A VERDADEIRA HISTÓRIA DO CAP. LUIS FERNANDES - GEP
Para acabar, para já, com esta saga sobre os acontecimentos de
Moçambique e relacionados, quero falar hoje da prisão do Capitão Luís
Fernandes.
O Luís já tinha sido vítima de represálias aquando da sua tomada de
posição no jornal Expresso (Maio 74). Em 7 de Setembro encontrava-se em
Lisboa. Pouco tempo depois avança para Moçambique, enquanto o
Comandante das Operações (um Coronel) aguardava, na África do Sul, para
entrar em Moçambique de acordo com o desenvolvimento das acções do nosso
Luís.
Entrando (semi-clandestinamente) em Moçambique por via-férrea é
transportado para Lourenço Marques (como ajudante de camionista). Na sua
bagagem o seu uniforme. Várias vezes parado pelo bloqueio frelimista e
dos MFA, consegue, contudo, chegar à capital de Moçambique, onde inicia
(de imediato) os seus contactos. Traído por alguém é preso pelo MFA em
19 de Outubro de 74. É interrogado pelo famoso Capitão Camilo (Hoje
Major General desta tropa que temos, e nomeado - por Paulo Portas !!!! -
vice presidente da liga dos combatentes).
Dois dias depois (e já resultado da sua acção) ocorre a revolta dos Comandos, que eles tiveram grande dificuldade em travar.
Com ele livre e junto dos GE e GEP seria muito difícil ao MFA aguentar-se!
Com ele livre e junto dos GE e GEP seria muito difícil ao MFA aguentar-se!
O resto da história é conhecido. Luís Fernandes é entregue (pelas
FFAA “portuguesas”???) à Frelimo. E transportado em avião militar
português para as bases da Frelimo, juntamente com Joana Simeão e etc. A
ordem de entrega à Frelimo é também do MFA Camilo. (o amigo do
Portas!!! - Paulo, que não Miguel…).Pela primeira vez na História de
Portugal um Oficial do nosso exército é entregue ao inimigo.
E só em Janeiro de 1976, depois de passar o indescritível, é que o
Luís é solto (depois de um período de “engorda e restabelecimento”
propiciado pela Frelimo para evitar demasiadas críticas internacionais.
Regressado a Lisboa, poucos dias depois está já em Madrid, parta
continuar o combate, apesar de bastante diminuído fisicamente. Porque
moralmente nunca o conseguiram abater, pese embora a quantidade de
fuzilamentos a que assistiu.
E, já em Madrid, dispôs-se a continuar de imediato o seu combate.
Fosse onde fosse e para o que fosse. Foi aí que eu (acabadinho de
regressar de umas coisas) o reencontrei e pude de novo abraçá-lo
comovidamente!
PRISÃO DE LUÍS FERNANDES
Pois, eu passo a vida a dar o dito por não dito. Disse que
encerrava - para já - o dossier Moçambique e eis que encontro na minha
papelada a primeira entrevista dada por Luís Fernandes sobre o seu
calvário. Não resisto a publicá-la na íntegra. Também há entrevista ao
Diabo. Vou ver se a encontro.
Pois aqui vai:
“MOÇAMBIQUE POR DETRÁS DAS GRADES - ANTES E DEPOIS DA INDEPENDÊNCIA
Andava eu, algures, por terras do Algarve, cumprindo o meu roteiro
profissional, quando por felicidade inesperada encontrei um velho Amigo e
Camarada – o termo é militar – que supunha irremediavelmente perdido
pelas latitudes tropicais de Moçambique, nos campos de concentração da
Frelimo, malgrado as afirmações peremptórias do ministro Vítor Crespo, a
7 de Dezembro do ano, negando a existência de prisioneiros portugueses
no paraíso de Machel.
Recordo-me da última vez que nos abraçámos. Foi no Hospital Militar de Lourenço Marques, onde, em circunstâncias diferentes nos encontrávamos. Eu com baixa e ele de consulta, mas cercado por antigos companheiros de armas como se de um criminoso se tratasse.
Luís Fernandes, capitão miliciano dos “GEP`s”, era uma das muitas vítimas imoladas no holocausto da descolonização concebida pelos “moscovozinhos” da nossa Pátria. Mas deixemos que seja Luís Fernandes a fazer-nos o relato do nosso Portugal oitocentos anos secular, reduzido como está agora, às dimensões anãs do ano de 1400.
Recordo-me da última vez que nos abraçámos. Foi no Hospital Militar de Lourenço Marques, onde, em circunstâncias diferentes nos encontrávamos. Eu com baixa e ele de consulta, mas cercado por antigos companheiros de armas como se de um criminoso se tratasse.
Luís Fernandes, capitão miliciano dos “GEP`s”, era uma das muitas vítimas imoladas no holocausto da descolonização concebida pelos “moscovozinhos” da nossa Pátria. Mas deixemos que seja Luís Fernandes a fazer-nos o relato do nosso Portugal oitocentos anos secular, reduzido como está agora, às dimensões anãs do ano de 1400.
DETIDO COM APARATO EM LOURENÇO MARQUES
Século – Quando e onde se deu a detenção que se prolongou num cativeiro de 16 meses?
Cap. Luís Fernandes – Foi em Lourenço Marques e no Hotel Polana, em 18 de Outubro de 1974. A detenção foi efectuada por dois capitães do Exército Português, que se encontravam acompanhados por cerca de quinze militares da Polícia Militar.
Cap. Luís Fernandes – Foi em Lourenço Marques e no Hotel Polana, em 18 de Outubro de 1974. A detenção foi efectuada por dois capitães do Exército Português, que se encontravam acompanhados por cerca de quinze militares da Polícia Militar.
Século – Perante tamanho aparato militar a surpresa decerto não foi pequena, até porque, aparentemente, nada justificava a referida actuação por parte das Forças Armadas…
Cap. Luís Fernandes – Exactamente, eu estava hospedado no Hotel Polana, sem problemas de ordem jurídica, porquanto pagava as minhas contas e não provocava desacatos, pelo que não havia alguma razão que motivasse qualquer medida a tomar pelas autoridades civis ou militares da Província de Moçambique.
