QUEM ANDA DE CARRO PARTICULAR AINDA É POBRE?
Advertência: o texto é longo e provavelmente impopular. Quem quiser ler, compromete-se que leia até o fim.
As reacções aos últimos ajustamentos de combustíveis chamaram-me
atenção para alguma ambiguidade que caracteriza a nossa cultura
política. Bem, pode ser que esteja a entender mal, porém, se todos
sentimos fome e os que podem dizer algo fazem-no em nome dos
desfavorecidos, então, existe alguma coisa que está errada em toda esta
história.
Ora, ao que sei, apesar do Estado ajustar em alta o
preço dos combustíveis, ele ainda o subsidia, em nome da tal "proetcção
social" por um lado e algum "eleitoralismo" por outro. A estas alturas, o
preço real do combustível (digamos, gasolina por exemplo) deveria
rondar os 70 meticais o litro. Na maioria dos países, os combustíveis
representam uma importante fonte de receitas para o Estado. Peguem por
exemplo, o caso de Portugal, onde segundo minhas informações, 55% do
preço de um litro de diesel corresponde a impostos. Não conheço a
fracção dos impostos cobrados pelo nosso Estado aos combustíveis mas sei
que subsidiava 30% quando o dólar rondava os 40 meticais/US$. Dos meus
cálculos, o Estado ainda subsidia hoje em 13%/litro o preço dos
combustíveis; ou seja, ele ainda gasta para que cada um de nós continue
se fazendo à rua no seu automóvel particular. ISTO, não é justiça
social. Daí a pergunta: Quem detêm uma viatura ainda precisa de
subsídio?
A resposta simples e mais óbvia que viria de muitos dos
meus leitores que possuem viaturas particulares é obvia e previsível: O
sistema de transportes é insuportável, inviável e anti-humano.
Certíssimo. Porém ignoram que os únicos que podem pressionar as
autoridades a proverem melhor serviço de transporte não são infelizmente
aqueles que dele dependem hoje. São, curiosamente os que podem; os que
detêm viaturas particulares; os que escrevem "em nome do povo"; os que
rejubilam quando o combustível é barato e zangam-se "em nome do povo"
quando ele sobe.
A minha teoria é que não teremos melhor sistema
de transporte, melhores estradas, melhores condições de
transitabilidade enquanto os que podem fazer-se ouvir não sentirem na
pele a necessidade de melhorar tais condições. Se estes continuarem a
beneficiar dos subsídios do Estado e ainda poderem chantagea-lo a
manter tais subsídios, esqueçam. Os que podem pagar 100 meticais o dia
para um transporporte conforável e seguro de Marracuene a Maputo (que é
em teoria o que se gasta em combustível numa viagem de ida e volta)
estão em suas viaturas particulares. Ou seja, enquanto o Estado
continuar a alimentar a ilusão nos dois lados pouco ou nada avançará. É
preciso que o preço real caia por cima daqueles que devem pagar pelo
produto para que estes entendam que existe uma alternativa real, à qual
vale a pena lutar-melhor transporte público.
A minha segunda
teoria de mudança é que não será possível sair-se de viaturas
particulares a automotora ou comboio elétrico sem que os que ora se
beneficiam do subsídio do estado desçam das suas viaturas, engajem-se
nos Mylove ou, paguem o preço real do serviço. Lá onde o sistema de
transporte é eficaz , curiosamente, sustentar uma viatura é
extremamennte caro ao ponto de ser desencorajador. Lá onde os istema de
transporte é melhor, onde as pessoas já não vêm necessidade de obter uma
viatura, os seus cidadãos pagam o preço certo.
Ter carro ou comer
pão não são necessariamente apêndices da conquista nacional. Acesso ao
transporte e alimentação sim são. Comer pão-de-forma ou andar de viatura
própria são sim corolário de quem pode.
Portanto, para mim, o
subsidio aos combustíveis deve ser dirigido a sectores produtivos:
agricultura, transporte. Os outros que paguem o preço certo. Isto
deveria ser urgente, para que os “que se intitulam porta-vozes dos
pobres” sejam capazes de verem na prática onde o governo está a
priorizar. É injusto que se faça tanta confusão em prol dos subsidios de
combustível aos portadores de viaturas próprias quando temos ainda
gente precisando desse mesmo dinheiro para matar a fome. É impróprio
ver um agricultor pagando o mesmo preço pelo diesel com um turista. Não
faz sentido que os transportadores públicos e semicoletivos paguem um
preço aproximado ao portador de uma viatura particular. Não, isso não é
justiça social e faz muito mau gosto para quem pensa estar a falar em
nome do “povo”.
Entendo que o Estado tema por convlusões sociais e
alguma penalização eleitoral. Na verdade, convulsões socais podem
surgir se o estado continuar com este tipo de nivelamento, querendo
agradar gregos e moçambicanos (e não troianos) pela mesma medida. Não
funciona, como diria Egidio Primeiro, meu filho. E AOS DEMAIS, WATCH OUT
– como diria Desmond Tutu. Há quem queira fazer passar-se pelos
“porta-vozes do povo”quando fá-lo em nome de seus interesses pessoais.
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