04.09.2007
Medo! Não tenho medo, porque já estou morto. A
pessoa nunca morre duas vezes. Quem define quem deve ser patriota? Somos
todos iguais perante a lei, pois o artigo 35 da Constituição da
República é muito claro e o Artigo 48 da Lei-mãe diz que eu sou livre de
pensar e escrever, expressar o que me vai na alma. É como a estória dos
reaccionários e não reaccionários; os revolucionários e os
contra-revolucionários. No meu trabalho de reflexão sobre os 45 anos da
Frelimo, eu interrogo-me: quem define quem é reaccionário; quem não é
reaccionário; quem é revolucionário e quem não o é, pois quem tem
competência para definir?. Sou considerado reaccionário, mas até hoje
ninguém me disse em quê fui reaccionário.
David Aloni (RENAMO) sobre arrogância de Guebuza
04.09.2007
O
académico e quadro sénior do partido Renamo com a pasta de ministro
sombra da Indústria e Comércio e membro do Conselho de Estado, Doutor
David Aloni, numa longa entrevista ao MAGAZINE, quebrou o silencio ao
acusar o Presidente da República de ser prepotente e arrogante, cujo
comportamento vai incendiar Moçambique a qualquer momento. Aloni
recorda os momentos críticos da Frente de Libertação de Moçambique sem
deixar de manifestar a sua preocupação em relação ao estágio actual do
País, pois para ele, Moçambique está a mudar para o abismo. Se
continuarem fechados, empurrando o diálogo para o lixo, o que não
acontecia na governação de Joaquim Chissano, a situação vai ficar feia,
avisa Aloni para quem dirigir a Renamo não faz parte da sua agenda,
pelo que prefere deixar o lugar para os jovens. Siga os trechos mais
significativos da conversa concedida ao jornal MAGAZINE INDEPENDENTE.
Nelo Cossa*
O Dr. Aloni andou desaparecido da vida sócio-política e cultural do País por causa de doença. Como se sente hoje?
Não estou cem por cento bem de saúde, mas dá para trabalhar, pois
durante um período estava interdito pelo meu médico de exercer qualquer
actividade intelectual. Mas agora ele disse que já posso voltar a ler e
escrever. Muito obrigado por se terem preocupado com a minha saúde, pois
agradeço também a oportunidade que me dão para poder dizer aos
moçambicanos aquilo que penso do nosso belo País.
Académico, intelectual, político como é que vê o País?
Esta é uma pergunta difícil de responder sr. Cossa,
porque cada um de nós vê o País à sua maneira; cada um de nós vê o País
sob seu ponto de vista, sob uma determinada perspectiva. Como sabe,
diz-se que a prática é critério da verdade e eu digo que a experiência
também o é. Diante de um objecto, a gente diz que está aí uma mala
bordada, porque a vejo numa determinada perspectiva, enquanto uma outra
pessoa enxerga a mesma mala numa outra perspectiva, por estar sentada
numa determinada posição diferente da que me encontro.
Mas
o objecto da nossa atenção, da nossa análise é a mala no seu todo. Se
digo que a mala que enxergo é bonita, a outra pessoa pode dizer que vê a
mesma mala e não a acha tão bonita como eu a vejo. Mas atenção que
estamos a falar da mesma mala, que é vista por duas pessoas em
perspectivas diferentes. Onde está a verdade? A verdade é a própria
mala, pelo que nem Aloni e muito menos a outra pessoa têm a verdade.
Aquela mala é que é a verdade, objectivamente falando. Mas a mala existe
ou não existe? Claro que existe e eu estou a vê-la, e a outra pessoa
também diz que existe e esta a enxergá-la. Ou o senhor vê a mala na
esquina e eu na sua plenitude. Então, a prática é a mala. Isto para
dizer que vejo o País de uma maneira diferente, porque eu venho desde o
tempo colonial, o tempo da luta armada de libertação nacional; eu vivi a
independência. Eu vivi o desenrolar do processo político moçambicano,
desde a proclamação da Independência até, por exemplo, a criação do
Partido de Vanguarda da Aliança Camponesa, cuja síntese está neste livro
que lhe mostrei sobre o terceiro Congresso da Frelimo que se realizou
de 3 a 7 de Fevereiro de 1977. O que se seguiu depois foi aquilo que
obrigou aos moçambicanos a começar a dividir-se, porque uns pensavam de
uma maneira e outros de outra, o que é natural.
