já falecidas. O referido ofício foi remetido aos bancos nacionais no âmbito da auditoria que investiga os contornos dos empréstimos concedidos às empresas das Forças de Defesa e Segurança MAM, EMATUM e ProIncicus, no quadro da operacionalização do Sistema Integrado de Monitoria e Protecção da Zona Econômica Exclusiva.
Afora os sucessivos adiamentos na conclusão da auditoria e a estranha entrevista da Embaixadora Cessante da Suécia (país que financia a auditoria), mais funesto se torna ainda ao vermos nomes de pessoas ultrajadas em hasta pública por conta da actuação menos hortodoxa da Procuradoria-Geral da República. Até porque lendo a entrevista da Embaixadora Cessante fica-se na dúvida sobre quem efetivamente dirige a citada auditoria. Assim é porque a nossa PGR consta-nos andar à reboque do que a Kroll quer, posicionando-se numa função subalterna, qual Escrivã da Kroll. Mais melindroso ainda é o facto de relativamente aos valores envolvidos e os termos de referência da dita auditoria serem apenas do conhecimento da Suécia e da Kroll, justamente quando os dois se arrogam de paladinos da transparência. Em outras palavras, estamos todos a seguir a agenda de terceiros.
Em todo o caso, sendo certo que na referida entrevista a Embaixadora nórdica revelou-nos uma novidade, segundo a qual, depois de 28 de Abril, o relatório não será divulgado como tal, permanecendo na condição de oculto por um período de 90 dias, o que adensa as dúvidas sobre os reais intentos desta empreitada e sobre se estamos em face de um processo de purga política ou meramente jurídico.
Nos círculos de opinião sobre esta inditosa auditoria diz-se que do valor total dos empréstimos concedidos às três empresas, é contencioso o destino dado a 500 milhões de dólares, que se sabe ter sido usado usado para compra de equipamento militar, com benefício natural para o Ministério da Defesa Nacional, na altura dirigido por Filipe Jacinto Nyusi, actual Chefe de Estado. Alega-se que a quebra do sigilo bancário das entidades que acima indicamos, tem em vista mapear a rota que supostamente aquele valor seguiu, no circuito bancário nacional.
Ora, para quem estuda matérias de Finanças Públicas (e mesmo que não estude) não deve ignorar como é feito o desembolso de valores em operações similares. É que exceptuando ajuda externa, em forma de apoio directo ao Orçamento do Estado, não se faz transferência de valores para bancos nacionais. No caso em apreço e como ocorreu, por exemplo, nos financiamentos feitos pelo Exim Bank da China e outros, os valores são canalizados directamente ao fornecedor. Portanto, não existe a mínima chance de se drenar dinheiros para bancos nacionais.
Sendo certo que os pagamentos foram feitos diretamente ao fornecedor, no caso a PrivInvest e Abu Dhabi Mar e não as empresas auditadas, por que razão andamos a brincar às quedas de sigilo bancário? E porque aquelas entidades e não outras? Ou melhor: porquê só aquelas e não outras também? Mas mais do que isso: porquê publicar ou criar condições para se publicar um documento confidencial?
Parece ficar cada vez mais claro que a Kroll não está a ter sucesso na sua empreitada, que mais não é senão fabricar provas para sustentar a sentença preconcebida logo no início deste enredo todo. Há quem diga que o grande dilema neste processo todo é o facto de, diferentemente dos processos que correm de acordo com o Direito, este ter começado da morte, ou seja, ter iniciado já com uma sentença que condenava certas pessoas, cabendo a Kroll/PGR inventar provas para sustentar essa tese. É que se assim não fosse não teríamos este bailado de adiamentos com que somos mimoseados.
Sendo mais específico: se é de ciência certa que em operações financeiras de igual índole os valores do financiamento saem do banco credor direitamente para o fornecedor, estando claro que o valor não entrou fisicamente no país, que a Kroll não tem estado a encontrar o que alguém lhe disse que havia, sendo um processo em instrução preparatória, estando vigente no país o princípio de presunção de inocência, a publicação do ofício que requer a quebra do sigilo bancário do ex-Chefe do Estado e de outras entidades (membros do seu Gabinete e sua família), só pode ter uma única explicação plausível: um expediente político para enfraquecê-lo e apagar o seu legado.
Não iria me surpreender que com este andar de coisas se prenda Armando Emílio Guebuza só para satisfazer egos, ainda que no fim se diga que é inocente, mas depois de se atingir objetivos políticos. Já nos tem sido dado a ver idêntico filme no caso “Operação Marquês” em que é visado José Sócrates, que foi preso, no aeroporto, no seu país, a regressar (e não a sair), para hoje se arrastar o processo e justificá-lo com base em provas produzidas após a sua prisão.
Ainda acredito no bom senso do Presidente Filipe Nyusi, que tendo negociado em nome do Governo a realização da auditoria e concomitantemente a existência deste processo-crime, com o FMI, na pessoa da Dircetora-Geral, tome medidas apropriadas ou então salvar o país da vergonha que tem sido a nossa PGR, pois está por demais visto que se trata de um assunto político e nem tão pouco jurídico.
Um amplexo da Pérola do Índico.
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