Século – Quais foram os motivos alegados para a detenção que obrigou à mobilização espalhafatosa de mais de uma dezena de militares?
Cap. Luís Fernandes – Os motivos não foram de ordem jurídica
mas do que se pode considerar de ordem revolucionária. Foram
fundamentados em suspeitas que se afirmavam existir a meu respeito,
quanto a supostos “crimes” contra a descolonização, o que constitui
matéria não prevista no Código Penal Português em vigor, nem em qualquer
diploma existente naquela altura.
Século – Portanto, não houve acusação de um delito concreto…
Cap. Luís Fernandes – Não havia qualquer acusação concreta.
Havia, sim e apenas, o termo genérico de “crimes contra a
descolonização” que era uma matéria que justificava ou pretendia
justificar todas as prisões arbitrárias que se sucederam a partir da
minha detenção em Lourenço Marques, e foram em crescendo até ao período
da entrega total da Província de Moçambique à Frelimo, por altura da
independência.
DESERTORES E GUERRILHEIROS – “AS NOSSAS TROPAS”
Século – Verificada a detenção foi-lhe facultada a assistência
de um advogado, ou terão decorrido os interrogatórios sem a satisfação
dessa norma elementar?
Cap. Luís Fernandes – Fui preso, como anteriormente afirmei,
por indivíduos trajando civilmente, mas identificados como elementos da
Polícia Militar Portuguesa e oficiais do Exército, nomeadamente dois
capitães. Estes transportaram-me para o Quartel-General do Comando
Territorial do Sul, onde cheguei às 4 horas da madrugada do dia da minha
detenção, tendo seguido escoltado pela P.M. para uma sala que era, se
não erro, a 2.ª Repartição. Nessa sala aguardava-me um representante da
Frelimo, recém-instalada em Lourenço Marques, que não era nada menos que
um desertor da Força Aérea Portuguesa, concretamente, Jacinto Veloso,
ex-tenente da F.A.P., que anos antes se tinha passado para Dar-es-Salam a
bordo de um bombardeiro “T/6″ que entregou ao inimigo, estando assim
dentro do estabelecido pelo Código de Justiça Militar para os casos de
pena de morte.
Concluindo, não me foi permitido um advogado e como inquiridor nomearam um desertor das Forças Armadas Portuguesas.
Concluindo, não me foi permitido um advogado e como inquiridor nomearam um desertor das Forças Armadas Portuguesas.
Século – Quer dizer então que foi interrogado por Jacinto Veloso?
Cap. Luís Fernandes – Não. Aquele desertor pretendeu de facto interrogar-me, mas como recusou identificar-se, quando por mim instado, também me neguei ao diálogo por ele proposto. Fiquei assim a aguardar interrogatório posterior entre dois guerrilheiros uniformizados da Frelimo, e de resto mal uniformizados, os quais me apontavam ameaçadoramente as suas espingardas “kalashs”.
Ante atitude tão insólita, porque era um antigo combatente português, preso por oficiais portugueses e pela Polícia Militar do meu país, perguntei a um dos capitães que interveio na minha detenção – capitão Camilo – se não havia ninguém mais, para além dos guerrilheiros da Frelimo, para me guardar, ao que me respondeu, ironicamente, dizendo eu estar a leste do Acordo de Lusaka, porque naquele momento os guerrilheiros eram “as nossas tropas”. Não haja espanto, porque as “ironias” do capitão Camilo não ficaram por aqui, antes se salientaram quando, no primeiro interrogatório, não obtendo o que pretendia, como afirmações susceptíveis de comprometer determinadas individualidades civis e militares, me ameaçou com a entrega à Frelimo que poderia ocasionar uma atitude mais colaborante da minha parte.
Perante a minha indignação – que se expressou do seguinte modo: será você capaz de entregar à Frelimo antigos camaradas de guerra? – Respondeu o capitão Camilo que, naquele momento, o inimigo era eu.
ROTEIRO DO PRISIONEIRO
Século – Foi sujeito ao longo dos interrogatórios levados a cabo
pelo capitão Camilo a uma persuasão agressiva, com ameaças físicas?
Cap. Luís Fernandes – Ele não me ameaçou propriamente com maus tratos físicos, mas deixou entender, para quem não fosse desprovido de imaginação que o tratamento dado pela Frelimo não seria o previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Cap. Luís Fernandes – Ele não me ameaçou propriamente com maus tratos físicos, mas deixou entender, para quem não fosse desprovido de imaginação que o tratamento dado pela Frelimo não seria o previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Século – Relate-nos, cronologicamente, o seu primeiro roteiro como prisioneiro.
Cap. Luís Fernandes – Fui detido às 3 horas da madrugada de 18 de Outubro de 1974 e no próprio dia transferido para a cadeia da Machava onde me mantiveram no mais absoluto segredo durante quatro dias. Ao cabo de dois ou três interrogatórios ao estilo daquele que já citei, fui conservado em regime de menor vigilância dentro dessa prisão, tendo em seguida sido transferido, com outros companheiros entretanto presos, para a Penitenciária de Lourenço Marques.
Mas, deixe-me referir, no que respeita às atitudes dos inquiridores durante o processo instrutório que o tal capitão Camilo reconheceu não haver contra mim qualquer prova de ordem jurídica mas, acrescentou, que no período revolucionário as provas jurídicas não tinham importância relativa e se era verdade que a meu respeito não tinham provas, também não tinham dúvidas. Isto significava, nos termos do “revolucionário” Camilo que podiam fazer de mim o que desejassem e achassem mais útil. E fizeram…
Século – Portanto, situa-se este relato que faz em período anterior à independência de Moçambique…
Cap. Luís Fernandes – Precisamente. Todo o relato que acabo de fazer situa-se no período do chamado Governo de Transição, em que a autoridade era exercida em nome do Presidente da República por um Alto-Comissário que representava a Soberania de Portugal em Moçambique, na medida em que era a Bandeira Verde-Rubra que lá se içava legal e legitimamente.
Século – Quando foi entregue à Frelimo e como se verificou a transferência dos prisioneiros portugueses sob a alçada da responsabilidade do Alto-Comissário para os carcereiros de Machel?
