O número de pobres está a crescer em Moçambique
O
economista diz que o modelo de distribuição da renda em Moçambique está
a aumentar a pobreza, para além do fosso entre ricos e pobres, pois os
de baixa renda gastam 85% dos seus rendimentos em comida, cujos preços
aumentam rapidamente, quando os ricos só gastam 15%.
O
presidente da República, tem chamado nomes aos que criticam o governo,
apelidando-os de distraídos, apóstolos da desgraça, etc. Sendo uma das
pessoas que dirige uma instituição que por vezes critica as políticas
adoptadas pelo governo, sente-se visado por essas críticas?
Não.
Sentir-me-ia visado se eu pensasse que sou distraído, que sou apóstolo
da desgraça, etc. Se eu pensasse nisso seria afectado. mas eu não penso
nisso, por isso não me afecta, nem ao IESE, nem a todas as pessoas que
são sérias em relação a essas questões. Num dos últimos discursos, se
não me engano, nas celebrações do 50o aniversário da Frelimo, teria dito
que ia irritar os críticos. Um Chefe de Estado não pode dizer coisas
desse género, deve estar acima desse tipo de questões. Deve ter a
estatura do Estado suficiente para lidar com a crítica social e saber
distinguir qual é aquela crítica que vem da academia ou aquela crítica
social que vem da sociedade no geral.
Ele não sabe distinguir?
Se
chama qualquer crítico apóstolo da desgraça, distraído, etc., está a
pôr tudo no mesmo saco, e, ao fazer isso, perde a oportunidade de
beneficiar do contributo social mais amplo, e não só daquelas pessoas
que apenas aplaudem, porque essas não dão nenhum contributo, só estão a
aplaudir, só estão a dizer que sim, a abanar a cabeça. Mas, para
realmente mobilizar as forças vivas da sociedade, para mobilizar a
intelectualidade, os grupos sociais activos nas diferentes frentes de
luta neste país, é preciso respeitá-los.
Alguma vez foi pressionado por aquilo que fala?
Não
sou pressionado, não serei e não vou aceitar nenhuma pressão. Sou um
académico, o IESE é uma instituição académica, os investigadores do IESE
são académicos.
O
que a investigação social e económica tem estado a oferecer à
planificação, também, social e económica no nosso país? Essa informação é
usada por aqueles que decidem, no caso o governo e o parlamento?
Eu
penso que, em parte, é usada, e, em parte, não. Vamos pegar num
exemplo. há 12 anos, começou-se a discutir a questão dos mega-projectos
em Moçambique. Na altura, o Banco Mundial chamou-nos loucos, o governo
de Moçambique também, o presidente da República na altura não nos chamou
apóstolos da desgraça, porque não é o estilo dele insultar, mas quase,
não chegou lá. Hoje, é verdade que não há muita coisa que mudou, mas já
há algumas mudanças. A lei do incentivo aos investimentos foi alterada,
já se fala da questão da tributação dos ganhos extraordinários do
capital com as transacções entre empresas que têm activos mineiros em
Moçambique, que no passado ninguém queria falar. Hoje em dia, quando se
fala de desenvolvimento económico de Moçambique, em qualquer fórum, seja
quem for que esteja lá presente, ninguém deixa de falar dos
mega-projectos, da tributação e, inclusive, o próprio governo já faz
isso.
Alguns
países que apoiam o orçamento do Estado já anunciaram que vão deixar de
o fazer e outros estão a reduzir os valores que normalmente dão. Não
será esta uma oportunidade para resolver esta questão da eliminação dos
excessivos incentivos fiscais aos grandes projectos?
Eu
penso que pode ajudar. Portanto, a redução da ajuda externa pode ser
uma oportunidade importante para darmos os saltos que precisamos fazer,
para mobilizar recursos domésticos mais intensamente e ligar as receitas
do Estado ao crescimento da economia. Mas, nos últimos tempos, o
governo tem recorrido ao endividamento público doméstico e estrangeiro
para aliviar as pressões. Mas o endividamento público doméstico é muito
caro, afecta a disponibilidade do capital para o investimento, encarece o
capital para todas as actividades internas e contribui para apreciar a
taxa de câmbio. Essas coisas são altamente desfavoráveis para o aumento
da competitividade da economia nacional.
Quais deviam ser as prioridades para investir os recursos adquiridos através da dívida pública?
