segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Marcello e Spínola: a Ruptura; As Forças Armadas e a Imprensa na Queda do Estado Novo; Portugal 1973-1974

Manuel_bernardo_2011Manuel_bernardo_RochaVieira2011Alocução do Cor. Manuel Bernardo:

- Cumprimentos: Generais Tomé Pinto, Vasco Rocha Vieira, Evandro Amaral e Jorge Barroso de Moura, Representante do EME e do Museu Militar, que me honraram com a sua presença, e os camaradas oficiais e sargentos que me deram o gosto de estar neste encontro. Os cumprimentos vão igualmente para todos militares e civis, que aqui compareceram e a quem sinceramente muito agradeço.
Cumprimento igualmente os membros da mesa, o Coronel Luís Villas-Boas, vindo de Faro, minha terra natal e que amavelmente correspondeu ao meu convite para apresentar esta edição; e o editor Jorge Castelo Branco, da Editora Edium, que se deslocou do Porto e quis arriscar o seu investimento em mais esta edição do livro “Marcello e Spínola; a Ruptura; As Forças Armadas e a Imprensa na Queda do Estado Novo; 1973-74.
Quando pensei em lançar esta edição, considerei ser minha intenção alcançar dois objectivos. Reconciliar-me com o Exército e fazer a despedida da minha actividade editorial, já que a idade não perdoa.
Muitas pessoas poderão questionar o que eu queria dizer quando escrevi no texto de divulgação desta apresentação de que se trataria de uma minha tentativa de reconciliação com a instituição Exército.
Antes desse esclarecimento desejo salientar que enveredei por esta aventura da publicação de livros, após inicialmente, em 1977, ter decidido desmascarar uma situação maquiavélica em que fui envolvido, durante o PREC.
Depois, como resultado da designada Lei dos Coronéis, decidi ir frequentar um Curso pós-laboral na Universidade Católica Portuguesa.
Assim, a investigação e a publicação de sete livros ao longo destes últimos vinte anos (alguns com edições posteriores mais actualizadas), acabaria por ser a minha maior ocupação; e para quem não sabe poderei dizer que me deu grande satisfação pessoal, apesar das receitas mal terem dado para pagar as despesas.
E para terminar esta odisseia, a minha última editora (a Prefácio), onde publiquei quatro livros, seria pasto de um incêndio provocado pela EDP, que penetrou no edifício, a partir do exterior. E dada a maneira como funciona a Justiça neste país, qualquer seguradora para evitar pagar o que seria desejável face ao contrato com os clientes, avança com um processo judicial, que apenas será resolvido bastantes anos depois.
Deste modo eu e vários autores, incluindo militares como os Coronéis Lomba Martins, Pires Nunes e Proença Garcia, viram as suas obras queimadas e sem poderem chegar ao grande público. Enfim, contingências dos tempos turbulentos que vivemos.
Agora, se me permitem, irei tentar explicar o sucedido em 1974/75, na gestão e avaliação dos Oficiais das Forças Armadas e nomeadamente do Exército.
Imediatamente a seguir ao golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, como sabem, começou uma revolução manipulada e dirigida pelo PCP, único partido político implantado em Portugal, do antecedente.
Um dos processos utilizado para manter a pressão e mesmo o terror sobre a grande maioria dos elementos Forças Armadas, que não tinham participado na contestação ao regime deposto, foi o dos designados saneamentos, isto é, a passagem compulsiva à reserva dos oficiais do Quadro Permanente (não houve saneamentos na classe de sargentos), nos termos de um Decreto-Lei 309/74 de 8 de Julho.
Nele se afirmava que, nuns designados Conselhos das Armas ou de Especialidades, todos os oficiais da respectiva Arma ou Especialidade, “seriam apreciados no que respeita à sua idoneidade moral, competência profissional e folha de serviços”.
Só que a realidade veio a demonstrar ser bastante diferente daquilo que se pretendia.
A maneira como tal processo foi efectivado, com as avaliações feitas em reuniões secretas e de braço no ar e sem dar a conhecer aos oficiais daquilo que eram acusados, nem a hipótese de se defenderem nos termos dos mais elementares direitos constantes da Declaração Universal dos Direitos do Homem, se transformou numa vergonha nacional.
O meu amigo Coronel Joaquim Vasconcelos, num artigo que escreveu para o “Expresso” a meu pedido, em Fevereiro de 1975, apelidou tais saneamentos de tipologicamente nazi-soviéticos.
O General Sousa Meneses sobre o tema, numa entrevista para o meu livro ”Memórias da Revolução; Portugal 1974-75” afirmou que “a revolução brandia uma arma terrível que quase paralisava a vontade dos quadros permanentes e acrescentava (passo a citar):
“ Sabia-se que essa arma tinha sido decisiva nas revoluções vermelhas dos países do Leste – o saneamento militar, às vezes seguido de fuzilamento, como aconteceu na Rússia, nos anos 20. Tratou-se do esquema mais feroz montado no consciente dos militares. Toda a gente tinha medo de ser saneada. A disciplina militar e o cumprimento das ordens estavam profundamente afectadas pela desconfiança e pela incerteza. (…) Fim de citação.
Saliento ainda um terceiro comentário, do meu amigo Coronel Luis Casanova Ferreira, então membro do Conselho de Infantaria, que neste livro refere:
“(…) Se a burrice tocasse música, isto era uma orquestra… Ainda eu safei alguns dos saneamentos, como foi o caso do Salazar Braga, do Firmino Miguel e do Soares Carneiro.” Fim de citação.
