A intervenção que vai seguir-se
poderá parecer que não cabe bem no âmbito de um Congresso
deste tipo.
Mas, na realidade, todos os problemas e
reivindicações aqui apresentados tiveram uma origem comum:
o trágico abandono do Ultramar a que pretensamente se convencionou
chamar « descolonização ».
Por outro lado, chega até nós
a revolta dos Espoliados do Ultramar por recentes atitudes com que,
despudoradamente , se pretende calar as nossas desgraças ou minimizar
as nossas dificuldades.
Entendemos, por tudo isto, que seria oportuna
e bem aceite neste Congresso qualquer contribuição que viesse
esclarecer os portugueses íntegros, das posições publicamente
assumidas sobre o Ultramar por alguns destacados políticos que,
em 1974 e 1975, representavam o Estado Português.
As declarações que vamos
ler --- uma pequena amostra, pois o tempo que nos é concedido
mais não permite, ficando o restante para publicação
na revista do Congresso --- foram recolhidas da imprensa diária
dessa altura, em especial do insuspeito « Diário de
Notícias ».
Serão, em grande parte, uma surpresa
para todos vós, que nesses recuados e conturbados tempos,
estáveis mais preocupados com a sobrevivência própria
e dos vossos familiares, do que com as afirmações de políticos
recém-nascidos em quem até muitos de nós chegámos
a acreditar, movidos pela esperança de que teriam a capacidade
de conseguir o que era fácil : um futuro comum melhor, em África,
para africanos e europeus.
Pedimos, pois, a vossa atenção:
Extracto de parte da Proclamação
ao País, lida pelo General de Spínola, como presidente da
Junta de Salvação Nacional, às primeiras horas do
dia 26/04/74:
«... a Junta de Salvação
Nacional, a que presido, constituída por imperativo de assegurar
a ordem e de dirigir o País para a definição
e consecução de verdadeiros objectivos nacionais, assume
perante o mesmo o compromisso de : Garantir a sobrevivência
da Nação, como Pátria Soberana no seu todo
pluricontinental.»
Seguem-se mais sete parágrafos,
sendo este o único que interessa citar.
Declarações do General Costa
Gomes, representando a J. S. N., no dia 04/05/74, em Luanda:
« Quis o destino que seja precisamente
na maior parcela do Portugal de hoje que sinta a obrigação
de exprimir em público uma interpretação sincera do
fenómeno político agora em curso.»
«Nenhuma província, nenhum
grupo e nenhuma raça terão permissão para impor uma
solução aos nossos problemas políticos que não
tenha passado pelo crivo de um teste democrático.»
« É nossa intenção
continuar a lutar contra as guerrilhas e essa posição
manter-se-á até que os guerrilheiros aceitem a nossa
oferta para depor as armas e se apresentem como um partido
político legal.»
Palavras de saudação aos
moçambicanos do General Costa Gomes, à chegada a Lourenço
Marques, no dia 10/05/74:
« Quis a Junta de salvação
Nacional significar o seu alto apreço ao povo moçambicano
e fazer sentir ao Mundo que Portugal europeu continua firme e determinado
no seu apoio aos irmãos ultramarinos. Nesta intenção
radica a minha viagem e do general Diogo Neto que, em nome da junta
de Salvação Nacional, saudamos um povo irmão
que desejamos próspero, feliz e pacífico.»
Extracto da conferência de imprensa
dada pelo General Costa Gomes, em Lourenço Marques,
no dia 11/05/74:
« Teria havido quem admitisse
que o Movimento das Forças Armadas tudo planeara para fugir ao sofrimento
da guerra, teria havia quem se convencesse que esta revolução
equivaleria à entrega imediata e incondicional dos povos irmãos
do Ultramar, teria havido desesperos doentios de onde brotaram planos inconsequentes
de independências unilaterais, teriam também existido ingénuos
que trocaram pesadelos de tímidos pelo sonho de um navio com
apartamento familiar e com porão largo para bagagens abastadas.
Pois bem, que fique definido de uma vez para sempre que os homens do Movimento
das Forças Armadas e a Junta de Salvação Nacional
que elegeram são o conjunto humano com provas dadas no mato e na
rectaguarda, jamais negaremos apoio em todos os campos aos povos irmãos
do Ultramar.»