Dentro
de vinte 20 milhões de moçambicanos podemos dizer que há 20 milhões de
pensamentos a reflectir sobre o mesmo objecto, que é mala, neste caso a
mala é todo o País como já referi. E como tal, por exemplo, temos que
admitir que sr. Cossa pense de uma forma diferente, porque é uma
personalidade distinta da minha; o senhor pensa à sua maneira e eu penso
à minha maneira. O seu pensamento e o meu, bem conjugados vão dar-nos
uma síntese do que é o País. Por isso, a verdade não é mais do que o
somatório de pequenas verdades de cada um de nós, que são os vários
pontos de vista; as várias perspectivas, que cada um vê num determinado
ângulo.
Portanto, estamos a falar do País. Porque
não viu o País antes, naturalmente, poderá não concordar com aquilo que
vou dizer. Mas, devo referir que o depois nunca o é sem o antes. Este é
que é o ponto. Quando dizem que os velhos são uma biblioteca,
acumuladores de experiência da vida, é porque de facto, viram o antes, o
hoje, e estão a ver o depois, que é o amanhã. E porque o homem é ser
projectado, pelo que vivemos o ontem; vivemos o hoje a partir de ontem,
vamos viver o amanhã a partir de hoje. Então, a projecção consiste em
estarmos lançados para o amanhã. Anda hoje na moda que temos que ser
pro-activos, o que quer dizer que temos de agir em função do futuro.
Este País podia estar melhor do que está, porque quanto mais eu analiso a
situação sócio-política, económica, cultural e até histórica eu fico
preocupado. Mas a minha preocupação pode ser interpretada de várias
maneiras, pois uns dirão que Aloni é radical e, outros, é pessimista,
porque vêem tudo com óculos escuros; bem como dirão que Aloni não é
patriota.
Embora não tenha dito o que lhe está preocupar no País, o Dr. não tem medo de ser radical?
Já procurou saber?
Várias vezes. A resposta é: Aloni já passou, é assunto para esquecer e
seguem-se palmadinhas nas costas. Esquecer não posso, mas perdoar sim.
Há uma canção que diz que não vamos esquecer aquilo que passou, pelo
que o que passei nunca vou esquecer, porque foi terrível meu filho.
Obviamente que continua com as marcas e, certamente, elas influenciam a sua forma de pensar e/ou e ver Moçambique?
Continuo com marcas e nunca mudei a minha forma de pensar. O pensamento
continua o mesmo que eu tinha em 1952. Sempre vi as coisas à minha
maneira. Quando atingi os dezoito anos, estava em Boroma na Escola de
Formação de Indígenas na província de Tete. Em Agosto de 1958, fui de
férias a Angónia, minha terra natal, e como sempre, gostei de andar com
meu pai, pessoa influente na zona. Ele convidou-me a uma reunião em
Lisulo. Lisulo é a corte real dos angoni, no Malawi, cuja zona fica
localizada ao longo da fronteira.
O meu pai disse-me que o salvador do Malawi ia falar.
Estava a referir-se ao Dr. Kamuzu Banda que ia dirigir um comício pela
primeira vez. Nós de Angónia fomos em massa e eu ouvi o discurso do Dr.
Banda. Não faz a mínima ideia de como eu vibrei perante aqueles dizeres,
pois relacionei-os com a situação que se estava a passar em Moçambique.
O meu régulo era primo do inkosi Gomane Kuende. As conversas deles, já
em 52 e 53, incidiam numa eventual independência do Malawi integrando
Angónia, cuja intenção foi descoberta pelos portugueses. Para os
portugueses aquilo que se passava no Malawi era confusão, pelo que
queriam manter o seu regime aqui no País, mas Banda podia falar em
público naquele ponto do nosso País. Nós queríamos independência de
Moçambique, bem como os malawianos queriam também ser livres.