Cap. Luís Fernandes – Houve vagas sucessivas, seguidas de dois em dois dias, em que alguns elementos escolhidos, não sei com que critério, mas habitualmente antigos militares passados à disponibilidade em alturas muito recentes foram transferidos das autoridades portuguesas do Comando Territorial do Sul, em Lourenço Marques, para as pseudo-autoridades da Frelimo. Muitos foram enviados para Porto Amélia e dali para as chamadas “zonas libertadas”, no interior do Distrito de Cabo Delgado.
Século – A vossa ida para os campos de concentração existentes nas “zonas libertadas” efectuou-se antes ou depois do 25 de Junho de 1975?
Cap. Luís Fernandes – Fomos enviados para os campos de concentração como prisioneiros da Frelimo cerca de três meses antes da data da independência de Moçambique, ou seja, em plena vigência da autoridade do Alto-Comissário. Em plena vigência da autoridade do hoje general Melo Egídio, então Comandante do Comando Territorial do Sul, a quem os presos estavam confiados e, portanto, esta transferência nunca se poderia ter dado sem o consentimento do Alto-Comissário da República Portuguesa, Vítor Crespo.
AVIÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA TRANSPORTOU PRISIONEIROS DE MUEDA PARA A TANZÂNIA
Século – Para que “campos de recuperação” foram posteriormente conduzidos?
Cap. Luís Fernandes – Antes de sermos enviados para os chamados “campos de reeducação” da Frelimo, transferiram-nos para Mueda, onde em bloco fomos submetidos a julgamento popular, que teve por consequência a nossa condenação à morte sob as acusações mais diversas e caricatas, tendo a referida pena sido substituída, ulteriormente, por trabalhos forçados indefinidos.
O grupo de prisioneiros era então constituído por portugueses originários da Metrópole e alguns elementos oriundos da Província de Moçambique, dos quais citarei a Dr.ª Joana Simeão, Pedro Mondlane e outros dirigentes indígenas que haviam desertado das fileiras da Frelimo e recolhido às autoridades portuguesas para se reintegrarem na Comunidade Lusíada, e depois por estas entregues aos apaniguados de Samora Machel. Lembro-me de alguns nomes destes últimos: Dr. Júlio Razão e o Eng. Paulo Marquesa.
Após o julgamento popular foram os portugueses originários da Metrópole dispersos por diversas bases que serviam de campos de concentração, nomeadamente a Base Beira, próximo de Nangade e de Omar, a Base Moçambique –. A também conhecida por Base Central, localizada relativamente perto do Nangololo, a Base Gungunhana é outras cujo indicativo não recordo.
Quanto ao grupo formado por elementos naturais da Província Portuguesa de Moçambique, foi-lhes dado como destino o Campo de Nashingwea, no território da Tanzânia, sendo para ali transportados em avião militar português, Nord/Atlas da Força Aérea Portuguesa, que rumou da pista de Mueda para Dar-es-Salam.
Século – Para que “campos de recuperação” foram posteriormente conduzidos?
Cap. Luís Fernandes – Antes de sermos enviados para os chamados “campos de reeducação” da Frelimo, transferiram-nos para Mueda, onde em bloco fomos submetidos a julgamento popular, que teve por consequência a nossa condenação à morte sob as acusações mais diversas e caricatas, tendo a referida pena sido substituída, ulteriormente, por trabalhos forçados indefinidos.
O grupo de prisioneiros era então constituído por portugueses originários da Metrópole e alguns elementos oriundos da Província de Moçambique, dos quais citarei a Dr.ª Joana Simeão, Pedro Mondlane e outros dirigentes indígenas que haviam desertado das fileiras da Frelimo e recolhido às autoridades portuguesas para se reintegrarem na Comunidade Lusíada, e depois por estas entregues aos apaniguados de Samora Machel. Lembro-me de alguns nomes destes últimos: Dr. Júlio Razão e o Eng. Paulo Marquesa.
Após o julgamento popular foram os portugueses originários da Metrópole dispersos por diversas bases que serviam de campos de concentração, nomeadamente a Base Beira, próximo de Nangade e de Omar, a Base Moçambique –. A também conhecida por Base Central, localizada relativamente perto do Nangololo, a Base Gungunhana é outras cujo indicativo não recordo.
Quanto ao grupo formado por elementos naturais da Província Portuguesa de Moçambique, foi-lhes dado como destino o Campo de Nashingwea, no território da Tanzânia, sendo para ali transportados em avião militar português, Nord/Atlas da Força Aérea Portuguesa, que rumou da pista de Mueda para Dar-es-Salam.
PRISIONEIROS ABANDONADOS PELAS AUTORIDADES PORTUGUESAS
Século – Qual o número de portugueses seus companheiros de cativeiro nos campos de concentração de Cabo Delgado?
Cap. Luís Fernandes – Dos presos pelas autoridades militares de Lourenço Marques, éramos sete. Mas, para além de nós, havia nas prisões e campos de concentração da Frelimo muitos ex-militares portugueses, principalmente elementos de tropas especiais, directamente detidos por guerrilheiros ainda no período em que a única soberania que se exercia oficialmente em Moçambique era a de Portugal, sem que isso obstasse o total abandono a que nos votaram na altura da independência em circunstâncias deploráveis, que facilmente se imaginam.
Acho que não serão necessários grandes raciocínios para classificar esta situação como escandalosa, pois que para além dos aspectos humano, político e patriótico que encerra, denuncia uma aberração jurídica que, por si só, define uma capitulação total de uma autoridade que se recusava a existir por abdicar dos seus direitos e deveres para com os cidadãos que representava.
Cap. Luís Fernandes – Dos presos pelas autoridades militares de Lourenço Marques, éramos sete. Mas, para além de nós, havia nas prisões e campos de concentração da Frelimo muitos ex-militares portugueses, principalmente elementos de tropas especiais, directamente detidos por guerrilheiros ainda no período em que a única soberania que se exercia oficialmente em Moçambique era a de Portugal, sem que isso obstasse o total abandono a que nos votaram na altura da independência em circunstâncias deploráveis, que facilmente se imaginam.