« Desde o inicio que Portugal
subscreveu a Carta das Nações Unidas, em cujo clausulado
se vincou ao respeito pela autodeterminação dos povos. A
Junta de Salvação Nacional é garante desse principio
entendido em termos de direito internacional à luz do qual o povo
moçambicano oportunamente decidirá o seu destino. Poderão,
então, escolher entre um extremo da independência completa
e outro extremo da integração total. Verdade seja que não
é nos extremos que reside a virtude e que pessoalmente acredito
que o povo de Moçambique saberá encontrar o equilíbrio
num figurino original de enquadramento político no grande espaço
português.»
E, a terminar:
«... Portugal europeu está
disposto a apoiar incondicionalmente o povo de Moçambique em todos
os campos e em todas as dificuldades. Repetindo a ideia: por
um Moçambique livre e autodeterminado estamos mais do que nunca
dispostos a todo o tipo de sacrifício. Saudamos a nova era, em que
homens de todas as cores, etnias e credos, são mais livres ao saudar
a bandeira verde-rubra.»
Durante a conferência de imprensa
que se seguiu e em resposta à questão posta por um jornalista
estrangeiro ( «Se a Frelimo não aceitar as condições
propostas, o exército estará preparado para continuar indefinidamente
a luta e aumentar a sua intensidade»), respondeu o General
Costa Gomes:
«Se a Frelimo não aceitar
esta oferta que é feita com a maior sinceridade e com o espírito
mais aberto, o exército não tem outra solução
se não continuar a luta e intensificá-la se possível.»
E, quando outro jornalista lhe perguntou
« qual a reacção do povo português
e dos partidos políticos em formação em Portugal no
caso da guerra se intensificar por a Frelimo não aceitar as
condições estabelecidas», respondeu:
«O povo português está
preparado exactamente para mais essa prova que, por todos os meios, desejaríamos
evitar, dando as maiores facilidades a todos os partidos para entrarem
numa era de paz, numa era onde todos possamos esquecer amarguras antigas
e realmente dar as mãos para a construção de um futuro
novo.»
Palavras do Dr. Almeida Santos, aos
Órgãos de Informação, no dia 04/06/74:
« Angola e Moçambique aceitaram
com júbilo autodeterminarem o seu destino.»
« Receiam alguns que as
negociações ponham em risco aquilo que são, que têm,
ou de que dependem. Afligem-se sem lógica, e o mais das vezes sem
razão. Antes da ofensiva de paz, em boa hora encetada, e que começou
a produzir os seus frutos, repousavam sobre uma bomba de espoleta retardada.»
« O movimento de 25 de Abril despoletou-a
e pôs em marcha de edificação de novos equilíbrios
políticos, sociais e económicos.»
Palavras do General Spínola, na
qualidade de P.R., ao conferir posse aos novos Governadores Gerais
de Angola e Moçambique, General Sílvio Silvério
Marques e Dr. Soares de Melo, em 11/06/74:
«... entendo por autodeterminação
o exercício da capacidade dos cidadãos de uma
sociedade para elegerem o estatuto por que hão reger-se, a soberania
que desejam reconhecer e a forma de vida em comum que pretendem
prosseguir --- enfim, para praticarem actos decorrentes de uma vontade
individual ou social livre e conscientemente formada.»
e mais adiante:
« Temos, assim, de concluir que,
não se encontrando instituições democráticas
em funcionamento nos territórios ultramarinos, e estando por isso
as suas gentes ainda privadas de formas eficazes de expressão e
de participação o que hoje se entende por independência
imediata seria a mais gritante negação dos ideais democráticos
universalmente aceites e nos quais se inspirou o Movimento das Forças
Armadas.»
e continuou:
« Poderão, pois, estar
tranquilos os africanos que se mantiverem neutros, porque não lhes
será negado, por essa razão, o direito de optar. Poderão
estar tranquilos os africanos que se nos confiaram e ao nosso lado combateram,
tendo já feito a sua opção. Poderão estar tranquilos
os europeus que chamam à África a sua terra e ali se sentem
cidadãos como quaisquer outros: não os abandonaremos
na cobarde procura do fácil e na demagógica busca de
popularidade. Poderão também estar tranquilos quantos vêm
lutando pelo direito à autodeterminação, pois que
a sua vontade será feita pela vontade das maiorias. A todos garantiremos
que nessa hora grande serão chamados, sem excepção,
a dar o seu voto.»
