sábado, 13 de maio de 2017

Da cadeia, Dirceu defende mudança no PT e quer guinada à esquerda em 2018



Dida Sampaio|Estadão







Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
03 Maio 2017 | 05h00
Dias antes de ter a prisão revogada, José Dirceu escreveu do cárcere uma carta de 14 páginas à qual o Estado teve acesso. Comparou os delatores que o acusam a “cachorros da ditadura”, defendeu uma virada à esquerda do PT, criticou o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a ação do juiz Sérgio Moro. Qualificou como golpistas o governo Temer e a mídia. E, diante do risco do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ser candidato em 2018, em razão dos processos em que é réu na Operação Lava Jato, o petista escreveu: “Darão outro golpe, condenarão e prenderão Lula? Serão capazes dessa violência e ilegalidade? Veremos”.
A carta em papel almaço e a letra miúda e cursiva remetem à imagem das correspondências mantidas pelos presidiários comuns. Mas as palavras são as de um político. Não de um qualquer, mas de alguém que simboliza a “tragédia de uma geração, a de 1968”, como disse um de seus ex-companheiros, o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ). Alencar conviveu com o ex-ministro e deixou o PT no início da crise provocada pelo mensalão, em 2005.
Dirceu leu 28 perguntas e, com base nelas, construiu sua última carta do cárcere. Reafirmou seu álibi e sua interpretação sobre os processos do mensalão e da Lava Jato, misturando no documento análise política e o que seria o programa para um futuro governo petista. 
Condenado a 32 anos e 1 mês de prisão por Moro em dois processos da Operação Lava Jato, o petista escreveu do Complexo Médico-Penal, em Pinhais, no Paraná. Desde 2016, ele enviava cartas para companheiros de partido, grupos internos e amigos tratando de seu caso, do futuro da esquerda e das táticas para 2018. “Na prisão ou em liberdade, sou um militante político e sempre serei”, escreveu.
Prisão. O ex-ministro descreveu sua rotina no cárcere. Sua cela de três metros de largura por seis de comprimento tem três camas. O antigo condestável da República, cujos cabelos aparados expõem sua calva, escreveu durante os dias 30 de março, 4, 5 e 6 de abril. “É muito triste para nós que convivemos com ele desde a luta pela redemocratização vê-lo preso. No fim, tudo aquilo que se podia imaginar de pior na forma de eles agirem, de manter o poder a todo custo, se mostrou verdade e real. E isso é muito pesaroso”, afirmou o vice-presidente do PSDB, Alberto Goldman.
Apesar do que pensam seus adversários políticos, o petista escreveu na carta que espera ser absolvido. “Se há juízes em Brasília sairei da prisão e serei absolvido. Trata-se de um processo político, sumário, de exceção.” E criticou as decisões de Moro. “Na prática, eu estou condenado à prisão perpétua. Basta somar as penas – 32 anos e 1 mês que, mesmo unificados, como determinou o juiz, são 25 anos e 6 meses. Como não se autoriza a progressão penal sem a reparação do dano, serei obrigado a cumprir a pena em regime fechado. Toda a pena.” Dirceu escrevia antes do julgamento do habeas corpus pela 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que o libertou.
Ele disse que as delações na Lava Jato são “forçadas, ilegais fruto das prisões preventivas, ameaças de pena sem direito a responder em liberdade ou progredir”. “É delação ou prisão perpétua. Feitas de encomenda e de comum acordo são como os chamados ‘cachorros’ (presos que, sob tortura, aceitavam mudar de lado) da ditadura.”
Ao seu interlocutor, Dirceu afirmou ainda: “Não tinha e não tenho que delatar”. “Não participei das campanhas do PT de 2006, 2010 e 2014. Não fiz parte de sua direção ou da Executiva, com exceção do diretório nacional de 2009 a 2012, sem nenhuma função ou cargo”.
Política. Em sua carta, Dirceu afirmou que Dilma Rousseff “foi deposta por um golpe”. “Não há justificativa para a ruptura do pacto constitucional de 1988. Hoje a verdade vem à tona: um presidente repudiado por 80% dos brasileiros, um programa de reformas que é uma regressão social e política, um Congresso em pânico e uma mídia que assiste ao fracasso de sua guerra midiática contra o PT, Lula e o governo Dilma.”
Para ele, a médio prazo a “Justiça e a democracia se restabelecerão” no País. O futuro de Lula, de Dilma, do PT “não está decidido”, e os petistas devem protestar e “acreditar”. 
Em sua carta, Dirceu traça uma estratégia para o PT. “Nada será como antes e não voltaremos a repetir os erros. Seguramente, voltaremos com um giro à esquerda para fazer as reformas que não fizemos na renda, riqueza, poder, a tributária, a bancária, a urbana e a política. Não se iludam vocês e os nossos. Não há caminho de volta. Quem rompeu o pacto que assuma as consequências.” Para ele, nada impede que o partido apoie, se for o caso, a candidatura de Ciro Gomes (PDT) em 2018. “Devemos nos unir no 1.º ou, seguramente, no 2.º turno.” 
Dirceu defendeu ainda a anistia ao chamado caixa 2. “Sou favorável à Justiça, ao respeito à lei e à Constituição, à igualdade perante a lei. Não se pode aplaudir a anistia a centenas de bilhões de reais remetidos ilegalmente ao exterior por centenas de cidadãos, crime de sonegação e de evasão de divisas, de corrupção e lavagem e, não só se opor, mas se ‘escandalizar’ e se ‘indignar’ por puro farisaísmo à anistia do chamado caixa 2, como bem destacou o ministro Gilmar Mendes”, escreveu.
Justiça. Por fim, o petista afirmou que juízes e promotores devem obediência à lei, em vez de “interpretar e legislar como aconteceu hoje em Curitiba”. “Juízes e promotores têm lado, ideologia, são aliados de forças políticas e econômicas que deram o golpe. Foram transformados em celebridades.”
E conclui: “É preciso aprovar a Lei de Abuso de Autoridade, rejeitar as 10 medidas (contra a corrupção) e submeter o Ministério Público Federal à lei. Abrir a caixa-preta de seus vencimentos, vantagens e privilégios, colocar o MPF sob controle externo e devolver à PF a sua função constitucional de polícia judiciária da União”. 
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EM ALTA