Acho que não serão necessários grandes raciocínios para classificar esta situação como escandalosa, pois que para além dos aspectos humano, político e patriótico que encerra, denuncia uma aberração jurídica que, por si só, define uma capitulação total de uma autoridade que se recusava a existir por abdicar dos seus direitos e deveres para com os cidadãos que representava.
Século – Punham-vos ao corrente das “démarches” que entretanto se promoviam com vista à vossa libertação?
Cap. Luís Fernandes – De modo algum. Para que faça uma ideia da nossa existência, peço-lhe que recorde as imagens do filme “O Planeta dos Macacos” e dimensione a nossa vivência à dos extraterrestres desvinculados de qualquer rumor da civilização. Para além de tudo o mais, tínhamos os responsáveis da Frelimo pela nossa vigilância que gaguejavam, e muito mal, o português, sendo carcereiros cuja missão era a de nos dificultar a todo o momento a vida e não segredar-nos palavras de esperança.
TRABALHOS FORÇADOS SEM OBJECTIVOS DE RENTABILIDADE – EVACUAÇÃO DE TÁXI AÉREO
Século – Pode concretizar o tipo de regime a que vos sujeitavam os homens da Frelimo?
Cap. Luís Fernandes – Éramos sujeitos a um regime de trabalhos forçados da mais diversa ordem, principalmente no domínio agrícola. É evidente, mesmo para quem desconheça as realidades locais, que o estilo de produção é do mais primitivo possível, sendo o trabalho totalmente manual, de resto de pouca rentabilidade económica, até porque os trabalhos a que nos sujeitavam eram destinados mais a tornar-nos a vida insuportável do que a visar objectivos rentáveis.
Século – Pode concretizar o tipo de regime a que vos sujeitavam os homens da Frelimo?
Cap. Luís Fernandes – Éramos sujeitos a um regime de trabalhos forçados da mais diversa ordem, principalmente no domínio agrícola. É evidente, mesmo para quem desconheça as realidades locais, que o estilo de produção é do mais primitivo possível, sendo o trabalho totalmente manual, de resto de pouca rentabilidade económica, até porque os trabalhos a que nos sujeitavam eram destinados mais a tornar-nos a vida insuportável do que a visar objectivos rentáveis.
Século – Quando se verificou o vosso regresso a Lisboa?
Cap. Luís Fernandes – O nosso regresso realizou-se após a deslocação do Secretário de Estado do Ministério dos Negócios Estrangeiros a Lourenço Marques. Fomos então, (…) de Porto Amélia para a Beira, onde embarcámos com destino a Lisboa, escalando em Luanda.
UM POLÍCIA ESQUECIDO EM PORTO AMÉLIA
Século – Havia ainda em Porto Amélia (Pemba) algum elemento da P.S.P. portuguesa?
Cap. Luís Fernandes – Não. O único polícia português que lá se encontrava e encontra ainda, era um agente de origem europeia e natural de Portugal, detido pela Frelimo e por esta, muito mal tratado. Convém salientar que o referido agente foi abandonado por camaradas seus da P.S.P., que regressaram a Portugal findo o contrato com o governo de Moçambique, em Dezembro do ano passado, sem exigirem o seu repatriamento.
Cap. Luís Fernandes – Não. O único polícia português que lá se encontrava e encontra ainda, era um agente de origem europeia e natural de Portugal, detido pela Frelimo e por esta, muito mal tratado. Convém salientar que o referido agente foi abandonado por camaradas seus da P.S.P., que regressaram a Portugal findo o contrato com o governo de Moçambique, em Dezembro do ano passado, sem exigirem o seu repatriamento.
Século – Já não era, portanto, aquando da vossa libertação, embaixador de Portugal em Moçambique, o Dr. Albertino de Almeida?
Cap. Luís Fernandes – Não. Albertino de Almeida que não é, aliás diplomata de carreira mas apenas um advogado, já não se encontrava à frente da Embaixada de Portugal em Moçambique.
De resto, considero oportuno referir que o advogado Albertino de Almeida sempre foi um elemento da confiança do Partido Comunista Português, tendo sido em Angola colaborador directo de Lopo do Nascimento, do M.P.L.A. e talvez por isso se compreenda que quando embaixador de Portugal em Moçambique jamais tivesse tomado uma atitude a favor dos prisioneiros portugueses, como ainda impediu os funcionários consulares de promoverem qualquer diligência no sentido de melhorar a situação dos cidadãos portugueses encarcerados pela SNASP, que são em número superior a três centenas, não obstante as declarações em contrário proferidas pelo ministro Vítor Crespo.
O FURRIEL MOTA DOS COMANDOS AINDA PRESO EM MOÇAMBIQUE
Século – Quando do regresso a Lisboa foram alvo de interesse por parte da Imprensa portuguesa?
Cap. Luís Fernandes – A nossa chegada quase passou despercebida, não tendo havido por parte da Imprensa portuguesa qualquer interesse em saber o que tínhamos passado e o que sucedia ainda aos muitos portugueses detidos em Moçambique, sujeitos a um regime de desgaste físico e psíquico que os visa aniquilar.
Cap. Luís Fernandes – A nossa chegada quase passou despercebida, não tendo havido por parte da Imprensa portuguesa qualquer interesse em saber o que tínhamos passado e o que sucedia ainda aos muitos portugueses detidos em Moçambique, sujeitos a um regime de desgaste físico e psíquico que os visa aniquilar.
Século – Colocamos o nosso espaço ao seu dispor para o caso de pretender referir qualquer assunto que não tenha sido abordado ao longo deste diálogo.
Cap. Luís Fernandes – Gostaria de frisar que há ainda em Moçambique muitos cidadãos portugueses detidos depois da independência daquele território. Há também um caso escandaloso que é o do furriel Mota, dos Comandos, preso pela Frelimo pouco depois da passagem à disponibilidade, antes da independência de Moçambique, portanto ainda sob a soberania portuguesa, o qual se encontra ainda num campo de concentração, ao que suponho algures em Cabo Delgado. Urge que as autoridades diplomáticas e governamentais do nosso País actuem rapidamente, com firmeza e energia, no sentido de serem libertados todos os nossos compatriotas.