Para
esse endividamento não agravar seriamente a situação macroeconómica de
Moçambique, é preciso que seja aplicado em infra-estruturas, em
projectos de retorno financeiro alto, que são as grandes obras públicas,
as grandes obras ligadas aos grandes projectos. Isso não resolve os
problemas de Moçambique, resolve, sim, os problemas de alguns interesses
económicos em Moçambique; não resolve o problema de ligar aldeias umas
com as outras, ligar mercados uns com os outros dentro da economia de
Moçambique, ligar a agricultura com a indústria, criar um sistema de
transporte diversificado, intermodal, que liga o país a baixo custo,
etc. Essas coisas não são possíveis de resolver desta maneira.
Como, então, enquadra o projecto da construção da Ponte Maputo-Ka Tembe e as estradas Ka Tembe-Ponta D’Ouro e Boane Bela Vista?
Estes
projectos de ponto de vista de prioridades nacionais deveriam ficar
muito em baixo na lista. A estrada Grande Circular de Maputo, por
exemplo, pode argumentar que vai desentupir a cidade do ponto de vista
de trânsito. Vai desentupir para as pessoas que têm carros pessoais, a
questão principal da cidade de Maputo não são as pessoas que têm carros
pessoais, mas sim é por que é que as pessoas têm que ter carros pessoais
para circular? Por que não podemos ter sistemas de
transporte público eficazes, que vão desentupir a cidade? Precisamos de
gastar biliões de dólares em novas estradas? Esse dinheiro podemos usar
para outras coisas. Se eu pensasse na cidade de Maputo, ia pensar não
tanto nos carros que estão a entupir a cidade, mas é nas pessoas que
estão à espera do transporte público, essas pessoas que não têm carros
são a grande maioria. Talvez daqui a alguns anos, quando nós
conseguirmos fazer circular o arroz, a batata, o tomate no país, fazer
as pessoas circularem, irem para emprego, as crianças irem à escola,
quando nós conseguirmos fazer isso em diferentes pontos do país, então,
vamos pensar em projectos que nos levam para outro nível, mas nós já
estamos a pensar nesses projectos.
Recentemente,
Graça Machel disse, numa entrevista na TVM, que as desigualdades
sociais, ou seja, o fosso entre ricos e pobres tende a crescer em
Moçambique. Concorda? E como se pode resolver isso?
É
verdade, mas eu gostaria de explicar como é que isso é visível na
própria estatística. Não é só o fosso entre os ricos e pobres que está a
aumentar, mas o número de pobres também está a aumentar. É que as
pessoas de rendimento baixo gastam uma grande proporção do seu
rendimento, 80 a 85%, na comida e outros bens e serviço básico, e as
pessoas de alto rendimento gastam uma proporção muito pequena naquilo
que são os bens e serviços básicos, a volta de 15% do seu rendimento. O
que acontece é que andamos a falar que a nossa inflação anda a um
dígito, cerca de 7%, e andamos felizes com isso. A inflação média não é
um bom indicador de como é que o rendimento das pessoas é afectado,
particularmente as de baixa renda. Se desagregamos a inflação, e quando
olhamos para a inflação de bens alimentares, verificamos que ela
atingiu, em média, 50% mais alta do que a inflação média do país, de
cerca de 11,5%. Vamos fazer as contas, se eu gasto 15% do
meu salário a comprar comida, esta inflação afecta, apenas, 15% do meu
rendimento, e se eu gasto 85%, ela incide sobre praticamente todo o meu
salário. Se sou uma pessoa de baixo rendimento, sou muito mais afectado
pelos preços dos produtos alimentares, não é pela inflação média, não é
pelo que acontece com os preços dos carros, mas com o preço do
transporte público, combustíveis domésticos, etc. Isso faz
com que a distribuição do rendimento real seja feita de tal maneira que
prejudica as pessoas de baixo rendimento. o resultado disso é que se eu
sou pobre, vou comprar as coisas cujos preços sobem mais depressa, e se
eu sou rico, vou comprar as coisas cujos preços sobrem mais devagar. O
problema é que as pessoas não comem carvão, as pessoas não vestem gás,
as pessoas não são tratadas no hospital com alumínio. O problema na
nossa economia é que nós somos capazes de produzir e escoar o carvão,
somos capazes de produzir e escoar o alumínio, somos capazes de produzir
e escoar gás, mas não somos capazes de escoar o arroz, a batata, o
tomate, não somos capazes de produzir e escoar os bens mais básicos que
as pessoas usam. E pior é que não somos capazes de ir buscar o
rendimento do alumínio, do carvão e do gás e usar esse rendimento para
alargar a base produtiva do país e ligar vilas, aldeias, mercados
agrícolas e industriais, e pôr a comida onde as pessoas trabalham e
precisam. E, em contrapartida, somos capazes de pensar na ponte para Ka
Tembe, a Circular da Cidade de Maputo, a Linha Férrea Sul-Norte e o
Aeroporto Internacional de Nacala.