Naquele
tempo ainda não estávamos organizados, naturalmente. Willard Gomane
Kuende disse ao seu primo que nós ficaríamos independentes se nos
encostássemos a eles. Em termos sociológicos e políticos, isto queria
dizer que era anexação de Angónia ao Malawi. E o meu inkosi queria que
isso acontecesse, mas foi descoberto pelos portugueses, o que lhe custou
a prisão. Quando regresso daquele comício eu galvanizei os meus colegas
na Escola normal, até que houve uma agitação que me valeu a acusação de
mentor da rebeldia. Foi atrevimento demais, o que nos valeu uma punição
até dizer basta. Nessa altura, não sei se existiam a UNAME, o MANU e a
UDENAMO. Passado um tempo, mantenho contacto com o fundador de UNAMI, o
moçambicano Cândido Gadaga. Ele e Baltazar Chagonga, pai de Filipa
Baltazar, que foi deputada na Assembleia da República, foram os
fundadores da UNAMI, cuja agremiação passaria automaticamente a ser o
meu movimento, porque congregava o distrito de Tete e parte da Zambézia.
Mas, os fundadores estavam escondidos no Malawi. Nas celebrações dos 45
anos da Frelimo perguntei se conhecem uma tal carta de Eduardo Mondlane
dirigida a Baltazar Chagonga.
O que é que dizia essa carta?
Não posso revelar agora o conteúdo da mesma. É a partir dessa
correspondência que a UNAMI aceita integrar um movimento único para a
libertação de Moçambique. O MANU e a UDENAMIO devem ter mantido
correspondência com Mondlane para se unirem. Nasce, deste modo a Frente
de Libertação de Moçambique, a qual todos nós pertencemos. Estou a falar
do famoso dia 25 de Junho de 1962, pois o que se discutiu no primeiro
congresso está muito claro. Foi no primeiro congresso onde se
institucionalizou a Frente de Libertação de Moçambique como um movimento
de libertação, pelo que foi muito aliciante e interessante. Perante o
que se passou naquele congresso ninguém duvidou que devíamos nos unir
para conquistar a independência, dentro de uma perspectiva democrática.
Daí que houve eleições. É evidente que todos achavam que Eduardo
Mondlane era aquele que devia liderar a frente.
Além
disso, tinha que se eleger um vice-presidente: o Reverendo Urias
Simango foi eleito vice-presidente da Frente de Libertação de Moçambique
e os dois são reeleitos no segundo congresso em 1968. Sabe que este ano
foi conturbado na história da Frente de Libertação de Moçambique, pois
foi nessa altura que começa a fermentar e, depois, nascer uma nova
ideologia, que já não era de carris democrático. Independentemente da
frente ser apoiada por países diversos, uma vez que estávamos na fase
critica da guerra fria entre este e oeste, as coisas complicaram-se.
Naturalmente, os de leste, que constituam o bloco socialista estavam
interessados na libertação das antigas colónias, tendo dado apoio
possível, nomeadamente a ex-União Soviética com todos países satélites e
a China, justamente para conquistarmos a nossa independência, a nossa
soberania.
Mas é preciso ter presente isto: Mondlane foi formado
no ocidente, portanto, num país capitalista. Toda a sua
intelectualidade e estrutura mental estavam em conformidade com a
ideologia capitalista; por isso, leia com muita atenção a obra Lutar por Moçambique,
onde vai perceber qual era o pensamento politico de Mondlane, o que
Mondlane queria para este Moçambique. Ele fala de socialismo, de justiça
social, mas a pergunta que devemos colocar é: de que socialismo falava
Mondlane? É uma pergunta que muitas pessoas não colocam, mas eu a
coloco. A crise na frente acontece numa altura em que dentro do bloco
socialista começa a haver divergências muito sérias, pois os chineses e
os soviéticos entraram em rota de colisão, apesar de ambos serem da
mesma ideologia. E isto reflectiu-se na Frente de Libertação de
Moçambique, uma vez que houve correntes ideológicas diferentes. Uns
defendiam a sintonia com a União Soviética e outros com a China, por
razões que não sei. Ressalta a pergunta: de que corrente pertencia
Eduardo Mondlane? Não pertencia a nenhuma delas, porque ele pensava com a
sua cabeça. Ele foi professor universitário, funcionário das Nações
Unidas e tinha uma estrutura de pensamento diferente de outros camaradas
seus, pois não era fácil de o manipular: era um osso duro de roer.