Texto de Carlos Didier
In O Século de Joanesburgo, 19.04.1976, pág. 15″
In O Século de Joanesburgo, 19.04.1976, pág. 15″
Cap. Luis Fernandes e Álvaro Teixeira (foto de 30/05/2009) |
PRISÃO E PROVAÇÕES DE LUÍS FERNANDES
“Levado sob escolta militar para o Comando Territorial Sul, fui
conduzido a uma vasta sala do edifício. Deparei com dois sujeitos: um,
sentado atrás de uma secretária, fardado, com galões de capitão, que se
identificou como sendo o capitão Camilo, … Os soldados portugueses
retiraram-se e enquanto o capitão Camilo me mandava sentar numa cadeira à
sua frente, colocaram-se à minha esquerda e à minha direita, dois
jovens guerrilheiros da FRELIMO, andrajosos e sujos, apontando-me as
suas Kalashnikovs.
Como reagiste?
Surpreendido ainda protestei, perguntando ao capitão Camilo se não tinha soldados nossos para me guardar e se era preciso que o Inimigo o fizesse. Conservo bem viva na memória a resposta do hoje major-general: “Então você não leu o tratado (sic) de Lusaca? Eles agora são as nossas tropas.” E acrescentou com um sorriso sarcástico: “O Inimigo é você!”
…
Foste interrogado?
Nem por isso. Não com pés e cabeça. O capitão Camilo, satisfeito com o efeito da sua inesperada declaração, perante o meu ar de espanto, folheou a minha agenda e revistou a minha carteira, fazendo-me diversas perguntas a que eu invariavelmente respondia: “não me lembro”. Concluiu, sempre com o mesmo sorriso sarcástico na face, que “eu comia demasiado queijo e que talvez a Frelimo conseguisse que eu recuperasse a memória….”.
Fez-te ameaças?
Não de olhos nos olhos. Só insinuações como a que reproduzi acima. Lá foi dizendo que o tratamento que poderia esperar da Frelimo não seria exactamente aquele que a Declaração Universal dos Direitos do Homem preconizava. Por isso, indignado, protestei com veemência e disse-lhe textualmente que “parecia impossível que um capitão do Exército Português pudesse entregar ao inimigo antigos camaradas de armas” e acrescentei que me mantinha nesta situação “sem terem, em termos jurídicos, encontrado a menor prova contra mim.” O capitão Camilo encolheu os ombros e disse displicentemente que, na presente situação, “se não tinha provas, também não tinha dúvidas, pelo que em termos revolucionários, faria de mim o que entendesse.”
…
Terminado o interrogatório, ficaste preso?
Dada a avançada hora, o interrogatório foi dado por findo e fui levado, com os mesmo aparato militar, para a antiga cadeia da Machava, …
Fui fechado numa cela que, para além da porta de grades tinha uma porta de madeira, pelo que não vias o que se passava no exterior. A alimentação era o rancho da tropa portuguesa, … O oficial português que comandava essa tropa e que vim a conhecer, era cortês.
Voltaste a ver o capitão Camilo?
Duas ou três vezes apareceu o capitão Camilo na cadeia para me interrogar. Nada conseguindo saber pela minha parte. Vinha fardado, conduzindo ele próprio o jipe militar e trazendo como guarda-costas um guerrilheiro armado no banco de trás, como se tivesse aproveitado uma boleia.
Terminado o isolamento juntei-me aos meus companheiros de cárcere no pavilhão onde nos encontrávamos detidos e que tinha as portas abertas.
A prisão ia-se enchendo com a entrada de novos presos e fiquei na mesma cela em que se encontravam um juiz de direito e um engenheiro doutorado por uma universidade sul-africana. O meio era realmente selecto.
Tiveste direito a advogado? Que soubeste do enquadramento legal da tua situação?
Fui visitado por um advogado de Lourenço Marques, Dr. Antero Sobral, pertencente ao grupo dos “Democratas de Moçambique” e que fora um dos signatários dos acordos de Lusaca (a que o capitão Camilo chamava pomposamente de tratado), mas que se dava com amigos meus entretanto refugiados na África do Sul. Mostrou-me a legislação revolucionária entretanto elaborada pelo alto-comissário Vítor Crespo: em dois decretos-lei publicados no Boletim Oficial da Província que “instituíam os crimes contra a descolonização! Como a lei penal não tem efeitos retroactivos se não para benefício dos réus e como já me encontrava preso à data da publicação desses diplomas, não se me aplicavam. Disse-me então o Dr. Antero Sobral, visivelmente constrangido, dada a sua formação jurídica, que nem valia a pena constituí-lo como defensor porque “tudo era feito à margem da Lei, e até contra os princípios gerais do Direito». Agradeci a visita e o seu interesse, tanto mais que éramos adversários políticos.
Além de ti e dos outros seis ex-militares detidos pela mesma altura, houve mais prisões?
Em dada altura juntou-se a nós outro grupo de prisioneiros, também presos pelo MFA. Esses eram todos negros e, se bem que, pessoalmente, não conhecesse nenhum deles, sabia quem eram, pois eram figuras públicas. Todos eles ou quase todos tinham pertencido à Frelimo e tinham, por diversos motivos, abandonado o movimento terrorista, vindo a acolher-se à protecção das autoridades militares portuguesas, bem antes do 25 de Abril. Confiados nas promessas então feitas, tinham permanecido em Moçambique vindo agora ser presos pelo Exército Português. Entre eles, estavam Joana Simeão, Dr. Júlio Razão, Paulo Mondlane, Paulo Gumane, Mateus Gwengere, fomos, mais tardem brancos e negros, levados para a cadeia penitenciária, onde começaram a afluir, em Dezembro de 1974, vagas sucessivas de presos, maioritariamente brancos, sendo muitos deles antigos combatentes oriundos do recrutamento provincial, que haviam passado à disponibilidade, como eu, muito recentemente. Já não havia sequer interrogatórios: aquilo era “um depósito de reaccionários”. Escusado será dizer que o ambiente entre os presos, brancos e negros, era de sã camaradagem e que gozávamos da camaradagem dos soldados portugueses que nos guardavam conjuntamente com o destacamento armado da Frelimo.
