terça-feira, 4 de junho de 2013

Fazer negócios em Moçambique ou enterrar-se em Moçambique?

Canal de Opinião
Por: Noé Nhantumbo
 
No “terreno pantanoso e escorregadio” da concorrência desleal pouco se faz…
Beira (Canalmoz) - Um dos assuntos aflorados com frequência mas que é raramente discutido com profundidade e consequência é o tráfico de influência que reina no país. Relações empresariais e comerciais estabelecidas sob o signo do apadrinhamento e do nepotismo, do favorecimento de “camaradas” e da exclusão dos outros considerados como adversários fermentam e criam crispação social. Não deveria haver dúvidas de que a crise vivida nos dias de hoje é um dos resultados da inexistência de democracia económica mais do que política.
Quando se acordou a paz e se rubricou o AGP parece não ter havido a preocupação de acomodar os interesses económicos dos moçambicanos em geral. A opção de criação de uma “ilha social” de ricos de uma só cor partidária vingou. Uma estratégia fortemente perseguida de açambarcar todos os instrumentos de definição e implementação da política económica colocou largos milhões de moçambicanos fora de órbita.
O entusiasmo dos primeiros anos de paz foi rapidamente substituído por uma crescente desconfiança entre muitos dos interlocutores políticos.
Começou a ficar patente de que a luta pela democracia havia logrado muito pouco em termos práticos.
De maneira subtil mas sincronizada começou a transparecer que as rédeas do poder político continuavam nas mesmas mãos e que o alcance das concessões políticas não se traduzia em benefícios económicos para a maioria.
Declarações firmes proclamando a primazia da confiança política para preenchimento de vagas nos ais relevantes cargos governamentais a todos os níveis travaram a construção de um ambiente de confiança que ultrapasse as esferas partidárias.
Em concreto, o projecto e construção da moçambicanidade conheceu revezes sérios. Continuou-se a falar de “Unidade Nacional” mas isso começou a ser visto como uma tentativa monocromática de submissão de uma maioria aos desígnios e agendas dos detentores do poder.
Sem uma agenda clara de democratização política que transformasse em profundidade e abrangência o panorama nacional, as crises entre os políticos de diferentes partidos não tardaram.
“Cortar as pernas” dos aspirantes a qualquer protagonismo socioeconómico que não comungassem nem alinhassem com a política do partido no poder foi instituído como prática a seguir em todos os domínios.
Isso foi conseguido com êxito mas teve e conheceu reacção activa dos excluídos.
Todo o barulho em volta do incumprimento do AGP deve ser visto como uma repercussão directa da incapacidade de implementar políticas abrangentes e inclusivas.
Os que sempre se bateram contra as assimetrias regionais, encontraram suas reivindicações satisfeitas, a partir do momento em que um dos signatários do AGP se colocou em posição de reclamar de maneira viva.
Rapidamente toda a contextualização se alterou e sectores esclarecidos da sociedade vieram a público dar razão a um partido que era tido como moribundo.
As bases de sustentação do poder da Frelimo sofreram um abalo e o governo foi apanhado em contra pé, habituado que estava a uma postura pouco organizada do principal partido político da oposição.
Com clivagens internas significativas, alas se rebelando contra a liderança da Frelimo e reclamando por um protagonismo que se encontra ameaçado, o país conhece sobressaltos únicos e desconhecidos até aqui.
Não é só a oposição política que reclama do establishment. De dentro da Frelimo multiplicam-se vozes discordantes com o rumo do país.
Uma leitura das mais recentes declarações provenientes dos meandros da Frelimo aponta para uma firme oposição das opções escolhidas pelo governo na arena económica.