O facto de ele ter uma estrutura de pensamento diferente, custou-lhe a vida?
No meu artigo sobre os 45 anos da Frelimo eu pergunto: não terá sido
precisamente por pensar diferente que lhe tiraram a vida? Porque ele
podia constituir um obstáculo para a implementação de uma das
ideologias, mais tarde num Moçambique independente. Este é um raciocinou
lógico.
Mondlane é assassinado, mas
deixa um vice-presidente, que automaticamente devia liderar a frente. Na
sua opinião o que aconteceu para que isto não acontecesse?
Está a colocar uma questão pertinente. Esta é uma
pergunta que é colocada por muita gente que se interroga e pensa com a
sua própria cabeça. Os estatutos da Frente de Libertação de Moçambique
rezam que a estrutura orgânica da frente tinha o ponto máximo o
congresso, depois o presidente e vice-presidente. Porque é que depois do
bárbaro assassinato de Mondlane o Reverendo Urias Simango não assumiu
automaticamente a liderança da Frente? Começa outro problema, pois as
tais duas correntes não estavam interessadas em ver o vice-presidente a
liderar a frente. Quando dizemos Reverendo logo estamos a falar de um
homem de Deus, um homem que acreditava nos valores mais sublimes,
acreditava na existência do Senhor e rezava. Mas outros camaradas seus
defendiam que a religião era o ópio do povo. E pergunta quem disse isso?
A resposta é: foi Karl Max. Mas não interpretaram correctamente o seu
raciocino. Está imaginar um reverendo a dirigir uma frente de
libertação. Todos os valores éticos, morais e toda a ambiência que
rodeava o reverendo não permitiriam trafulhices. Foi nessa altura em que
começa a hegemonia política de uma região sobre outra, daí que era
preciso neutralizar Urias Simango.
Criaram um
triunvirato para o abater. Os estatutos previam a criação de um
triunvirato? A questão da Frelimo pontapear as leis, pontapear a
Constituição da República não é de hoje. É óbvio que naquela altura não
havia Constituição da República, mas sim estatutos, que foram
pontapeados. Havia um objectivo, pois o vice-presidente não se sentiu
confortável. Que o pusessem como presidente e num congresso
extraordinário elegessem um vice-presidente, era uma saída justa e
coerente de acordo com os próprios estatutos. Não quiseram, prefiram
criar um triunvirato composto por Samora Machel, Marcelino dos Santos e
Urias Simango. Não gosto de falar de pessoas que nos deixaram, mas veja
essas duas primeiras figuras tenebrosas e tenebrosas... E tudo fizeram
para que o Reverendo se revoltasse, pelo que as duas ideologias
continuaram a avançar em paralelo até à proclamação da independência. De
acordo com alguns pensadores, analistas, historiadores e políticos, o
que estava na cabeça de Mondlane é que após conquistarmos a
independência, devia agir-se em conformidade com as regras universais
que regem os princípios democráticos. No governo de transição deveria
ser permitida a constituição de partidos que seriam os mesmos a
concorrer às eleições na altura da independência. Mas, isso não
aconteceu, abocanharam o poder. Tenho a certeza de que este não era a
ideia de Eduardo Mondlane. Sabe que na altura existiam Gumo, Fumo e
outros partidos e o próprio Reverendo tinha um partido dele, queria
também participar, mas a Frelimo esmagou a todos, à força: implantou a
ditadura e o totalitarismo; prenderam a gente.
Onde estava quando se proclamou a independência?
-
Quando se proclamou a independência eu não estava cá, estava na Holanda
a fazer a última formação académica em Relações Internacionais e
Diplomacia. O meu estágio foi no Tribunal Internacional de Haia. Eu
conheço aqueles corredores, pois assisti a dois julgamentos, o que me
galvanizou para a causa de Relações Internacionais. No dia em que
Moçambique fica independente, os meus colegas fizeram-me uma grande
festa para, depois, no dia 27 eu ser graduado. A Reitoria convidou-me
para dar aulas na mesma universidade, mas como fui à Europa para
roubar conhecimentos para poder fazer crescer o meu País, decidi
voltar. Desembarco no aeroporto internacional da Beira, exactamente no
dia em que Samora Machel decretou através de um discurso, num comício as
nacionalizações. Estava uma agitação terrível; pelo que vim a saber,
mais tarde, outros moçambicanos que tinham estado a estudar nos Estados
Unidos e noutros cantos do mundo, a formarem-se, ao desembarcarem no
aeroporto foram presos; não foram vistos pelos familiares, depois de
muito tempo fora de Moçambique.