O comandante da penitenciária era um capitão de cavalaria que manteve um comportamento correcto connosco, dadas as circunstâncias. Hoje é coronel na reserva e também teve atritos com os turbulentos guerrilheiros da FRELIMO, pelo que regressou à Metrópole farto dos tiranetes do MFA, entre os quais o capitão Camilo, e os “libertadores” de Samora Machel.
Fome e “trabalhos agrícolas”
Foi então que foram entregues à Frelimo e levados para os famigerados “campos de reeducação”?
Sim, cerca de três meses antes da independência de Moçambique. Um dia, de madrugada, apareceu na penitenciária o recém-nomeado inspector da PJ Jorge Costa, antigo estudante contestatário de Coimbra, também ele desertor, à civil e com una pistola-metralhadora a tiracolo que, escoltado por guerrilheiros, nos veio buscar a mim, ao capitão miliciano na disponibilidade Rui Leal Marques e mais cinco metropolitanos, escolhidos a dedo, bem como a um grupo de negros, cuja lista, disse-me ele durante a viagem, fora elaborada pelo capitão Camilo e pelo “camarada” Veloso. Levaram-nos para o aeroporto e daí seguimos viagem até Cabo Delgado num bimotor civil, com escala técnica no aeroporto da Beira. Em Porto Amélia, entregaram-nos ao comando local da FRELIMO e dali seguimos, em Land Rovers,…, passando por Macomia, Chai, Mocímboa da Praia (onde pernoitámos), Diaca, Nacatar, Sagal, Nangololo, até atingirmos finalmente Mueda. Mueda, onde já não havia tropa portuguesa, tinha-se tornado o epicentro da ocupação frelimista de Cabo Delgado. …
Reunidos guerrilheiros e elementos da população autóctone em número apreciável, fomos submetidos a um “julgamento popular”, pelos crimes supostamente cometidos. O comandante Mingas, que era então a autoridade máxima da Frelimo em Mueda, proferiu um longo discurso em Maconde, entrecortado por palavras de ordem. Não entendemos nada do que ele disse, mas não gostámos. Seguidamente, “perfilou-se” diante de nós um pelotão de fuzilamento. Mas a nossa hora ainda não tinha chegado. Tratava-se de uma encenação, imprópria para cardíacos.
Recolhemos à nossa prisão provisória, que era uma antiga caserna. No dia seguinte, aterrou na pista de Mueda um Nord/ Atlas da FAP, pilotado por oficiais portugueses, e os detidos negros (Joana Simeão e todos os outros), foram embarcados, contra sua vontade, para a Tanzânia. Alegavam a sua cidadania portuguesa e, embora o seu portuguesismo de fresca data pudesse ser oportunista. Seja como for, foram levados na Nachingwea e todos eles mortos.
Quanto a nós, os sete brancos e metropolitanos, fomos separados e enviados para “campos de reeducação” situados nas antigas bases Beira, Gungunhana, Central, etc. Longos meses depois, fomos reagrupados em Porto Amélia, onde um casal de médicos búlgaros, cooperantes em Cabo Delgado, mandaram-nos dar injecções, suponho que de vitaminas, para termos um aspecto menos depauperado, e deram-nos também bastante comida para recuperar algo do peso perdido.
Entretanto, na Metrópole tinha-se gerado um movimento para a nossa libertação, tendo até o Dr. Jaime Gama tido uma intervenção nesse sentido na Assembleia Constituinte. A derrota da extrema-esquerda militar em 25 de Novembro de 1975 tornou possível que o ministério dos Negócios Estrangeiros começasse finalmente a actuar e obtivesse, com a ida a Lourenço Marques de um alto funcionário, a nossa libertação.
Como era o dia-a-dia nesses campos?
Fome. Sobretudo fome. E cerca de 14 horas diárias de “trabalhos agrícolas” que, na verdade, nada produziam dada a forma rudimentar como era praticada. Claro que não havia medicamentos nem qualquer tipo de assistência.
Maus tratos?
Sobretudo à nossa dignidade. Mas quase nunca maus tratos físicos. Isto em relação aos brancos. Com os negros, as coisas já eram bastante diferentes.
No entanto, ficaste muito debilitado e vieste a ter problemas de saúde.
Já na Metrópole tive um forte ataque de paludismo e depois de ter feito análises, foi-me diagnosticado uma hepatite não-A e não-B, devida, sem dúvida, à quase inexistente assepsia nos tratamentos a que fomos submetidos em Cabo Delgado. Mais tarde, em 1994, submeti-me a uma biopsia hepática e foi então confirmada uma hepatite C, crónica, com a qual tenho vivido com a graça de Deus.
Passados estes quase trinta anos, como recordas o capitão Lopes Camilo?
Tenho o privilégio de ser sócio da Liga dos Combatentes, com as quotas em dia, desde 1978. Se há sócios que não têm pejo em cumprimentar o major-general Lopes Camilo, considerando de somenos importância as provações que outros combatentes por culpa dele passaram em Moçambique, que lhes faça bom proveito. Quanto a mim não me deixo obnubilar pelo brilho da grã-cruz da Ordem da Liberdade que ele ostenta … no seu uniforme … Não sou obrigado a apertar-lhe a mão, assim como não tive possibilidade de lhe apertar o pescoço quando tão alegremente confraternizava com um desertor.
Mas, como diz o Poeta “a mim ninguém me cala”, que fique aqui registado para “memória futura” (como hoje parece ser moda) o meu depoimento sobre as façanhas do major-general Lopes Camilo em Moçambique nos longínquos anos da vergonha de 1974 e 1975. Decerto o alto-comissário e comandante-chefe de Moçambique que lhe terá outorgado generosamente um ou dois “louvorzinhos” por relevantes serviços ao Exército Português, que se foram agregar à sua já reluzente folha de serviços.
