Inspirado nos populistas de esquerda latino-americanos e nas Primaveras Árabes, o candidato de esquerda faz parte do grupo de quatro que disputa no domingo a passagem à segunda volta nas presidenciais.
Jean-Luc Mélenchon está de volta, e promete vingar-se das eleições presidenciais de 2012. Há cinco anos, a pressão do voto útil da esquerda em François Hollande, para afastar do Eliseu Nicolas Sarkozy, fez com que este explosivo tribuno, que citava heróis da Revolução Francesa prometendo uma revolta das massas contra a nova aristocracia financeira se ficasse por uns meros 11%, quando as sondagens tinham chegado a dar-lhe 17% das intenções de voto. Agora, está com 19%, e faz parte do quarteto dos favoritos que no domingo podem passar à segunda volta.
Mélenchon continua a prometer uma revolução – uma “revolução cidadã”, inspirada naquela que foi lançada por Rafael Correa no Equador. Mas suavizou a forma como faz passar a sua mensagem – limou um pouco as arestas. “Tirei as minhas lições da campanha de 2012. Tenho 65 anos. A idade tem a sua influência”, disse ao Journal du Dimanche.
Agora, a sua subida nas sondagens ameaça o estatuto de favoritos de Emmanuel Macron e Marine Le Pen para passar à segunda volta, colocando-o a par com François Fillon. Todos estão mais ou menos na margem de erro das sondagens e, em termos técnicos, todos têm hipóteses de passar à segunda volta após a votação de domingo.
Mélenchon aprendeu com o exemplo da campanha do candidato democrata à presidência nos Estados Unidos, Bernie Sanders – um exemplo para muita esquerda europeia em busca de novas ideias e formas de organização. E foi buscar às Primaveras Árabes de 2011 uma palavra de ordem: “dégagez!” (saiam, vão-se embora). “Os importantes, os potentes, os senhores da terra, vocês têm motivos para se preocuparem! Ouçam-nos!”, diz Mélenchon nos seus comícios, quando deixa a multidão a gritar “dégagez! dégagez! dégagez!”
O jornal Le Figaro, ligado à direita, tem estado na linha da frente da oposição a Mélenchon, acenando com o perigo comunista e com títulos assustadores: chama-lhe “o delirante Chávez francês” e “Maximilien Ilitch Mélenchon”, juntando num único nome dois temidos revolucionários: Maximilien Robespierre, evocando o “grande terror” da Revolução Francesa, e Vladimir Ilitch Oulianov, conhecido como Lenine. Chegou-se ao ponto de evocar os tanques soviéticos às portas de Paris, num editorial de 12 de Abril.
É verdade que o Partido Comunista Francês apoia Mélenchon – depois de muita hesitação – mas ele faz questão de apresentar a sua candidatura essencialmente como algo pessoal, com o nome de França Insubmissa. Mas o seu projecto não se reduz a isso.
“Caracterizado como um perigoso extremista, Mélenchon é atacado por todos os que consideram que não há alternativa à globalização neoliberal. Para eles, a democracia exige a aceitação do ‘consenso pós-político’ entre os partidos de centro-direita e de centro-esquerda, e pô-lo em questão seria o trabalho de demagogos populistas”, explica num artigo de opinião no Le Monde Chantal Mouffe, a filósofa belga em que se inspira o candidato.
O povo contra as elites
O objectivo, explica, “não é destruir os fundamentos da ordem democrática e instaurar um regime autoritário, mas acabar com o regime oligárquico produzido pela hegemonia neoliberal”. Ou seja, explica Chantal Mouffe, Mélenchon quer acabar com o regime do “povo contra as elites”, criado com a emergência dos super-ricos e a precarização das classes médias. Algo que se viu primeiro na América Latina, diz a filósofa, e daí a admiração de Mélenchon pela revolução cidadã do Equador, pelo regime de Hugo Chávez na Venezuela.
Mélechon gosta de se definir como alguém que está fora do sistema, mas tem um longo passado dentro do sistema. Começou por ser trotskista, como tantos outros, mas entrou na política profissional ao ser eleito senador (pelo PS), em 1986. Foi secretário de Estado do ministro da Educação Jack Lang. Entra em confronto com François Hollande no PS, contra o qual concorre para a liderança do partido, em 1997 (perdeu).
Se em 1992 Mélenchon tinha apelado ao voto no “sim” no referendo sobre o Tratado de Maastricht, a sua evolução política levou-o para a crítica em relação à União Europeia: em 1999, enquanto senador socialista, vota contra a ratificação do Tratado de Amsterdão. Critica “a ausência de governo económico e falta de avanços na Europa social”. Acabou a ser um dos rostos do voto “não” no referendo de 2005 sobre o Tratado Constitucional Europeu – que os franceses recusaram.
Hoje, Mélenchon tem um plano A e um plano B para a Europa. A primeira escolha será “uma saída concertada dos tratados europeus, através do abandono das regras existentes por todos os países que o desejem, e a negociação de outras regras”. As regras que quer abolir são o Pacto de Estabilidade e Crescimento, o limite dos 3% do défice, o Acordo Comercial da UE com o Canadá ou a directiva da livre circulação de trabalhadores.
O plano B, se não houver países-membros suficientes interessados em abrir esta discussão que propõe, se chegar à presidência, seria “a saída unilateral da França dos tratados europeus, para propor outras formas de cooperação”. Propõe então “requisitar o Banco de França para transformar o euro em moeda comum e já não única”, segundo diz o seu programa, e instaurar “o controlo de capitais e de mercadorias nas fronteiras nacionais.”
Eleitores insubmissos
Propostas como estas fazem com que mesmo figuras conotadas com o centro-esquerda francês vejam com preocupação a subida de Mélenchon. E muitos dos que dizem que vão votar de certeza no ex-socialista – que agora se apresenta numa candidatura denominada França Insubmissa – afirmam que não votarão por mais ninguém na segunda volta. Esta pode ser a escolha de 42% dos seus eleitores, segundo o instituto de sondagens IFOP. Nem sequer por Emmanuel Macron, o candidato independente mais próximo do centro-esquerda, para impedir que a vitória de Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita Frente Nacional.
“A abstenção dos eleitores da França Insubmissa pode tornar-se um factor determinante”, disse ao Politico Jérome Fourquet, do IFOP. “Muitos vão considerar impossível votar em Macron – quantos, é impossível dizer. O que parece claro é que o voto útil que vimos em 2002 [quando Jean-Marie Le Pen passou à segunda volta e o candidato socialista, Lionel Jospin, foi eliminado], que permitiu impedir Le Pen de chegar ao poder, não vai funcionar desta vez.”
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