Quando outros, ainda no exterior, se aperceberam
desta situação, não voltaram. Não quiseram vir viver um comunismo puro
que a Frente de Libertação de Moçambique implantara. Vivia-se um
terrorismo de Estado e, eu não estava habituado a esse tipo de vida.
Fiquei hospedado em casa dum irmão meu que era chefe regional dos
aeroportos da região Centro. Entre várias estruturas, onde me
apresentei, quando cheguei a Moçambique, foi o Ministério da Educação e
Cultura em Maputo. Na altura, era ministra a senhora Graça Simbine. A
minha audiência não passou de uma inquisição. Chegou a ponto de
questionar os meus conhecimentos. O senhor pensa que é quadro? Quadro
formado por quem e para quem? Estou a citar alguns excertos da
inquisição. O fim foi muito triste, pois prefiro não dizer, pelo que,
não insista. Regressei à Beira e encontrei uma crise tremenda de falta
de professores, porque estavam a abandonar as escolas. Apareceu alguém
que tinha uma empresa que operava na indústria e comércio, pela qual fui
convidado a ocupar o cargo de sub-gerente, embora não tivesse feito um
curso específico; tinha noções de gestão com base na filosofia
económica. Por causa da minha entrega e rápido enquadramento, fui
evoluindo até ao ponto de ser responsabilizado outros cargos. É através
do sócio-gerente que venho a conhecer Orlando Cristina. Que
coincidência! É preciso dizer que, nessa altura, 1976, André Matsangaisa
e Afonso Dhlakama estavam na Beira.
Teve algum contacto com eles?
- Não tive contacto com eles. Mas já sentia que
alguma coisa iria acontecer, no País. Também fui abordado para dar
aulas, e expus logo o assunto ao meu patrão. Este deu-me a luz verde
para aceder ao convite, mas sem me esquecer da empresa. Comecei a dar
aulas no Liceu e no Instituto Industrial e Comercial, mas sempre deixei
claro aquilo que fui dito no Ministério da Educação e Cultura. Encontrei
três professores que tinham sido enviados aos Estados Unidos, por
Eduardo Mondlane, a darem aulas, e um deles era Joaquim Marungo, hoje
chefe do Gabinete Central de Eleições da Renamo e deputado da Assembleia
da República. Havia quatro negros com formação superior nas duas
instituições supra, o que se traduziu num delírio, no Liceu e no
Instituto.
Mas isto foi sol de pouca dura. Num
belo dia 17 de Setembro de 1976, fui convidado por um casal amigo para
jantar em casa deles. Dei deveres aos meus alunos. Os meus colegas foram
dar aulas; foi precisamente nesse dia que o Dr. Marungo estava a
explicar Matemática, quando aparece alguém, por trás, a dizer-lhe para o
acompanhar. Quando chega na sede do SNASP, apercebe-se que outros dois
colegas já lá estavam. No dia seguinte, fui a uma exposição de livros,
entre os quais estavam meus dois. Quando, no intervalo, regressei à casa
para almoçar, minutos depois de me sentar à mesa, toca a campainha, e
abro a porta. Deparo-me com uma figura alta, grande e feia com uma
notificação que dizia para o acompanhar. Essa notificação há-de sair no
meu livro.