Sim, cerca de três meses antes da independência de Moçambique. Um dia, de madrugada, apareceu na penitenciária o recém-nomeado inspector da PJ Jorge Costa, antigo estudante contestatário de Coimbra, também ele desertor, à civil e com una pistola-metralhadora a tiracolo que, escoltado por guerrilheiros, nos veio buscar a mim, ao capitão miliciano na disponibilidade Rui Leal Marques e mais cinco metropolitanos, escolhidos a dedo, bem como a um grupo de negros, cuja lista, disse-me ele durante a viagem, fora elaborada pelo capitão Camilo e pelo “camarada” Veloso. Levaram-nos para o aeroporto e daí seguimos viagem até Cabo Delgado num bimotor civil, com escala técnica no aeroporto da Beira. Em Porto Amélia, entregaram-nos ao comando local da FRELIMO e dali seguimos, em Land Rovers,…, passando por Macomia, Chai, Mocímboa da Praia (onde pernoitámos), Diaca, Nacatar, Sagal, Nangololo, até atingirmos finalmente Mueda. Mueda, onde já não havia tropa portuguesa, tinha-se tornado o epicentro da ocupação frelimista de Cabo Delgado. …
Reunidos guerrilheiros e elementos da população autóctone em número apreciável, fomos submetidos a um “julgamento popular”, pelos crimes supostamente cometidos. O comandante Mingas, que era então a autoridade máxima da Frelimo em Mueda, proferiu um longo discurso em Maconde, entrecortado por palavras de ordem. Não entendemos nada do que ele disse, mas não gostámos. Seguidamente, “perfilou-se” diante de nós um pelotão de fuzilamento. Mas a nossa hora ainda não tinha chegado. Tratava-se de uma encenação, imprópria para cardíacos.
Recolhemos à nossa prisão provisória, que era uma antiga caserna. No dia seguinte, aterrou na pista de Mueda um Nord/ Atlas da FAP, pilotado por oficiais portugueses, e os detidos negros (Joana Simeão e todos os outros), foram embarcados, contra sua vontade, para a Tanzânia. Alegavam a sua cidadania portuguesa e, embora o seu portuguesismo de fresca data pudesse ser oportunista. Seja como for, foram levados na Nachingwea e todos eles mortos.
Quanto a nós, os sete brancos e metropolitanos, fomos separados e enviados para “campos de reeducação” situados nas antigas bases Beira, Gungunhana, Central, etc. Longos meses depois, fomos reagrupados em Porto Amélia, onde um casal de médicos búlgaros, cooperantes em Cabo Delgado, mandaram-nos dar injecções, suponho que de vitaminas, para termos um aspecto menos depauperado, e deram-nos também bastante comida para recuperar algo do peso perdido.
Entretanto, na Metrópole tinha-se gerado um movimento para a nossa libertação, tendo até o Dr. Jaime Gama tido uma intervenção nesse sentido na Assembleia Constituinte. A derrota da extrema-esquerda militar em 25 de Novembro de 1975 tornou possível que o ministério dos Negócios Estrangeiros começasse finalmente a actuar e obtivesse, com a ida a Lourenço Marques de um alto funcionário, a nossa libertação.
Como era o dia-a-dia nesses campos?
Fome. Sobretudo fome. E cerca de 14 horas diárias de “trabalhos agrícolas” que, na verdade, nada produziam dada a forma rudimentar como era praticada. Claro que não havia medicamentos nem qualquer tipo de assistência.
Maus tratos?
Sobretudo à nossa dignidade. Mas quase nunca maus tratos físicos. Isto em relação aos brancos. Com os negros, as coisas já eram bastante diferentes.
No entanto, ficaste muito debilitado e vieste a ter problemas de saúde.
Já na Metrópole tive um forte ataque de paludismo e depois de ter feito análises, foi-me diagnosticado uma hepatite não-A e não-B, devida, sem dúvida, à quase inexistente assepsia nos tratamentos a que fomos submetidos em Cabo Delgado. Mais tarde, em 1994, submeti-me a uma biopsia hepática e foi então confirmada uma hepatite C, crónica, com a qual tenho vivido com a graça de Deus.
Passados estes quase trinta anos, como recordas o capitão Lopes Camilo?
Tenho o privilégio de ser sócio da Liga dos Combatentes, com as quotas em dia, desde 1978. Se há sócios que não têm pejo em cumprimentar o major-general Lopes Camilo, considerando de somenos importância as provações que outros combatentes por culpa dele passaram em Moçambique, que lhes faça bom proveito. Quanto a mim não me deixo obnubilar pelo brilho da grã-cruz da Ordem da Liberdade que ele ostenta … no seu uniforme … Não sou obrigado a apertar-lhe a mão, assim como não tive possibilidade de lhe apertar o pescoço quando tão alegremente confraternizava com um desertor.
Mas, como diz o Poeta “a mim ninguém me cala”, que fique aqui registado para “memória futura” (como hoje parece ser moda) o meu depoimento sobre as façanhas do major-general Lopes Camilo em Moçambique nos longínquos anos da vergonha de 1974 e 1975. Decerto o alto-comissário e comandante-chefe de Moçambique que lhe terá outorgado generosamente um ou dois “louvorzinhos” por relevantes serviços ao Exército Português, que se foram agregar à sua já reluzente folha de serviços.
FUI ENTREGUE À FRELIMO
Como fora prometido, eis as declarações de Luís Fernandes, preso
por militares portugueses e por eles entregues à Frelimo, quando
Moçambique ainda era terra portuguesa. Uma página vergonhosa da nossa
«descolonização exemplar» que a correcção política que ora se vive, a
brandura consabida dos nossos costumes e alguns compadrios de
circunstância tentam fazer esquecer. Luís Fernandes, licenciado em
Ciências Sociais e Política Ultramarina, oficial miliciano com o curso
de Acção Psicológica, ofereceu-se na Região Militar de Moçambique para
os Grupos Especiais Pára-quedistas, onde, concluído o respectivo curso,
combateu no mato, meses a fio, os terroristas da Frelimo, primeiro como
alferes e depois graduado em capitão. Não aderiu ao MFA e mantém-se
coerentemente fiel às suas ideias. Leccionou durante dez anos na
Universidade Autónoma de Lisboa, onde foi regente das cadeiras de
Introdução às Ciências Sociais, e Ciência Política. Presentemente
prepara uma tese de mestrado. Foi um dos fundadores da Associação dos
Grupos Especiais e Grupos Especiais Pára-quedistas, de cuja mesa da
assembleia-geral é vice-presidente. Continua fascista.