Palavras do Dr. Mário Soares, no
Comício do Partido Socialista, em Cascais, no dia 19/07/74:
«O processo de descolonização
está a ser desencadeado com a celeridade que é possível
e de molde a garantir o património daqueles portugueses que ajudaram
a desenvolver os territórios africanos.»
No dia 27/07/74, no nº 174,I Série,
do Diário do Governo, é publicado um Suplemento com
a Lei nº 7/74, pelo qual se « esclarece o alcance do nº
8 do capítulo B do programa do M. F. A.».
Da lei nº 7/74, constam os seguintes
Artigos:
Art.º 1º
O princípio de que a solução
das guerras no ultramar é política e não militar,
consagrado no nº 8, do capítulo B, do programa do Movimento
da Forças Armadas, implica, de acordo com a Carta das Nações
Unidas, o reconhecer por Portugal do direito dos povos à autodeterminação
Art.º 2º
O reconhecimento do direito à
autodeterminação, com todas as suas consequências,
inclui a aceitação da independência dos territórios
ultramarinos e a derrogação da parte correspondente
do art.º 1.º da Constituição Política
de 1933.
Art.º 3.º
Compete ao Presidente da República,
ouvidos a junta da Salvação Nacional, o Conselho de Estado
e o Governo Provisório, concluir os acordos relativos ao exercício
do direito reconhecido nos artigos anteriores.
Para se avaliar a importância da
Lei N.º 7/74, em relação ao que primitivamente
havia sido disposto no Programa do M.F.A. em relação ao ultramar,
transcrevemos o N.º 8, do capítulo B:
8 - A política ultramarina
do Governo Provisório, tendo em atenção que a sua
definição competirá à Nação,
orientar-se-á pelos seguintes princípios:
a) Reconhecimento de que a solução
das guerras no ultramar é política, e não militar;
b) Criação de condições
para um debate franco e aberto, a nível nacional, do problema ultramarino;
c) Lançamento dos fundamentos
de uma política ultramarina que conduza à paz;
Portanto, houve muito mais do que um «
esclarecimento do alcance » do N.º 8, do P. M. A.
pois pôs-se de lado « o debate franco e aberto, a
nível nacional, do problema ultramarino» e abriu-se caminho
para, ao abrigo de uma « legalidade revolucionária»
que contestamos, efectuar a entrega do Ultramar aos chamados Movimentos
de Libertação.
No dia 27/07/74, o presidente da República,
General Spínola, fala pela primeira vez aos portugueses sobre
« Reconhecimento imediato do
direito à independência dos povos da Guiné, Angola
e Moçambique.»
E faz as seguintes afirmações:
« A quantos sonharam, honestamente,
com África Lusa, dirijo uma palavra de confiança nas novas
perspectivas que se abrem e de tranquilidade quanto à
segurança da vida que construíram na terra a que também
chamam sua.
Nada terão a recear, pois consideramo-nos
em posição de poder confrontá-los com a certeza
de que as autoridades dos novos países honrarão o sentido
de justiça decorrente do seu estatuto de nações
pluriraciais
de expressão portuguesa.»
Kurt Waldheim, então Secretário-Geral
das Nações Unidas, vem a Lisboa, em 28/08/74, a convite
do Dr. Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros,
e este declara aos jornais:
« Sinto-me muito satisfeito que
o Secretário-Geral das Nações Unidas tenha aceitado
e concretizado finalmente o convite que eu lhe fiz em nome do Governo Português,
quando estive com ele em Nova Yorque, e que possa iniciar hoje esta
visita, que terá, certamente, consequências históricas
para Portugal e para o processo de descolonização que,
com o apoio e de acordo com os princípios das Nações
Unidas, se começa neste momento a concretizar.»
A finalizar a visita do Secretário-geral
das Nações Unidas, Kurt Waldheim, a Portugal, o Departamento
de Informação Pública das Nações Unidas
publicou um comunicado, do qual transcrevemos os pontos de interesse:
1 - O governo Português reafirma
as suas obrigações quanto ao capítulo XI da Carta
das Nações Unidas e em conformidade com a Resolução
N.º 1514 (XI) da Assembleia Geral, que contem a « Declaração
sobre a concessão de independência aos povos e territórios
coloniais», e neste sentido decide cooperar plenamente com as Nações
Unidas no que respeita à aplicação das disposições
dos mencionados capítulos, declaração e relevantes
resoluções acerca dos territórios sob administração
portuguesa.