Estes três oficiais, com sabem, foram depois generais importantes do Exército Português e bem destacados a nível nacional: dois CEMEs e um CEMGFA.
Assim, além da generalidade dos oficiais generais, dos coronéis e dos tenentes-coronéis, alvos dos referidos saneamentos, na listagem dos majores, como foi o meu caso e mais dois elementos do meu Curso de Infantaria, surgiu uma situação que o EME não aceitou. É que, mercê do estatuído para os oficiais, apenas teriam direito à pensão de reserva, os que tivessem mais de 15 anos de serviço, o que não sucedia connosco.
Cheguei a pedir uma audiência ao então CEME, General graduado Carlos Fabião, e quando lhe afirmei que ia pôr esta questão em Tribunal, me disse, com a maior à vontade, que os “Tribunais somos nós”!
Tais saneamentos não se concretizariam, dada a evolução política entretanto ocorrida, em 1975, mas os restantes majores e os dos postos mais elevados (mais de três centenas, no Exército), seriam colocados compulsivamente na reserva.
É curioso verificar que seria o Estado a reconhecer a injustiça de tal situação, depois de uma luta de bastidores levada a efeito durante cerca de 10 anos, por uma comissão a que pertencia o meu amigo Coronel Luís Soares da Cunha. Foi então publicado o Decreto Lei 330/84 de 15 de Outubro, onde no seu preâmbulo se afirma que:
“Dez anos volvidos sobre o período imediatamente posterior a 25-4-1974, é possível um juízo distanciado e sereno sobre actos que, justificados pelos seus autores numa perspectiva revolucionária, carecem de justificação à luz dos direitos fundamentais que precisamente a revolução consagrou e hoje constituem património inalienável dos Portugueses.
“Estão nesse caso os actos de saneamento administrativo e discricionário de militares a quem não foi reconhecido o direito de defesa ou sequer de prévia audição.” Fim de citação.
Para terminar este assunto quero destacar uma nota assinada em 15 de Janeiro de 1986, pelo então Brigadeiro Amílcar Morgado, Chefe do Gabinete do ainda CEME, General Salazar Braga.
Nela se faz o ponto de situação dos requerimentos feitos pelos oficiais saneados para a reconstituição da carreira considerada nos termos deste Dec-Lei. Pode ler-se que, no Exército, dos 305 oficiais que podiam requerer, 88% apresentaram o respectivo requerimento e apenas seis não seriam deferidos.
Foram assim 265 os oficiais que puderam, quase doze anos depois, serem ressarcidos de uma situação vergonhosa que não honrava as Forças Armadas.
Chegado aqui, julgo que os presentes poderão estar em condições de avaliar serenamente o sucedido. Ao longo daqueles anos terei dado o meu modesto apoio para que tal fosse possível e que se concretizou, em termos públicos, com o lançamento do meu primeiro livro, em 1977: “Os Comandos no Eixo da Revolução; Crise Permanente do PREC; Portugal 1974-75”, que chegou a estar vários meses na lista dos “bestsellers”, nos jornais de Lisboa.
Sobre o livro que hoje foi o tema deste encontro, gostaria de salientar o nome algumas pessoas que já não se encontram entre nós e deram uma boa colaboração para a sua feitura. Praticamente apenas os conheci (a todos) aquando da investigação feita na década de 90.
- O Marechal António de Spínola, considerado por quem foi seu subordinado, nomeadamente na Guiné, como um grande militar.
- O General Hugo dos Santos, um oficial dos mais graduados do Movimento Militar contestatário em 1973-74 e que, depois do 25 de Abril, tomou posições consensuais e elogiadas pelos seus camaradas operacionais do 25 de Abril e do 25 de Novembro.
- O jornalista Raúl Rego, brilhante editorialista e director do diário “República” e que ganhou a “Pena de Ouro”, em 1976, da Federação Internacional de Jornalistas.
- O catedrático Manuel Lopes da Silva, meu professor na Universidade Católica e que prefaciou a 2.ª edição deste livro.
- O General Bettencout Rodrigues, último Governador da Guiné, considerado um militar distinto, e que foi um dos fundadores da tropa “Comando”, em Angola, em 1962.
E agora, nada mais terei a acrescentar além do que escrevi na nota introdutória a esta edição e que complementa, a título pessoal, o tema dos saneamentos, que aqui genericamente referi.
Apesar de tudo o que afirmei, espero que tenham compreendido a minha postura de reconciliação com esta instituição – o Exército – que com muita honra servi ao longo de cerca de 40 anos. Quando a idade avança no tempo, e numa perspectiva cristã, que normalmente sigo, considero ser esta a posição mais correcta.
Muito obrigado a todos pelo vosso apoio e pela vossa presença.
Agora ponho-me à vossa disposição para as questões que desejarem colocar, a mim ou ao nosso amigo Coronel Villas-Boas.
Coronel Ref. Manuel A. Bernardo
Outubro de 2011
NOTA: A 3.ª edição de “Marcello e Spínola (…)”, pode ser adquirida a partir de 13 de Outubro de 2011, na Editora Edium, com site na Internet: www.ediumeditores.org
Veja http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2011/10/marcello-e-sp%C3%ADnola-a-ruptura-as-for%C3%A7as-armadas-e-a-imprensa-na-queda-do-estado-novo-1973-19743%C2%AA-edi%C3%A7.html
As fotos:
Na 1ª foto o Autor ladeado à esquerda pelo Cor. Luís Villas Boas e à direita pelo editor Jorge Castelo Branco. Na outra foto o Gen. Vasco Rocha Vieira fazendo a última intervenção da sessão. (Click para ampliar)

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