Nem Dilma, nem Lula, ninguém do PT. ‘Nunca mandaram nenhum recadinho de apoio’

Delatora Monica Moura diz que ela e o marido João Santana não receberam solidariedade quando foram presos na Operação Acarajé, em fevereiro de 2016
Fausto Macedo, Rafael Moraes Moura, Breno Pires, Bernardo Gonzaga, Deivlin Vale* e Liana Costa
12 Maio 2017 | 17h13
Mônica Moura, mulher do marqueteiro João Santana, que está presa em Curitiba, alvo da Lava Jato
A empresária Monica Moura reclamou, em sua delação premiada, que ninguém do PT procurou a ela ou ao seu marido, o publicitário João Santana, para prestar solidariedade quando foram presos pela Polícia Federal, em fevereiro de 2016, na Operação Acarajé, desdobramento da Lava Jato.
Em depoimento a procuradoras da República, Monica foi indagada. “Na prisão alguém do Partido dos Trabalhadores procurou vocês?”
“Nunca, nem nossos filhos pra dizer uma palavra de apoio, nunca”, respondeu a delatora.
“A Dilma não?”, indagou uma procuradora.
“Nunca.”
“Nenhum emissário da Dilma?”
“Nunca, nunca.”
“Não tinham medo que vocês falassem alguma coisa?”, seguiu a procuradora.
“Imagino que sim, imagino que sim, mas nunca mandaram nenhum recadinho de apoio, nem um recadinho de ameça, nem um recadinho de medo, nenhuma… nada, nada, zero, nem ela (Dilma)”, afirmou Monica.
“Por que isso?”
“Sei lá, medo de se envolver em alguma coisa, medo de…sei lá, medo, desespero.”
“Nem Lula?”
“Não, nunca mais desde essa época, tem um ano, que não falamos com nenhum deles.”
A procuradora perguntou, então, se quando ainda estavam em liberdade, mas já acuados pela Lava Jato, se não pensaram em falar com o ex-presidente Lula.
“Não, com Lula não”, disse Monica.
“João não falou com Lula?”
“Com Lula, não. Nessa época, não. Isso foi em 2015 já.”
“Não tinham a impressão que como Dilma não estava resolvendo, Lula não podia interceder?”
“Dilma era presidente da República. Se ela não podia resolver, imagina Lula que não era mais nada. Era uma coisa que não tinha saída, não tinha muito o que fazer. Fugir a gente não ia jamais. Ela (Dilma) não podia chegar e proibir nossa prisão.”
*Sob supervisão de Fausto Macedo
https://www.youtube.com/edit?o=U&video_id=x4PLbEyN3x4
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