Meus Amigos, minhas Senhoras e meus Senhores:
Começando por agradecer a honra
que me deram de, mais uma vez, me convidarem para presidir ao vosso Congresso,
queria corresponder ao convite dizendo algumas palavras de encerramento
desta sessão tão importante para a vida portuguesa.
E o primeiro ponto que gostaria de abordar
é o seguinte: constantemente, sempre que um período agudo
da vida política portuguesa se declara, os problemas do que foi
o Ultramar Português e os problemas dos deslocados, retornados
e espoliados voltam ao debate público e a mim parece-me que são
interesses excessivamente importantes para que sejam lembrados ou esquecidos
ao sabor das conveniências dos debates eleitorais.
Os deslocados, os retornados, os espoliados,
são êles próprios a expressão viva duma amputação
dos interesses nacionais e são eles próprios que devem, como
têm feito, manter a iniciativa e a autonomia da defesa da restauração
de dignidades que foram ofendidas, de interesses que devem ser reparados,
mantendo uma autoridade que lhes não pode ser negada em relação
aos intervenientes nos pleitos eleitorais porque são eles que precisam
do apoio, do julgamento, da adesão, dos que foram vitimas dum processo
descontrolado, não são eles que podem trazer qualquer benefício
ou conforto àqueles que aqui estão representados.
Queremos que essa dignidade seja
respeitada, trata-se de uma situação de injustiça,
trata-se da representação viva de um acontecimento fundamental
na vida portuguesa, são os senhores que representam e assumem isso,
é um valor permanente, não está dependente das contingências
e interesses eleitorais.
O segundo ponto que gostava de sublinhar:
constantemente, o julgamento do processo da chamada descolonização
é trazido à consideração pública e certamente
não é difícil atribuir às emoções
de quem esteve envolvido no processo, porque não lhe foi dado
participar nas decisões, os julgamentos tão frequentemente
e fundamentalmente condenatórios dos caminhos que esse
processo seguiu.
Simplesmente acontece que foi hoje
aqui citado por um dos oradores o director geral da UNESCO, Sr. Federico
Mayor. Esse director geral da UNESCO publicou um livro importante
que se chama « Manhana siempre es tarde» (Amanhã
é sempre tarde). Esse livro faz a síntese daquilo que é
hoje a situação dos territórios onde vários
países e nós, tiveram responsabilidades colonizadoras.
O inventário das carências
é aterrador. Há regiões em que nós exercemos
o poder onde morre uma criança de fome por minuto! Não
somos nós que precisamos hoje de fazer a contabilidade
dos resultados. A contabilidade está feita com autoridade, designadamente,
por este citado director geral da UNESCO.
É necessário reconhecer
que, à margem dos responsáveis pelo processo político,
em que os senhores não participam, a retirada a que foram obrigados
os colonos, significou a retirada das traves-mestras em que
assentavam a regularidade da vida civil dos territórios.
Quando se lê o livro, este
livro de Federico Mayor, nós sabemos que em relação
a cada uma daquelas calamidades da vida civil que ali se encontram, a cada
uma das carências enormes, inimagináveis, que afligem
aquelas populações, na base disso está, indiscutivelmente,
o vazio que foi deixado pela retirada de cada um dos senhores. E,
por isso, me tem parecido que não é de mais dizer e sustentar:
nós podemos fazer, e devemos fazer, um julgamento do processo político
português; os aparelhos políticos têm de
tomar as suas responsabilidades em relação a cada época;
mas, a presença portuguesa nesses territórios, a organização
da sociedade para enfrentar os desafios do mundo moderno em que esses territórios
estavam a integrar-se, a criação da sociedade civil que estava
em curso, isso não foi obra dos políticos, não foi,
fundamentalmente, obra dos políticos, foi obra da gente que está
aqui e que não tinha responsabilidades políticas.
E é por isso que, todos os
que tivemos responsabilidades no aparelho político , eu também,
julgo que devemos ser humildes perante os desafios a que nenhum de nós
foi capaz de responder.
Cada um tem de Ter a atitude de assumir
a incapacidade de ter enfrentado esse desafio, mas não pode
somar ao facto de todos terem sido excedidos pelos desafios, a passividade
perante a possibilidade de ainda reparar as injustiças que
estão vivas, as injustiças de homens vivos que ainda está
ao nosso alcance reparar, aqui e lá.
E é por isso que, embora não
me reconheça nenhuma autoridade para o fazer, pela circunstância
de me terem dado a honra de presidir a este Congresso, eu me
atrevo a dizer que merece reconhecimento público o trabalho
cívico que tem sido feito pelas vossas Associações
e sobretudo o sentido de responsabilidade com que têm sempre
actuado, porque a maior parte dos senhores, que viu ruir o trabalho de
uma vida inteira, que viu desaparecerem as perspectivas e as esperanças
de uma vida totalmente dedicada ao trabalho naqueles territórios,
não se tem movimentado nunca ao sabor das paixões das conjunturas
portuguesas --- tem continuado a dar aqui o exemplo da responsabilidade
em função dos interesses nacionais e eu penso que este Congresso
é mais um exemplo dessa capacidade serena de enfrentar
o infortúnio e os tempos afortunados, mantendo o animo para
todas as circunstâncias.
E, por isso, espero que o movimento
seja recompensado, que os resultados venham corresponder aos esforços
devotados com que todos contribuíram para a tarefa
que os novos tempos, e o tempo que já passou e que nos permitiu
esquecer algumas amarguras, ser mais benevolente para com algumas injustiças
nos ajudem a reparar que, entretanto, alguns vão caindo e
que acontece a este combate que quanto mais tempo dura, mais diminui
a causa dele porque as pessoas vão desaparecendo.
Que se reconheça que, neste
momento em que temos esperança de que venham a estabelecer-se outros
padrões na nossa vida internacional, caminhemos para uma sociedade
mais pacífica, mais cooperante, menos conflituosa, em que
o regresso de Portugal a África se possa fazer em novos
moldes, porque, o que ruiu foi um sistema político que tínhamos,
não ruiu a área em que nós actuámos, e que
nós criámos, e que nós identificámos. Que neste
momento, em que um dos valores portugueses que são postos
em evidência é o do nosso capital de experiência
em relação a esses territórios, se reconheça
que grande parte dessa experiência está viva, está
aqui, e está disponível para servir o País. |