“Mantenho o que disse”
Porém, como se viu na carte que enviou a “O Diabo”, publicada na semana passada, o agora general Lopes Camilo, refuta todas as tuas acusações. Ele invoca, até, uma carreira prestigiante e sem mácula.
Porém, como se viu na carte que enviou a “O Diabo”, publicada na semana passada, o agora general Lopes Camilo, refuta todas as tuas acusações. Ele invoca, até, uma carreira prestigiante e sem mácula.
Que o senhor major-general Lopes Camilo, no decorrer da sua longa
carreira militar, possa ter feito coisas muito meritórias, não o
questiono. Nem lhe contesto o valor daquilo que, digno de louvor,
eventualmente tenha feito até se envolver na conspiração dos capitães,
durante a qual, segundo o então capitão José C. Pais, acompanhou esse
oficial, hoje coronel, e outros dois camaradas, os então capitães Lobato
Faria e Mariz Fernandes, entregar na Presidência do Conselho o texto
aprovado na assembleia de Évora de 9 de Setembro de 1973. Nessa altura,
ele, capitão Lopes Camilo aguardou corajosamente num carro, com os
então, capitão Vasco Lourenço e tenente Marques Júnior, que os outros
fossem eventualmente presos.
O que está aqui em causa, e me interessa salientar, reporta-se
exclusivamente ao comportamento que teve em Moçambique nesse conturbado
período de 1974/75.
Dou testemunho da verdade, nua e crua, sem o menor manto diáfano de
fantasia. E não há nada mais brutal do que um facto. Aconteceu. É
assim, sem tirar nem pôr. Só mentindo com quantos dentes tem, poderá o
senhor major-general Lopes Camilo negar a evidência.
Terá sido um caso de dupla personalidade? Um remake do Dr. Jekill
and Hyde? O brioso oficial, em noites de luar, transformar-se-ia em
lobisomem? Mistério…
É realmente inacreditável que alguém com o perfil de militar
impoluto, apresentado pelo próprio na sua carta de 17 de Outubro de
2003, nascido numa boa família, educado, ao que parece, no culto da
honra e do dever militar, temente a Deus e devotado à Pátria, possa ter
assumido comportamentos e atitudes em tão flagrante contradição com os
mesmos princípios e valores que a Família e a Escola lhe haviam,
aparentemente, incutido.
Foi apanhado pela voragem tresloucada do PREC em África?
Ultrapassado pelos acontecimentos? Ou responsável consciente e
determinado da tragédia que foi a “exemplar descolonização”, com o
arrastar da bandeira das quinas na lama, pelas ruas da amargura?
Passando por cima das suas declarações acerca da sua carreira
militar, como analisas o pouco que diz realmente relacionado com os
acontecimentos de 1974, em Lourenço Marques?
O que é que o senhor major-general entende por “nunca ter
pertencido a qualquer estrutura organizativa do movimento das forças
armadas”? Valha-me Deus! Eu nunca disse que ele tivesse pertencido ao
Conselho dos Vinte ou ao Conselho da Revolução. Mas havia outras
estruturas menos conhecidas, mais informais, a nível local, que assumiam
uma importância bem superior às “inseridas na cadeia hierárquica e
funcional existente”.
Era público e notório, em Lourenço Marques, que o então capitão
Camilo era, de facto, uma figura proeminente do MFA local e um esteio
fundamental da diabólica “aliança MFA/Frelimo”, fizesse ou não parte
oficialmente da Comissão Militar Mista. Conheço por aí muita gente que
afirma o mesmo.
Oficiais superiores do Exército Português houve que foram vistos “a
tiritar de coragem” face aos bravos rapazes do MFA, cujo poder paralelo
ao da hierarquia formal constituía esse Novíssimo Príncipe, denunciado
pelo Prof. Adriano Moreira; uma estrutura de carácter revolucionário,
omnipresente e omnipotente, que controlava tudo e todos. Quem – só para
ser desautorizado, desobedecido, saneado ou até preso – corria o risco
de desafiar a autoridade dos “homens sem sono” que, de facto, mandavam,
sem se preocuparem com as opiniões, as sensibilidades, ou os pruridos
das altas patentes do velho Exército?
Que o senhor major-general Lopes Camilo tenha bem presente que à
sua volta, em Lourenço Marques, havia muitos militares que observavam e
não compartilhavam das suas ideias, muita gente que não sentia nenhuma
afinidade com o MFA e muito menos com a Frelimo…
Havia de facto bastantes oficiais que se sentiam incomodados, e até
chocados, com as manifestações de amizade e confraternização ao “seu
camarada” Jacinto Veloso que, para todos os efeitos, não passa de um
desertor das Forças Armadas Portuguesas, um tenente piloto aviador (PQP)
da Força Aérea Portuguesa que havia desertado, aterrando com um
bombardeiro T-6 na Tanzânia onde fora recebido com braços abertos “pelos
seus camaradas da Frelimo”. (Será que também teve direito a alguma
comendazita da Ordem da Liberdade, por exemplo). Em suma, um traidor que
tinha passado ao Inimigo e se tornara deste modo cúmplice, senão autor
directo, da morte de muitos dos nossos soldados.
O senhor major-coronel Lopes Camilo terá de entender que a maioria
dos militares portugueses, dos antigos e dos actuais, não compartilham
da opinião do meu amigo (sem ironia) major (sem general…) Mário Tomé,
quando este defendeu num artigo inserido no Público de 18 de Agosto de
2003 que “houve milhares de desertores do Exército Português, dignos do
maior respeito, porque não aceitaram lutar contra a liberdade no
exército colonial ao serviço de um estado colonialista e fascista.”
Manténs, portanto, todas as tuas acusações? Que esperas conseguir?
Mantenho o que disse, com toda a minha veemência, até aos finais
dos meus dias. Esperar, espero muito pouco. Que o general Lopes Camilo
abandone a Direcção da Liga dos Combatentes. A sua permanência na
Direcção é um insulto para todos os que se bateram por um Portugal que
ele ajudou a destruir.
(Com a devida autorização do Blog Xiconhoca)
1 comentário:
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