5 - O Governo Português reconhece
o direito do povo de Moçambique à autodeterminação
e independência e está disposto a aplicar as decisões
das Nações Unidas a este respeito.
O Governo Português, com vista
à execução desta declaração de princípio,
e no prosseguimento dos contactos anteriormente havidos, tomará
medidas imediatas para entrar em negociações com representantes
da Frelimo para acelerar o processo de independência
daquele território.
6 - O Governo Português
reconhece o direito à autodeterminação e independência
do povo de Angola e está disposto a aplicar as decisões das
Nações Unidas a este respeito. O Governo Português
tem intenção de estabelecer, em breve, contactos com os movimentos
de libertação de modo a poderem iniciar-se, logo que possível,
negociações formais.
Em termos semelhantes é feita referência
a Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
E o comunicado termina com o parágrafo
8 - O Governo Português manifesta
a esperança de que uma vez que adoptou medidas concretas para
respeitar as disposições da Resolução N.º
1514 ( XI ), a Assembleia Geral da Nações Unidas possa reconsiderar
as suas anteriores decisões sobre o assunto e dar a Portugal
a possibilidade de participar plenamente nos programas social, económico,
financeiro e técnico das Nações Unidas e das agências
especializadas, bem como participar das actividades daqueles órgãos.
Em 07/08/74, o Prof. Veiga Simão,
embaixador de Portugal junto da O. N. U., após a visita
de K. Waldheim, disse o seguinte:
« Podemos estar confiantes, daqui
para o futuro é só acertar pormenores. Um passo histórico
foi dado. Temos o apoio das Nações Unidas e a boa vontade
do Mundo. Estamos confiantes, repito, de que tudo chegará a bom
termo.
Os « hábeis»
políticos portugueses continuaram dando preferência e insistindo
nas negociações directas com os chamados «
movimentos de libertação » liderados por uns
escassos centos de janotas bem vestidos, bem nutridos e bem falantes,
ignorando as ofertas da nossa velha aliada Inglaterra em nos apoiar com
conselheiros experientes em anteriores situações de descolonização.
E, numa atitude de total falta de experiência
como negociadores (ou de obediência a nebulosos interesses?), deixa-se
perder a histórica e soberana oportunidade de entregar à
O.N.U. a responsabilidade e os altos custos da nossa descolonização
- , já que este Organismo havia sido o mais empenhado - até
com o recurso a sanções! - em forçar Portugal
a abandonar os seus territórios do Ultramar.
O seguinte parágrafo consta do Comunicado
de 09/08/74, da Junta de Salvação Nacional de Angola:
N.º 5 --- A junta de Salvação
Nacional reitera solenemente, perante toda a população
de Angola, que o Governo Provisório tomará todas as medidas
necessárias a salvaguardar a vida e os haveres dos residentes de
Angola de qualquer cor ou credos de acordo com o Programa do Movimento
das Forças Armadas.»
À partida de Lisboa para Lusaka,
em 04/09/74, o Dr. Mário Soares, como Ministro dos Negócios
Estrangeiros, faz as seguintes declarações:
« Parto bastante optimista para
as conversações de Lusaka. Durante mais de três
meses fizemos um extenso trabalho, no sentido de podermos chegar
agora a um acordo com a Frelimo. O brigadeiro Otelo de Carvalho e eu tivemos
um primeiro encontro em Lusaka com Samora Machel, depois registaram-se
outros contactos a vários níveis: o major Melo Antunes fez
duas visitas a Dar-Es-Salam onde também esteve o ministro Almeida
Santos e eu para conversações com o presidente da Frelimo;
tudo isto constitui os pontos fundamentais para um acordo, acordo esse
do qual sairá, espero, um Governo de Transição.
E afirmou ainda:
« Os acordos de cooperação
que estão em estudo são muito vastos e posso dizer que os
interesses de portugueses, que são legítimos e reconhecido
pela própria Frelimo, serão devidamente acautelados.
Partimos pois, todos nós, com uma perspectiva
optimista e com grande confiança .»
No livro « Conversas com Adelino
da Palma Carlos», de Helena Sanches Osório, a pág.
54, diz-se que o Dr. Mário Soares e o Dr. Almeida Santos, no regresso
de Lusaka, se queixaram ao Presidente da República, general Spínola,
de que « não tinham sido ouvidos para coisa
nenhuma» e ainda que « Melo Antunes decidira tudo, sozinho,
com a Frelimo».
