domingo, 30 de junho de 2013

O fim às máscaras

O fim às máscaras

Da PAZ sem paz para a PAZ em paz.
João Mosca
Os poderes esqueceram os sacrifícios da guerra pela independência. Têm memória curta em relação à guerra civil. Dezenas de milhares de mortes, milhões de deslocados e refugiados de guerra, fome, sofrimentos, crise económica, destruição de infra-estruturas, desarticulação dos tecidos sociais e familiares, colapso no funcionamento da economia, etc., parece que não foram suficientes para se aprender o valor da paz. Não importa aqui referir as motivações, das partes envolvidas para o início e manutenção das guerras.
Simulações manipulatórias de intenções de negociações multiplicaram-se nos últimos tempos. Pode-se deduzir que nenhuma das partes estava interessada em algum acordo naquelas mesas de negociações. As verdadeiras conversações parecem terem outras agendas e outros negociadores. Os assuntos agendados para a mesa das conversações “oficiais”, não são a causa da subida dos tons discursivos e episódios de conflitualidade social e armada.
O discurso patético e falso de Moçambique como um país de paz e com estabilidade económica cai por terra. As máscaras que pretendiam legitimar políticas económicas erradas de Bretton Woods seguidas subservientemente por elites locais mostram de forma crua as suas faces: mais pobreza, maior dependência externa, agravamento das desigualdades sociais, exclusão social, crise alimentar, corrupção, selvajaria económica, perda de valores éticos de coesão social, riqueza concentrada, predadorismo de recursos naturais, discursos ofensivos para com os cidadãos por parte de membros do governo. Concentração do poder, perdas de democraticidade e desinformação oficial militantemente desenvergonhada.
O exemplo de um país de sucesso de estabilidade em África desmorona-se. A PAZ sem paz parece ter chegado ao fim. Fortes indícios indicam o início de uma nova guerra. Acontecimentos de Nampula e Muxúnguè, o ataque ao paiol de Savane, na Estrada Nacional Nº 1, combates da Gorongosa, movimentações militares, incluindo, ao que se diz, de forças externas, discursos belicistas de ambas as partes, fundamentam o galopar para um possível novo conflito armado. No âmbito geral, multiplicam-se manifestações de instabilidade social com diferentes manifestações, greves e discursos radicalizados. As organizações da sociedade civil clamam por PAZ em paz que ambas as partes não ouvem. A população Da PAZ sem paz para a PAZ em paz. O fim às máscaras não quer a guerra. Sobre ela recairá o fundamental dos sacrifícios: mortes, mais pobreza, fome, deslocações forçadas, acantonamentos de refugiados e deslocados do conflito etc.
Quais as motivações deste novo eventual conflito? Sem dúvida, a riqueza do país e a ambição das elites pela acumulação, corrompendo-se. Não muito diferente dos exemplos de uma África roubada, também pelas elites locais, que tão bem aplicam os ensinamentos do capitalismo e fascismo colonial. Os ideais de Amílcar Cabral, Eduardo Mondlane, Kwame Nkrumah, Moise Tshombe, Nelson Mandela, Samora Machel, cada um com as suas virtudes e defeitos, mas principalmente com os ideários de uma África independente, justa e desenvolvida, foram capturados por elites minoritárias medíocres politicamente, tecnicamente incompetentes e eticamente corruptas, que assaltaram o poder para, em nome do povos, dele satisfazerem os seus mesquinhos interesses. A história não os absolverá. A história será feita pelas novas gerações. O engano acabará. O título de um texto que circula na internet diz sensivelmente: África deve libertar-se dos seus libertadores.
Nada justifica a guerra. Nem de quem a inicia com o primeiro tiro, nem de quem não tem estatura de Estado para evitar esse primeiro tiro, nem dos que não foram capazes de a evitar, não obstante os fortes indícios dessa possibilidade. Excepto se as partes encontrarem imediatamente elementos de compromisso por em cima de interesses individuais, de grupos, de partidos ou de caprichos e maus-feitios. Não há discursos justificativos ou acusatórios que fundamentem alguma guerra. E parece que se está nessa retórica barata.
É preciso ter cuidado com os erros de cálculo. Nada indica que, porque não existam países para uma retaguarda de logística ou de fornecimento oficial de armamento, que a guerra não possa acontecer. Há múltiplos negócios de armamento e os vizinhos nem sempre são o que parecem ou, também nelas existem forças não hegemónicas. Soluções do tipo Savimbi não são replicáveis em Moçambique. A Frelimo não é o MPLA, o exército angolano não é o moçambicano a Renamo não é a Unita nem Dhlakama é Savimbi. A sociedade moçambicana de 2013 não é a sociedade angolana dos princípios deste século. O capital internacional não parece tão certo que Guebuza seja indefinidamente o parceiro de que necessitam. A política e diplomacia internacional possuem crescentes reservas relativamente ao poder de Maputo. Resta saber até que ponto as multinacionais e os respectivos países poderão influenciar (ou forçar) uma solução imediata do iminente conflito. Não é certo que o poder seja monolítico e muito menos quando a sua reprodução esteja em perigo. Existem evidentes sinais da existência de opiniões diferentes e não propriamente apenas no que se poderia enquadrar no contexto de pluralidade democrática. Há diferenças ideológicas, de políticas e da forma como a governação actua. A sociedade de hoje não é aquela de há uma década. O país não é tão “robusto” como a propaganda pretende demonstrar. As recentes cheias, os seus efeitos e a capacidade de resposta na reparação dos danos causados, a avaria eléctrica na EDM, os cortes sistemáticos do transporte de energia de Cahora Bassa, testam a fragilidade da capacidade organizacional e das instituições. O recenseamento para as eleições revela debilidades organizativas, excepto se forem propositadas. Em resumo, são evidentes as fortes fraquezas em que assenta o tal crescimento robusto, a estabilidade económica e a paz em Moçambique.
Qualquer que seja a solução pontual, as soluções duradouras terão de ser internas. E estas passam necessariamente por alterações profundas de políticas económicas e sociais, pela democratização efectiva e o fim do autoritarismo e da arrogância, pela governação transparente e pelo combate eficaz contra a corrupção, pelo fim da promiscuidade entre política e negócios, por uma melhor distribuição das oportunidades, por mais e melhores serviços aos cidadãos, por maior respeito pelos cidadãos e dos direitos humanos.
O amanhã não deverá ser mais idêntico ao passado. Mesmo que desejavelmente não exista agravamento e prolongamento da situação actual de conflito, muita coisa deverá mudar. O primeiro seria o governo. Uma remodelação profunda até ao nível das províncias e distritos para uma governação de unidade nacional com governantes de reconhecido mérito, competência e integridade ética e moral. A despartidarização do Aparelho de Estado e das forças de defesa e segurança. A realização de eleições antecipadas. Só assim a paz sem paz existente até há dias poderá ser substituída por uma paz em paz.
A voz popular veiculada pelos órgãos de informação é sábia: “o país é rico, eles não podem comer tudo sozinho, é necessário distribuir o bolo” e acrescenta a voz do povo: “o governo tem de se sentar com a Renamo e resolver a situação”. Agora, quem fala ou escreve, não são os apóstolos da desgraça, os anti patriotas, os distraídos e os que não querem o desenvolvimento. Agora é o tempo do governo mostrar ser patriota, atento e revelar que quer o desenvolvimento equitativo e que beneficie o povo. Escrever mais para quê?
SAVANA – 28.06.2013

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