Os mega-projectos começam a ser cavalo de batalha para várias correntes. Desde alguns centros de pensamento a académicos independentes, comunicadores sociais e políticos de relevo da I e II repúblicas, as vozes conjugam-se para denunciar as opções governamentais. Reclama-se o tipo de contrato assinado com as corporações internacionais que exploram recursos minerais moçambicanos. Reclama-se o tipo de benefícios fiscais e contrapartidas fiscais retidas pelo país. Mas fica bem claro que um dos motores da reclamação quase que generalizada é o facto de uma minoria obediente e relacionada coma actual liderança da Frelimo e do governo estar a açambarcando tudo. Os que estavam satisfeitos com o modelo adoptado pós AGP sentem-se excluídos e ensaiam uma rebelião através dos meios de comunicação social onde encontram espaço para se manifestarem.
As entrevistas e artigos de opinião que não param de surgir, confrontando o governo para uma realidade que este procura ignorar, são sinais de descontentamento real. Embora sem muitas vezes se referirem directamente ao governo do dia e seus titulares, torna-se evidente que aqueles membros da Frelimo descontentes, sem espaço para se manifestar no interior do partido, encontram as válvulas que já não tinham.
É esse o panorama actual que activa uma confrontação política com contornos novos, profundos e de consequências desconhecidas bem como imprevisíveis.
Sem um consenso interno a Frelimo já não é aquele partido tão coeso como parecia. A Renamo embora tenha recuperado sua presença e substituída uma aparente desagregação, encontrou forças e alento para estruturar suas reivindicações de maneira clara e inequívoca. Uma oposição dita “construtiva” que mais parece obra dos serviços de inteligência afectos ao poder, calou-se porque perdeu matéria para falar e porque de seus mentores esgotou-se a capacidade de orientar. Contra a posição de colossos intelectuais e políticos não há muito que posa ser dito. É cada vez mais difícil defender as posições governamentais. Uma “política de avestruz” ferozmente perseguida, em que tudo vale para fazer crescer impérios económicos e financeiros, parece destinada a exacerbar os ânimos no seio de um partido habituado a um forte centralismo.
“Doing Business” em Moçambique está no ranking internacional actual devido a todo um emaranhado de posicionamentos. Só pode entrar e fazer negócios no país quem aceite as “regras não escritas” do tráfico de influências. Encontra facilidades quem aceita joint-ventures de natureza duvidosa, em que uma parte só entra com a assinatura e a terra ou os edifícios “alienados”.
É neste ambiente que se constroem fortunas e prolifera o luxo a exibição.
Se o “boom imobiliário” é explicado pela PGR como algo estranho e insustentável com a economia nacional, o governo não aparece explicando as linhas com que se “coze” a economia. Discursos discordantes, ausência de concertação programática e estratégica denunciam um desnorte progressivo do governo.
É neste e com este panorama que se fazem os grandes negócios em Moçambique.
O recrudescimento da actual crise denota que novas abordagens são requeridas de modo urgente. É a política que precisa de questionamentos firmes e corajosos.
Já é por demais evidente que a crise ultrapassa a esfera das reivindicações da Renamo. É um regime em crise profunda e com a gravidade de que no seio de seu partido de suporte não se vislumbra uma vontade de atacar os problemas reais.
Quando até um processo de extrema importância, como as eleições, aparece perturbado por um aprovisionamento questionável e equipamento e consumíveis, na esteira do já habitual sistema de adjudicação directa sem concurso público, cresce a desconfiança sobre o ambiente de negócios no país.
Este é o país real e não aquele das estatísticas macroeconómicas favoráveis e aplaudidas em certos círculos.
O capital de experiência política e governativa existem embora da parte do governo continue uma postura questionável de não atender as reclamações e sugestões.
Não se pode continuar a insistir com um modelo que só aprofunda o fosso entre ricos e pobres. Se a pobreza da maioria não para de crescer alguma coisa está profundamente errada.
Cabe aos políticos reconhecerem o actua estado de coisas e avançarem para caminhos que viabilizem o país no lugar de persistirem em erros crassos… (Noé Nhantumbo)
 

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