Não temos o direito de duvidar desta
afirmação do insigne professor, aliás, até
hoje nunca desmentida, segundo a qual o general Spínola teria
reagido com o seguinte brado « Se apanho Melo Antunes, mando-o
fuzilar aqui mesmo, no Palácio de Belém» ( pág.
54, da obra citada).
É evidente que a delegação
portuguesa enviada a Lusaka exorbitou as suas funções. A
despeito disto, o acordo de Lusaka foi assinado pelos oito representantes
do Estado Português no dia 07/09/74 e aprovado depois de ouvidos
a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado
e o Governo provisório, nos termos do art.º 3 da Lei
.N.º 7/74, I Série de Julho.
No dia 09/07/74 recebeu a assinatura do
Presidente da República, general António Spínola
e foi publicado na Boletim Oficial N.º 117, I Série, de 10/10/74.
Devem ser muito fortes os argumentos de
que Melo Antunes se serviu para convencer todos os interventores aqui indicados
e o próprio Presidente da República. E ainda continuar
por muitos anos nas altas esferas da política portuguesa.
Tão « fortes » que,
quando forem tornados públicos, farão tremer de raiva todos
os portugueses dignos.
Restou-nos esta triste realidade:
do Acordo de Lusaka não consta uma única palavra
que comprometa a Frelimo a respeitar depois da independência os bens
e interesses legítimos dos portugueses domiciliados em Moçambique
( como quatro meses mais tarde foi adoptado no Art.º 54.º,do
Acordo do Alvor ).
E ficamos pasmados quando, atentos a
estes erros colossais que afectaram terrivelmente as nossas vidas
e tiveram trágicas consequências em Angola e Moçambique,
ouvimos em 1990, o Dr. Mário Soares afirmar publicamente que NÃO
ESTÁ ARREPENDIDO DO QUE FEZ E QUE, SE HOJE TIVESSE DE VOLTAR ATRÁS,
TORNARIA A COMETER AS ACÇÕES QUE PRATICOU!...
Fingindo ignorar os infelizes termos em
que também ele assinou ( sem negociar !) o Acordo de Lusaka, no
prefácio do livro « Soares --- Portugal e a liberdade»,
o Dr. Almeida Santos, procurou sem êxito aliviar responsabilidades
comuns e escreveu:
« Os negociantes políticos
limitaram-se a certificar o óbito das soluções militares,
a juntar os cacos das ilusões perdidas, a salvar a face de
uma grande Pátria com uma grande História.»
E, em seguida, tem o despudor de afirmar
( pág. 16):
« De resto, bom é que se
não se esqueça que Mário Soares nada teve a ver com
a fase da descolonização posterior aos acordos, ou seja a
fase da transição para a independência - com os correspondentes
governos transitórios - traduzida no ensarilhar das armas, na outorga
progressiva das prerrogativas da soberania às novas autoridades,
na transferência dos serviços, no apear das fotografias, na
efectiva protecção das pessoas, dos interesses e dos bens.
Quem reler hoje os acordos firmados, concluirá, que
apesar de tudo, o mal não estava neles.»
É nomeado Alto Comissário
de Moçambique o contra-almirante, Vítor Crespo. No seu acto
de posse, em 10/09/74, o Presidente da República, General Spínola,
afirma a dado passo:
« Conhece V. Exa. o meu pensamento
sobre a descolonização, conhece igualmente o pensamento da
Frelimo e do povo moçambicano. Conhece, assim, o complexo de condicionalismos
que estão na base do desvio que aceitámos da
linha do processo de descolonização que idealizámos,
desvio que está na origem da incompreensão dos que desconhecem
os meandros dramáticos da hora histórica que vivemos.
Este conhecimento da realidade viva
dos factos e as altas qualidades de inteligência que certamente estiveram
na base da escolha para o cargo que vai ocupar, são garante de que
V. Exa. reúne as qualidades necessárias para o cabal desempenho
da complexa missão de conduzir o processo de descolonização
de Moçambique, em paz, em ordem, com dignidade, com patriotismo,
no respeito pelo nosso passado, pelos nossos maiores de África
e, acima de tudo, pela bandeira verde-rubra da Pátria Portuguesa,
para que o novo Estado de Moçambique venha a ser efectivamente uma
Nação de expressão lusa e indestrutivelmente
ligada à sua MÂE PÁTRIA.»
