terça-feira, 4 de junho de 2013

Primavera Turca ou aborrecimentos temporários? : Voz da Rússia

     

Primavera Turca, Turquia, protesto, políticaTumultos multitudinários não amainam na Turquia. Tornaram-se grande sorpresa para as autoridades locais que não estavam prontas para as manifestações de dezenas de milhares de turcos, seu caráter, motivos e ainda menos a evolução das palavras de ordem: desde protestos contra destruição de um parque em Istambul até exigências da demissão do governo.

 A onda de protestos inundou Ancara, Istambul e Esmirna, isto é, as principais cidades do país. Os manifestantes constroem barricadas e atiram pedras, a polícia responde com gás lacrimogêneo. Os detidos são contados aos milhares.
 A Turquia bastante próspera não presenciava nada parecido durante anos a fio. Um protesto violento das ruas, segundo pensavam muitos, passou a ser um anacronismo relegado aos anais da história. Contudo, o gênio foi liberado da garrafa. E o primeiro que vem à cabeça é que ele deveras aí estava. É pouco provável que semelhante desenrolar dos acontecimentos pudesse ser provocado tão só pelo fato de a polícia reprimir duramente protestos contra a remodelação de um pequeno parque Gezi, situado no bairro istambulense de Taksim. As causas radicam, evidentemente, mais fundo. Ao respeito disso existem várias versões.
 Alguns acreditam que os atuais confrontos têm sua origem no descontentamento com o projeto de lei sobre restrições de consumo de álcool. Outros relacionam-nos com a modificação da forma de governo e a passagem da república parlamentarista-presidencialista para república presidencialista. O que, aliás, oferece ao premiê em exercício, Recep Tayyip Erdogan, boas chances para se tornar, nas eleições de 2014, chefe de Estado dotado de amplíssimos poderes. Também há muitos que compartilham a ideia de que o crescimento da economia turca causou o efeito da "classe média protestante", a qual aspira a ter mais liberdade.
 O cientista político russo Stanislav Tarasov frisou a necessidade de analisar as causas dos acontecimentos atuais com todo o cuidado.
 "Com certeza, as comoções na Turquia serão detalhadamente estudadas. Em primeiro lugar, pelos peritos turcos. É óbvio que o problema não consiste no "combate por salvar árvores" nem inclusive na aprovação da lei que restringe a venda e o consumo de álcool. Tudo é muito mais complicado".
 Stanislav Tarasov completou a lista de possíveis causas dos protestos maciços. Assim, a política de "islamização suave", aplicada pelo governo, não está apoiada por setores consideráveis da sociedade turca. Por isso, o plano de construir uma mesquita no lugar do Centro Cultural Ataturk, mais um motivo dos tumultos, foi aceite como um golpe do partido governante contra o legado do fundador da República da Turquia, Mustafa Kemal. A política exterior do país também provoca tamanha inquietude da população. Sobretudo, a ajuda descoberta das autoridades à oposição síria.
 Como já foi dito antes, a violência policial só atiçou o descontentamento, mas não foi ela que o originou. Aliás, o uso desproporcional de força ainda trará problemas adicionais às autoridades turcas, inclusive no que diz respeito à imagem do país no exterior. A Turquia arrisca perder o semblante de um país democrático, para cuja criação foram sacrificados tantos recursos. A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, já exprimiu "uma profunda preocupação pela violência que tem lugar em Istambul e algumas outras cidades da Turquia". A União Europeia sugeriu a Ancara que abra um diálogo político a fim de solucionar a crise. Mas não está bem claro qual poderia ser seu formanto, levando em conta que os protestantes se mostram extremamente resolutos e exigem a demissão de Erdogan.
 A analista da Voz da Rússia, Olga Haldyz, que se encontra em Istambul, falou com destacados jornalistas turcos que lhe expressaram sua opinião acerca do acontecer atual.
 "De acordo com representantes da mídia local, é pela primeira vez que na Turquia se levanta tal movimento de protesto, espontâneo e não organizado por ninguém, não centralizado. Antes, as massas do povo eram convocadas a sairem às ruas por certas organizações. É o primeiro protesto de grande envergadura nos dez anos de governo do Partido de Justiça e Desenvolvimento. Aponta contra o premiê Erdogan, o que é bastante assombroso. Ainda há 5 ou 6 dias, não havia tais ânimos. Os protestos deram-se no momento culminante do processo de solução pacífica do problema curdo, quando a tranquilidade interna é importante no país. A Turquia está vivendo um período crítico, ressaltam os jornalistas".
 O presidente da Turquia, Abdullah Gul, disse que é necessário "abordar com responsabilidade as manifestações que alcançaram dimensões preocupantes". Erdogan foi mais duro e mesmo radical em suas declarações. Para ele, se uma pessoa consome bebidas alcoólicas é um alcoólatra, enquanto os protestantes são bandidos e extremistas. Ontem, 3 de junho, o premiê partiu para visita oficial a Marrocos, Argélia e Tunísia. E não se sabe como será o país em que ele voltará dentro de um par de dias.
Ilia Kharlamov, Olga Haldyz, Stanislav Tarasov

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