Tenho seis livros à espera de
oportunidade para serem publicados. Veja que eu não sabia que os meus
colegas tinham sido detidos. O fulano que me veio prender era meu aluno;
veja até onde vai a baixeza dos homens! Então, lá fomos ao sítio, onde
fiquei mais de três horas, de pé, sem ninguém me dizer nada, e a minha
falecida esposa (que Deus a tenha em paz), estava grávida. Foi um
psicodrama que não se pode esquecer!... Horas depois, o meu irmão toma
conhecimento e vem ao meu encontro. Minutos depois alguém vem e diz-me
para o acompanhar à cela e eu recuso. Depois, aparecem três para me
pegarem, à força, e eu sacudi-os, porque eu já estava uma fera. Nunca
fiquei tão nervoso como naquele dia, mas o meu irmão aconselhou-me a
acompanhá-los. Meteram-me na cela 11. Mais tarde, vim a saber que o meu
crime tinha a ver com o facto de ser contra-revolucionário e
reaccionário. Mas quem prova isso? Não gostaria de entrar em detalhes,
porque os momentos que se seguiram foram violentos para mim. Ficámos
presos durante um mês na Beira e não nos comunicávamos. Houve uma
confusão na Beira, protagonizada pelos alunos. Eles questionavam o
porquê de até professores negros serem presos e afastados quando havia
crise de professores? Este questionamento foi levantado, porque muitos
professores brancos estavam a abandonar o País. Todas as escolas queriam
entrar em greve, tendo o SNASP se apercebido de que nós tínhamos
influência. Entretanto, este senhor que é Presidente da República faz
uma visita à Beira, porque era ministro do Interior. Ele queria saber se
havia ou não presos políticos. E nós ficámos satisfeitos, porque vimos
que era uma oportunidade para expor o nosso problema. Esconderam os
nossos nomes, para, depois, sermos desterrados para a Zambézia. O senhor
Bonifácio Gruveta, que era governador na Zambézia, impressionou-nos,
pela positiva, pois ele quis saber que crime cometêramos na Beira. Não
levámos nenhum documento ou guia de marcha que informasse o mal que nós
havíamos feito. O Gruveta fez diligências na Presidência da República
Popular de Moçambique para poder agir em consciência. Recebeu instruções
para fazer coisas que não lhe posso dizer.
Essas coisas eram mortais?
Não posso revelar, porque é muito chocante. Chegou,
depois, uma ordem que mandava que fôssemos para a reeducação, uma vez
que o governador não quis cumprir a primeira. Até hoje não recebi nenhum
documento a dizer que já fui reeducado, se já estou identificado com o
povo. E para eu me identificar com o povo, tinha que ser submetido a
trabalhos forçados e violentos. Tudo quanto disse atrás é, exactamente,
para afirmar que eu defendi sempre a democracia pluralista; nunca
aceitei o monopar-tidarismo, embora numa determinada fase tivesse
defendido só a existência de dois partidos em * +qualquer pais africano
ou uma outra hipótese que eu me colocava, era um partido único, sim, mas
de cariz, efectivamente, democrático. Por quenão se aceitou que os
moçam-bicanos se congregassem em partidos, em Moçam-bique? Tivemos e
continua-mos a viver um regime de terror. Este regime terrorista está
disfarçado de democracia. Não é por acaso que os partidos políticos da
oposição são hostilizados, amordaçados e perseguidos. A governa-ção de
Guebuza está a levar o País para o abismo. Tudo está claro que este
regime de Guebuza está a voltar ao monopartidarismo, pois, o meu
presidente Dhlakama já chamou a atenção.
O
Presidente Armando Guebuza, durante as celebrações dos 45 anos da
Frelimo disse que não há razões para se voltar ao monopartidarismo...
Isso é conversa fiada. É uma afirmação para enganar o
outro, pois eles estão a conduzir o País para uma situação a que chamo
altamente perigosa. Tudo indica que pode rebentar uma convulsão social e
política de consequências imprevisíveis. Numa das intervenções desse
mufana, Edson Macuácua, diz que a Frelimo é o partido do povo para o
povo. O que é que ele está a dizer? Eles pensam que nós estamos a
dormir? Pelo menos eu não estou. Falar de partido do povo para o povo,
é o mesmo que dizer um partido de todo o povo moçambicano, um partido
aglutinante, de que todos nós fazemos parte. E no substrato de um
partido aglutinante, o que é que está lá é o monopartidarismo,
totalitarismo. É preciso prestar muita atenção ao que dizem. Um
parênteses: aqueles números da composição da Comissão Nacional de
Eleições significam o processo de triunvirato; pois nota-se uma
hegemonia de uma determinada região sobre outras, o que é perigoso. Devo
dizer que com a situação que o País atravessa, de enormes dificuldades,
há maior probabilidade de se incendiar um barril de pólvora que, a
qualquer momento, poderá explodir. E a explodir, não sei quem vai
aguentar os efeitos. Ilusoriamente, a comunidade internacional continua a
dizer que Moçambique é um exemplo de reconciliação nacional. Onde está
essa reconciliação nacional? É uma reconciliação fictícia e teórica.