Em resposta e entre palavras de circunstância,
Vítor Crespo disse:
« Calculam V. Exas. como,
por isso, me entristeceu ter nos últimos dias assistido ao desencadear
de uma onda descontrolada de reacção, provocada por alguns
elementos activistas que ainda não quiseram entender que o futuro
de Moçambique passa obrigatoriamente pela sua descolonização
e independência, desde que assegurados os interesses legítimos
dos portugueses que naquelas terras ajudaram a construir em paz e com o
trabalho humilde e honesto de tantas gerações, a realidade
que é Moçambique.»
Uns dias antes, em 06/09/74, após
terem concluído o Acordo «que satisfez ambas as partes»
e o qual seria assinado no dia seguinte, o secretário da Defesa
e da Segurança do Movimento de Libertação de Moçambique,
Joaquim Chissano, teria dito aos jornalistas:
« Estamos muito satisfeitos. Não
encontramos dificuldades na fase final das negociações. Correram
melhor do que esperávamos.»
Na sua mensagem de renúncia, em
30/09/74, o gerente Spínola aponta como um dos motivos «
a desvirtuação do ideário do Movimento das Forças
Armadas» e acrescenta:
« Após profunda e demora
reflexão tomei a nítida consciência de não estarmos
a caminhar para o país novo que os Portugueses desejam construir.
Conclui assim ser inviável a
construção da democracia sobre este assalto sistemático
aos alicerces das estruturas e instituições por grupos políticos
cuja essência ideológica ofende o mais elementar
conceito de liberdade, em flagrante desvirtuação do
espírito do 25 de Abril.
Encontro-me, portanto, perante a impossibilidade
de execução fiel ao Programa do Movimento das Forças
Armadas, o meu sentido de lealdade inibe-me de trair o povo a que pertenço
e para o qual, sob a bandeira de uma falsa liberdade, se estão preparando
novas formas de escravidão.»
Outro membro do M.F.A., o general Costa
Gomes, assume na mesma altura a presidência da República,
e em discurso no acto de posse, afirma:
« No processo de descolonização
tudo faremos para respeitar os legítimos interesses
das populações locais procurando o justo equilíbrio
na criação das condições de fraternidade,
de respeito mútuo e de amizade que substituirão laços
anteriores historicamente ultrapassados.»
No mesmo dia, o Dr. Mário Soares,
então Ministro dos Negócios Estrangeiros, acentuava à
imprensa:
« Como ficou demonstrado
recentemente nas Nações Unidas e no Conselho da Europa, o
mundo aprova hoje os processos de democratização
levados a cabo em Portugal.
Todas as garantias foram dadas de que
esses processos continuarão a evoluir segundo as linhas
de acção previstas em 25 de Abril.»
É caso para perguntarmos: quais
linhas?
A Junta de salvação Nacional
é saneada com o afastamento dos generais Manuel Diogo Neto, Jaime
Silvério Marques e Galvão de Melo.
No dia 08/10/74, o Dr. Álvaro Cunhal,
secretário-geral do P.C.P., numa conferência de imprensa realizada
no Clube Atlético de Campolide, disse:
« O General Spínola teve
um papel político importante num dado momento, mas que se tinha
tornado num travão para o desenvolvimento das liberdades democráticas
e a descolonização.»
Participando num debate sobre assuntos
internacionais, da Assembleia Geral da O . N. U., em 09/10/74, o
então secretário-geral da Organização
Africana, Mahomed Siad Barre, também chefe de estado da Somália,
afirma:
« Portugal não tem que
recear pela segurança do seu Povo, propriedades e interesses na
África libertada, uma vez que não está na natureza
dos africanos serem vingativos.»
Em 17/10/74, o ministro da Coordenação
Interterritorial, Dr. Almeida Santos, vai à Indonésia para
conversações com o ministro Adam Malik, sobre Timor.
Durante contactos anteriores, Malik
e o M. N. E., Dr. Mário Soares, haviam concordado em realizar consultas
regulares entre os dois governos sobre o processo de descolonização.
Ao deslocar-se a Timor, o Dr. Almeida Santos
admira-se com o portuguesismo dos timorenses e em especial com a
sua veneração pela bandeira nacional, cuja sombra não
permitem que seja pisada, sendo com emoção que refere estes
pormenores à sua chegada a Lisboa.
