sábado, 25 de agosto de 2012

MEMÓRIAS

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Por João Maria Neves Pinto
Decorria o ano de 1972 quando, no cargo oficial do governo português, como Administrador de Posto do Zóbuè, em Moçambique, recebi um Padre no meu gabinete. Vestido de branco, cabeção ao pescoço, inspirava respeito, na sua postura séria e tensa. Vinha denunciar uma injustiça feita aos naturais daquelas terras, e exigir reparação.
Perante a posição que assumi, de que não tolerava que acontecessem situações como aquela que relatava, ofereceu-se como testemunha, para o processo que teria de abrir. Até tudo terminar, foi um aliado atento ao meu lado.
Fiquei a saber que era o reitor de um seminário, a poucos quilómetros daquele local, e, ao mesmo tempo, assistia espiritualmente todo o enorme território daquele Posto Administrativo, de fronteira extensa com um país chamado Malawi.
Em tempo de guerra, com as estradas de terra batida minadas, só se podia transitar com proteção militar. No entanto ele, montado numa débil e ranhosa motorizada, percorria todas aquelas estradas, ao encontro do povo do seu “rebanho”, que não abandonava. Era olhado com estupefação, pelos militares do exército português, e também pelos guerrilheiros, que minavam essas mesmas estradas, e que, volta e meia o intersetavam e conversavam com ele.
Fizeram-no Bispo, e colocaram-no a largas centenas de quilómetros dali, ao norte de Moçambique, numa província chamada Niassa, com a capital numa cidade de nome Vila Cabral, mas que se passou a chamar Lichinga. Nunca mais soube nada dele.
Por lá esteve, ainda no tempo do domínio português, atravessando depois o terrível tempo do comunismo, logo após a independência de Moçambique, com a implementação das suas teorias políticas, da perseguição à Igreja, e da guerra civil que devastou aquele país, e da miséria impensável que se instalou, com as pessoas a morrerem de fome. E por lá continuou, com a viragem política daquele país à democracia.
Ele, era sempre o mesmo, na dedicação de pastor pelo “seu” rebanho, à Igreja, e de fidelidade ao Santo Padre.
Na década de 80, voltei a estar com ele, desta vez no Porto. Recordo a referência entusiasmada que me faz do novo Papa, com quem estivera pessoalmente, de nome João Paulo II, e do muito que esperava dele.
O tempo, que passa rapidamente por todos nós, e que nos transforma fisicamente, obrigou-o a resignar da sua tarefa de Bispo. Mas, contrariamente ao que se poderia supor como razoável, não regressou a Portugal. Regressa sim a Tete, donde partira, para ajudar os outros sacerdotes jesuítas na sua Missão, pelas terras da Angónia.
Mais tarde, volto a encontra-lo, no Porto. Desta vez é a consagração de vários seminaristas jesuítas, na Igreja dos Grilos, a que preside. Aí se juntam também, muitos sacerdotes jesuítas de todos os cantos de Portugal, entre eles, o meu antigo e amigo pároco de Quelimane. É uma cerimónia bonita, em que paira uma serenidade que não se consegue definir, mas quase se consegue tocar. No final, ao cumprimentar um daqueles jovens, pergunta-me risonho: - então, valeu a pena vir? -. Digo-lhe que sim, reconhecido.
São as cartas, essas que, aqui e acolá, vão vencendo a distância que me separa deste homem de paz, dedicado a uma causa de todo o seu coração, e me vão dando a conhecer algum do percurso da sua vida, agora na reta final. Por ela sei, que cedeu a Missão onde estava, a outra congregação religiosa, e partiu para a zona menos evangelizada da Angónia. A Igreja Católica tem agora espaço para trabalhar, mas falta-lhe pessoal moçambicano preparado. Procura orientar os seus esforços também para a Universidade, a pedido da conferência episcopal, num país com um galopante progresso, fruto das promessas descobertas do seu rico subsolo.  
Nas Missões, a Igreja Católica constrói não só as suas Igrejas, onde aos domingos apresenta o Deus vivo, como também outros edifícios, para a promoção social dos povos, como a alfabetização, as artes e os ofícios. As nações só beneficiam com a sua ação, e nada têm a temer com o bem que personificam. A não ser o mal, certamente.
É isto que leva as pessoas a olharem com admiração para estes homens, e a procurem entender Aquele que os move. São certamente muitos por este mundo fora, mas este, tem um nome, D. Luís Gonzaga Ferreira da Silva, Bispo Emérito de Lichinga.
2012/08/18

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