Esta não interessa, porque queremos uma efectiva. Se Guebuza continuar
com a atitude arrogante, o País pode arder, sim! Se continuarem
fechados, empurrando o diálogo para o lixo, o que não acontecia na
governação de Joaquim Chissano, a situação vai ficar feia.
Qual é o papel da oposição perante este cenário que está a levantar?
-
A oposição está a ter dificuldades em desempenhar o seu papel. Há quem
diga que a oposição está de férias, o que não é verdade. A oposição
está a ter dificuldades em desempenhar a sua função, pelo que essas
dificuldades, hoje são mais salientes e altamente perigosas. Porque,
quando faço referência ao antigo presidente Joaquim Chissano, não é por
acaso: ele é o expoente máximo da diplomacia moçambicana, se não
africana. Admiro-o bastante. Estou a distinguir Chissano de Guebuza,
embora todos sejam do mesmo partido. Por que Chissano dialogava e
Guebuza não? Segundo a nossa tradição, o diálogo é uma das vias
indispensáveis para a busca de soluções. Hoje, o País está a enfrentar
dificuldades de vária ordem, porque não se abre espaço para que a
oposição contribua, também, com as suas ideias. Não é a Frelimo que vai
construir o País, sozinha; cada moçambicano tem a sua parte. Pois, bem
disse o actual Presidente da República que, cada um, faça a sua parte.
Então, como vai fazer a sua parte se não lhe dá oportunidade? Logo, é
conversa fiada. Veja como o sindicato do crime organizado tomou conta do
Estado. Isto é vergonhoso! O sindicato do crime está a governar, porque
não há autoridade. Como se pode combater o crime, enquanto as próprias
forças ditas de defesa e segurança estão envolvidas nesses crimes?
Quando não se entendem, baleiam-se. Tenho pena de José Pacheco, pois nem
sabe o que está a dizer; Pacheco está feito um fanfarrão. Esse
comandante geral descoberto nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique,
que nem se quer patente tinha para exercer as funções de Comandante
Geral da Polícia, é uma vergonha Nacional. Consultaram a Lagos Lidimo,
Chefe do Estado Maior? Que compromissos é que há? Um general fabricado à
última hora: isto é palhaçada demais! Os moçambicanos não merecem esta
vergonha, merecem mais consideração, respeito e auto-estima, mas Guebuza
fala de auto-estima, só que não a pratica. Ele é que se auto-estima;
está a utilizar o povo para os interesses pessoais inconfessados. Até
quando o povo vai ter que aturar isto?
Se
se criasse uma oportunidade para que a oposição se sentasse à mesma
mesa com o governo para, em conjunto encontrarem alguma solução dos
problemas que levanta, quais seriam os pontos prioritários a debater?
A primeira coisa, para se abrir um diálogo, é haver
eleições livres, justas e transparentes. É aqui onde começa o diálogo,
pelo que quem não é transparente só quer ganhar com base em esquemas. Só
dizem que a Renamo ou Dhlakama fala em fraudes; pois, é verdade, não
são estórias. Quem ganha eleições com base em esquemas, sejam eles
informáticos, sejam de intimidação, à boca das urnas, sejam eles em
manipulações de recenseamento, é porque não está seguro.
Temos uma nova Comissão Nacional de Eleições?
- Outra fantochada. Já escrevi sobre a nova CNE, pelo
que respeito muito as pessoas que lá estão. Espero que o Professor
Doutor Leopoldo da Costa seja coerente com a sua intelectualidade, que
se distancie do comportamento da performance daqueles dois reverendos
que apareceram misteriosamente por obra da Frelimo. Eram fantoches.