Uma delegação mista de Portugal
e Angola, chefiada pelo general Fontes Pereira de Melo, desloca-se a Kinshasa,
é recebida por Mobutu e faz contactos com a F.N.L.A. e com o vice-presidente
do M.P.L.A., Daniel Chipenda.
O general, declara:
« Um dos pontos principais da
minha deslocação aqui, foi reafirmar que estavam plenamente
válidas as soluções que tinham sido encaradas e delineadas
no encontro, em 26/09/74, na ilha do Sal, entre o General Mobutu e o general
Spínola.»
Em 14/10/74, Holden Roberto dá
ordens para cessar-fogo por parte da F.N.L A. e Daniel Chipenda,
um dos leaders do M.P.L.A ., numa entrevista a um jornal sueco, diz:
« Tanto quanto posso avaliar,
a subida ao poder do general Costa Gomes, levará a uma aceleração
do processo de descolonização de Angola.»
e acrescenta:
« O mais importante é a
democracia , mas com Agostinho Neto a democracia é impossível.
Não queremos perder os brancos de Angola --- têm uma grande
importância --- mas deverão tornar-se angolanos.»
Foi nesta altura que a U.N.I.T.A. começou
a instalar em Luanda os seus quadros políticos vindos da Suíça,
onde estavam a frequentar cursos superiores.
Em 17/10/74, o Presidente da República,
general Costa Gomes, fala na O.N.U. sobre a descolonizarão
e afirma:
«No processo de descolonização
manter-nos-emos fieis aos princípios do Direito Internacional da
autodeterminação e independência; na aplicação
concreta dos princípios, teremos a flexibilidade de espírito
suficiente para salvaguardar os interesses dos povos a descolonizar; seremos
tão dinâmicos quando o exige a impaciência de quem toma
uma tarefa com muitos anos de atraso e tão pacientes quanto indispensável
à felicidade dos povos que sofreram na carne as consequências
da anterior situação política portuguesa.»
«Saberemos evitar figurinos estereotipados
e procurar para cada território a solução mais adequada
à garantia da génese feliz de uma nova Pátria.»
Em 21/10/74, o Dr. Agostinho Neto e os
seus colaboradores mais próximos, à revelia da fracção
Chipenda, assinam um acordo de cessar-fogo entre o M.P.L.A. e Portugal.
O Dr. Mário Soares, M.N.E., reúne-se
em Tunis, Tunísia, em 07/11/74, durante algumas horas, com Johnny
Eduardo, director dos Assuntos internacionais do F.N.L.A. e este declara
aos jornalistas:
« Decidimos com o Dr. Mário
Soares, « saltar alguns obstáculos» a fim de andar mais
depressa, porque ambas as partes concordaram que o tempo pode não
ser sempre a favor do movimento de libertação e de Portugal.»
e insistiu:
« Decidimos andar mais depressa
e haverá mais reuniões muito em breve.»
Declarações aos órgãos
de informação, pelo almirante Rosa Coutinho, em Luanda, no
dia 17/111/74:
« O árbitro deste jogo,
se assim lhe podemos chamar, são as forças Portuguesas. Como
comandante-chefe em Angola eu sou, portanto, o chefe dos árbitros.
Naturalmente como o mais responsável, sou o mais atacado. Esta ideia
da minha subscrição faz-nos considerar que muita gente aqui
deseja que eu me vá embora. Não sei porquê! Talvez
seja pelo papel desagradável do árbitro; porque eu sinto
que esta gente tem receio de que no processo de descolonização
em curso de que eu sou árbitro, os seus privilégios e interesses
sejam directamente afectados. Não sei porque tomam essa atitude,
visto que o processo é irreversível. Há, realmente,
que adaptar Angola a condições novas e não pensar
que com o desaparecimento do colonialismo português se dará
lugar ao aparecimento de um colonialismo interno angolano.»
A história da Pátria está
sendo escrita e registará, mas daqui a alguns anos, todas estas
atitudes. Que saiba ser independente são os nossos votos.
Mas a vida das pessoas é curta e,
por isso, tentamos, com este trabalho, registar enquanto existem testemunhos
vivos, as opiniões dos políticos que estão
na origem da desgraça e do sofrimento de milhões de pessoas,
sem distinção de raças, cores ou credos políticos.
ÂNGELO SOARES
(intervenção no 2º
Congresso Nacional
dos Espoliados do Ultramar) |