Aquela composição em si é sugestiva, pelo que, sugere-nos que pode haver
uma jogada qualquer. Temos seis, naturais de Maputo, três, naturais de
Gaza, dois, de Inhambane, um, de Tete e, um, da Zambézia. Querem manter o
poder no sul? As três províncias do sul o que representam em relação às
sete?. Não sei se o total da população de Nampula não supera a do sul
todo, particularmente Maputo. Faço esta analise com muita preocupação e
mágoa, porque sou patriota. Estiveram reunidos, recentemente, a apreciar
a estratégia da revolução verde. Temos a jatropha, a luta contra a
pobreza e agora a revolução verde. São palavrões bonitos e tudo
conversa. Agora se me disser que está a lutar por maior riqueza, isso
posso acreditar. Estão a deixar o povo moçambicano a vegetar. Uns dizem
que o povo moçambicano é pacifico, eu digo que não é pacifico, é passivo
de mais, até um dia. Temos chefes que dão cinco mil meticais aos filhos
para esbanjarem ao fim de semana, enquanto o trabalhador mal ganha o
salário mínimo. Onde está a justiça social de que tanto se fala? Onde
está a distribuição equitativa da riqueza nacional? Se eu fosse
Presidente, não abriria a boca, ficaria pasmado perante a desgraça e
miséria que enferma os moçambicanos, em vez de dizer que a pobreza está
a fragilizar-se.
Sente que o Conselho de Estado é um órgão moribundo?
-
Não há vontade política para que este órgão funcione, de facto. Há quem
pense que eu quero que se reúna o Conselho de Estado (CE). Negativo.
Quanto mais tempo livre me dão, melhor para mim, de forma a ocupar-me de
outras coisas, e se calhar, ate mais importantes para o Pais. Outros
pensam que o membro do CE ganha 50 mil meticais, o que não é verdade,
pois, nem um cêntimo de dólar recebem para fazer cantar um cego. Há que
se respeitar o preceituado na Lei-Mãe. A tragédia de Malhazine e o crime
violento que tomou conta do País, são motivos suficientes para se
convocar o CE. O actual Chefe de Estado é prepotente e arrogante. Se
quisesse ver o País a andar, havia de ouvir aqueles velhos que perfazem o
CE. Mas ele se intitula sabichão e omnisciente. Como sabe, nós só
reunimos uma única vez, para tratarmos da questão do regimento interno,
cartão de identificação, e de lá a esta parte, não sabemos o que se
passa com o CE. Ele diz que Moçambique está a mudar. Sim, está a mudar,
mas para o abismo. Moçambique está a regredir em termos de democracia.
Tirando a questão da sua saúde, vozes há que dizem que Dr. Aloni está a ser isolado no seu partido...
-
Não é verdade. Na Renamo há democracia. Sou membro do Conselho
Nacional, e lá digo aquilo que penso e ninguém me trava a palavra.
Igualmente, estou no governo sombra, onde ocupo a pasta de ministro da
Indústria e Comércio. Tenho liberdade de pensar e dizer o que eu quiser
na Renamo. Portanto, não estou isolado.
Fala-se na figura de David Aloni ou Davis Simango como os prováveis sucessores de Afonso Dhlakama. Pensa em candidatar-se?
-
Recuso-me a ocupar esse lugar, porque a idade já não me permite correr.
Deixo este tipo de cargos para jovens, porque a vida deste País está
nas mãos da juventude.
Acha que a liderança de Afonso Dhlakama chegou ao fim?
-Recuso-me a responder a essa pergunta.
Na
qualidade de ministro sombra da Indústria e Comércio, qual é o
comentário que faz em torno da integração económica na Comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral?
- É
sobejamente visível que vamos ser engolidos, até porque já o estamos.
Houve uma precipitação em se querer meter neste processo, sem fazer um
sério trabalho de casa. Em que sector vamos ser competitivos, se não se
produz nada competitivo? Faliram os sectores têxteis e do caju, onde
havia sinais de nos impormos na região. É claro que se a Renamo
governasse, tudo faria para revitalizar estes sectores. Podíamos criar
formas de actualizar, em formação e capacitação, o exército de
trabalhadores que tanto produziu quando estava no activo. Podíamos criar
formas competitivas de produção de batata como as produzidas em Moamba e
em Angónia. São saídas viáveis...
*(nelo_mz@yahoo.com.br)